De modo que o meu espírito
Ganhe um brilho definido
Tempo, tempo, tempo, tempo
E eu espalhe benefícios
Tempo, tempo, tempo, tempo (Oração ao tempo – Caetano Veloso)
Esta semana faço sessenta anos. A psicanálise nos lembra que há um único significante ao qual não temos acesso em nossa existência: o da morte. Graças a isso, vivemos, a maior parte do tempo, sem nos apercebermos desta “senhora”’, que a tudo destrói e que está na espreita lá na esquina do tempo. A danada nunca falha! A estrutura desejante da qual somos constituídos nos impele, a cada dia, a viver alienados desta realidade.
Os sábios conseguem viver, com serenidade, cada momento da vida como se este fosse o último e aí não há desperdício, apenas intensidade em seus propósitos e destinos. Fui constituído e nomeado primeiro: como decorrência, obviamente, como todos, da relação entre meu pai e a minha mãe; segundo, antes de nascer, com a morte súbita do meu avô, escolhido para levar o seu nome. Carregamos, desde o início da nossa existência, os selos da vida e da morte.
Cabe-nos, na medida do possível, viver.
O tempo é nosso principal aliado nesta tarefa, porém pacientemente sabe que caminhamos para um fim. Os aniversários são momentos de celebração da vida mas também podem ser importantes balizas que nos apontam o caminho da morte. Digo isso sem nenhuma morbidade, apenas uma constatação — filosófica? Ao contrário de uma visão religiosa, que se utiliza do pecado e da morte para conquistar e manter seu eleitorado sob controle, para mim a morte é uma evidente e imperativa necessidade de valorizar a vida, posto que esta é um bem escasso e finito.
Viver é, em alguns momentos, sofrer; mas também é sinônimo de prazer.
Freud, refletindo sobre as principais fontes do sofrimento humano, condensa-as em três: a primeira, causada pela natureza, que são as grandes hecatombes, como um tsunami, furacão, terremoto, etc.; a segunda, é a natural decadência biológica que o tempo, inexoravelmente, causa em nosso corpo; e a terceira, a única que podemos ter algum controle sobre ela, é o convívio com o outro ser humano. Das três, Freud classifica a terceira como a que tem mais poder em nos infringir sofrimento. Porém, é também através deste convívio que sorvemos o ápice do prazer, o sexual.
Há, em minha história, uma forte simbologia sobre essa idade. Meu avô morreu aos sessenta e três de enfarte, um ano antes do meu nascimento; quando eu tinha quatorze, meu pai morre aos quarenta e cinco, também de enfarte. Do primeiro, herdei seu relógio de algibeira com corrente de ouro, a honra e o peso de carregar o seu nome; do segundo, herdei a vida e os principais trilhamentos que forjaram-me como sujeito humano, embora isto eu só tenha percebido muito tempo depois; quando no lugar da dor da perda, restou apenas uma tosca cicatriz — como é próprio da vida. De ambos, o saudável respeito pela morte e, pela via do avesso, uma intensa relação com a vida.
Muitos foram os sonhos realizados, como também muitos foram os desejos frustrados, as perdas, mágoas e arrependimentos; mas o que importa é seguir desejando sempre aquilo que nos escapa. Com a companheira ao lado (Ah! o amor! Esta seiva da vida.); os filhos e netos; a família e amigos – vou tecendo, na medida do que consigo extrair da vida, uma valiosa (pelo menos para mim) e complexa malha de afetos, conhecimento e interações com o outro.
[1]Con un horizonte abierto Que siempre está más allá Y esa fuerza pa’ buscarlo Con tesón y voluntad.(Los Hermanos – Atahualpa Yupanqui)
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Novembro de 2014.
[1] Com um horizonte aberto
Que está sempre mais à frente
E essa força para buscá-lo
Com tenacidade e vontade. (Los Hermanos – Atahualpa Yupanqui)
Há pessoas que sentem o passar do tempo como o correr de um rio, que se contenta ao confundir o seu fim com um abraço ao mar, que o devora. Há pessoas que acreditam que o tempo é o hoje e que, portanto, são imortais, pois o hoje é o sempre. Simplificando as coisas, curta ser mais um sexagenário e aproveite a vida! parabéns, amigo.
João Rego,
benditos os que descobrem tantos viéses nessa estrada. Mas não sou do mesmo grupo de risco. Vejo a linha reta e o passo bem acelerado. Ou, então, o labirinto, onde a bruxa esconde a fruta-causa da morte (a minha).Quando fiz 60 anos, há dois anos, um general me apareceu em sonhos e entregeou o passaporte. Coisa estranha, dilacerante,esse caralho da terceira idade. Quero a segunda. Segunda e meia, vá lá que o seja… Não à terceira porque fiz 15 anos dia desses/ e recebi meu anel de barachel há pouco tempo, ali na Praça Adolfo Cirne. Passando por cima de dois ou três parágrafos -, e havendo vida após a dita cuja, vou curtir um bocado. Uns tempos na FDR. Biblioteca. Outros, em Barcelona, outros nas casaa todas de Neruda e outras em Vila Nova de Gaia. De vez em quando, no País de Caruaru. Também em Ouro Preto e Colonia do Sacramento. Al fin y al cabo, um espirito viajeiro. Via vc nas fotos, com Elba. Supunha que vc estivesse alrededor de los 50th. Se estamos no mesmo barco, vamos remar. Navegar ainda é preciso. Vc, na sua direçao, louvando – dos deuses, o mais belo. E eu, ainda com lenço, documento e folha de ponto para assinar. Tem alguma coisa mal conduzida nessa trajetória. Melhor tomar o rivotril. Daqui a pouco, a repartiçao. Abs. Belo relato, o seu.
Maria do Carmo Vieira Peixoto.
PS. Vá perdoando alguna palabra indecorosa.
Encontrei o adjetivo: morrer é uma falta de decoro.
João, vc aniversaria e nós é que somos presenteados com esse belo texto de lindas, filosóficas e poéticas reflexões. Obrigado amigo João Rego, cada vez melhor.
Parabéns! 60 anos são um tempo curto para uma montanha, mas, eterno para uma alface! Parabéns pela Sabedoria , já alcançada, de perceber, que, o mais importante de tudo, nessa passagem rápida poe esta existência, é aprender a melhor conviver, com as pessoas, respeitar as pessoas, perdoar as pessoas, e sentir, que, no final, o que é eterno, é a “teia de relacionamentos” que tecemos ao longo das décadas, o que realmente fica, é o que de humano, solidário, afetivo, amoroso, nós construímos com “os outros’, que, afinal, são “nós mesmos”. Viva até os 90! Abração!
Lindo escrito João.
um cheiro,
Ana Lúcia