“Se me esquecer de ti Jerusalém, quero que minha mão direita fique seca e incapaz de tocar a harpa. Se não preferir Jerusalém a tudo que mais me alegra, quero que minha língua fique presa e nunca mais eu possa cantar“. Salmo 137:5-6
Prólogo
Duas semanas atrás, esta Será? publicou reminiscências sobre minha primeira – e mais longa – temporada em Israel em quase 43 anos de andanças pelo mundo. Perplexo com a receptividade que teve a página autobiográfica – recebi mais de cem e-mails pessoais, afora os postados na seção de comentários desta revista eletrônica -, fui estimulado por alguns leitores a aprofundar o exame da vida kibutznik. Qual era o perfil do corpo de voluntários? Como pensavam os jovens idealistas de então, no turbilhão de uma década de conflitos que varria vários continentes? Por outro lado, nossa editora se ressentiu da falta de elementos que, derivando do memorialismo para o ensaio, conectassem as experiências então vividas com as relações tensas que permeiam até hoje a região. Região esta, como sabemos, marcada pela coexistência de levas de novos imigrantes, sabras maduros, vizinhos palestinos de ontem e de sempre – tudo isso naquela terra diminuta, por milhões dita Santa, onde raro é o dia em que não eclodem escaramuças, levando ao luto e, quando não, a dramáticos banhos de sangue.
Ora, como era óbvio que digressões tão abrangentes extrapolassem o escopo quase lúdico de Cem dias na Terra do leite e mel, Teresa me sugeriu escrever um artigo novo. Nesse embalo, até para esgotar o tema dentro de mim, resolvi trazer à baila, entre outros pontos, minhas próprias relações com os judeus e com o País – que pareceram algo ambíguas a muitos leitores. Isso porque, tido como simpatizante pelos que lhe devotam ódio e animosidade, meu tom soou irônico para com Israel, no coração dos muitos que o veneram incondicionalmente. Vá entender. Nada mais típico, aliás, em se tratando de uma zona onde, até nas famílias, colidem opiniões divergentes. Foi trabalhando esse tema que passei o Carnaval de 2016, por assim dizer. Nesse contexto, embora não esteja obrigado a me alongar em explicações que já constam da narrativa aludida e, portanto, integram as ambivalências que desaguam no maniqueísmo, topei escrever essa continuação. Sempre na ótica de um voluntário brasileiro de dezoito anos, engajado num grupo de universitários europeus e trabalhando no Oriente Médio dos anos 70 – época tão ou mais turbulenta que a atual.
É claro que os que leram o artigo Cem dias na Terra do leite e mel – ao acesso de um click nessa edição -, curtirão mais a sequência que virá abaixo. Mas lê-lo não é pré-condição para entender o que segue e ficará a critério do leitor retroceder ao artigo anterior. Não obstante dizê-lo importe pouco, tive mais prazer em escrever essa parte – conquanto mais elaborada. Talvez pelo aquecimento prévio com o tema, ela pareceu fluir com mais espontaneidade. Pelo sim pelo não, como havia numerado os blocos anteriores de um a cinco, entendi por bem continuar a fazê-lo aqui segundo o mesmo critério, qual seja, os temas abordados se dividirão entre os tópicos seis e dez. Isso sequencia a leitura de textos mais longos que, no total, tomarão trinta minutos do leitor. Marca perdoável para quem esperou mais de quarenta anos para condensá-los e publicá-los. A todos os que escreveram e dividiram um cadinho de experiências na área, todá rabá. Aos que me acusaram de ser parcial, chulo e de ignorar que o vetor sionista é predador e colonizador, espero que Ó, Jerusalém ilumine o cenário. Antes que o leitor desavisado esqueça: sou de paixão, não de ciência.
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6. No campo dos voluntários que eu então integrava naquele ano de 1976, o aspecto mais impressionante que me ficou foi que nem todos os indivíduos tinham o perfil agregador de nosso grupo, o brioso “Aufbauwerk der Jugend”. Isso porque, mesmo entre os estudantes alemães, havia aqueles que professavam abertamente uma simpatia pelas facções terroristas então em ação em várias partes do mundo – inclusive em Israel. Lembro de Thomas, de Berlim, um varapau que tinha o cabelo na cintura; era vegetariano e falava de política como se recitasse axiomas de aceitação universal, sem quaisquer lugar a dúvida ou subjetividade. No quarto cheio de livros de bolso que dividia com Elke – uma sueca de axilas tão peludas que parecia ali abrigar dois ouriços mediterrâneos -, havia um cartaz patético que dizia: Es sind Leute die sagen: wir machen die Revolution. Es gibt Leute die arbeiten. Ou seja: “Tem gente que diz: nós fazemos a revolução. Tem gente que trabalha”. Sentencioso, é dispensável dizer qual dos dois grupos o casal julgava integrar do alto da retórica mural. Esse núcleo de Berlim – com seu inconfundível sotaque sibilado – era talvez o mais elitista sob o ponto de vista intelectual. Encavalado sobre a fronteira extrema da Guerra Fria, bávaros, suábios e renanos lhe pareciam rematados caipiras.
Mas ora, se bradar slogans e distribuir regras para o bem coletivo era uma fatalidade da juventude dita engajada da época – pelo menos eu não conhecera até então, felizmente, os que tinham por ideal ter uma Ferrari -, estávamos, até certo ponto, todos no mesmo barco. Quem não queria um mundo mais solidário e justo? Muito mais delicado, porém, era que eles, Thomas e Elke, alardeassem simpatias pelo Baader-Meinhof. Alegando, inclusive, uma amizade pessoal com Andreas Baader, o soi-disant ideólogo do movimento e que morreria no ano seguinte, numa prisão de Stuttgart. Ora, muitas das ações deste grupo atingiam Israel de forma bastante direta, dadas as afiliações cruzadas com Carlos, o Chacal; o Fatah; o Setembro Negro; as Brigadas Vermelhas; e o Exército de Libertação Japonês, responsável por uma feia chacina no terminal do aeroporto de Lod – e tantos outros. Fico me perguntando até hoje como o serviço de segurança interna – o Shin Bet – permitia a proliferação do ódio no próprio quintal? Não duvido que Israel quisesse evitar problemas com a Alemanha. Ou talvez, no fundo, é possível que os achasse mais idiotas do que letais. Apesar de que o ocorrido nas Olimpíadas de Munique, apenas quatro anos antes, não os autorizasse a ser negligentes. Ou seriam os verborrágicos meros agentes provocadores? Jamais saberei.
Outra deles, de nome Verena – de lindos olhos cinzentos, mas com caóticos chumaços de palha de aço sob os braços, já que a depilação era burguesa e subserviente – se dizia confidente de Gudrun Ensslin e o nome de Ulrike Meinhof era sinônimo de bravura e vanguarda em seu desbocado vernáculo. Longe de observar a contenção relativa de seus patrícios, foi com ela que aprendi a parte mais impublicável de meu vocabulário alemão. Por mais de uma vez, fui intimado ao quarto de Thomas onde uma roda de gente carrancuda queria me ouvir falar sobre como estavam se articulando as oposições na América Latina. Verena era a inquisidora da audiência; a promotora pública. Colocando a mão no queixo, me perguntava se nós estávamos precisando de ajuda para denunciar atrocidades. Numa conversa recorrente – e sumamente irritante – eles queriam saber em que degrau da escala social eu me encontrava. Afinal, nada na minha vida evidenciava pertencimento ao brioso povo trabalhador. Era de classe alta ou média? Como me sentia em rodar o mundo enquanto as massas lutavam por um prato de comida? Acaso estava alinhado aos sionistas dominantes? Não será que provinha da elite cafeeira? Quanto ganhava um cortador de cana? Eu mal continha o riso, mas a arguição pedia sisudez. Alemão e galhofa não combinam.
Uma francesa, de nome Rivka e de coxas tão roliças quanto sedosas, se aferrava à crença mais pragmática de que o sexo era tudo o que nos restava a fazer de revolucionário. Espécie de Leila Diniz levantina, dificilmente poderíamos lhe tirar a razão. Generosa com a maioria dos voluntários, tinha por fetiche transar com os residentes do kibutz e, assim fazendo, ser vista como um deles. Judia de origem tunisiana, confessava tentativas malogradas de suicídio e praticamente não se dirigia aos alemães. Defendia a posição de alguns kibutzim que proibiam a entrada deles em seus domínios. Para ela, o Holocausto fora obra de monstros. Jamais perdoaria pensadores franceses assimilacionistas e que, ademais, se recusavam a atribuir à catástrofe o peso devido. Rachline era um deles. Dizia ter nojo do pai que viera de Sfax e se tornara próspero no comércio de Rungis, “vendendo clementinas para madames a caminho de Deauville com seus gigolôs”. Pulando de uma cama para outra, Rivka sucumbia a ataques de depressão e chegou a dar a entender que o pai a tentara
seviciar. Je suis si malheureuse. Ao falar da família, cantava Brel: Les bourgeois sont comme des cochons…Um belo dia, acordava bem e se penitenciava dos excessos ameaçando uma conversão à ortodoxia – tão aguda era a bipolaridade. Morreu cedo, inalando gás num dia luminoso de Paris, indiferente ao Sena.
Recordações fecundas me ficaram da inglesa Marcia Pearlson com quem me encontraria anos depois em Saint John’s Wood, Londres. Na feérica capital cultural da Europa, não havia lugar a dúvida de que preferia um bom papo com Mary Quant do que com o Grão-Rabino. Mil vezes David Bowie a Yehoram Gaon. Lembro também de um judeu australiano que era buscado por tráfico de drogas e que, amparado pela chamada Lei do Retorno, não podia ser extraditado de Israel. Lá pretendia viver até que o crime prescrevesse. E depois? Bem, sonhava em morar no Rio. O fascínio que Ronald Biggs exercia sobre o submundo de todos os credos era imenso – eis algo que a vida me mostrou. Mark era um sujeito muito agradável, apesar do ofício sinistro. Brincava com o gato Charlie por longas horas. Em dado momento, me apaixonei pela sueca Monika Östberg, de Gothenburg, mas quebrei a cara. Para ficar com ela, me alistei como voluntário para três dias de trabalho num kibutz horrível, ao lado da Síria. Lá fui trocado por um escandinavo das forças da ONU. Ela preferia tempero conhecido, à base de olhos azuis familiares. Entre os voluntários, veria pela primeira vez uma alternância bizarra. Aconteceu com um rapaz que se relacionou com a suíça Martina para, dias mais tarde, sucumbir aos encantos de um pintor húngaro. Com a partida do magiar, reataram o namoro como dantes. Simples assim.
Nenhum perfil, contudo, foi tão determinante em minha vida quanto o de Daniel Dahan. Judeu parisiense de origem argelina, era à época o voluntário mais antigo de Ayelet HaShahar. Então como agora, tinha uns vinte anos a mais do que eu. A partir da amizade que lá travamos, ele veio ao Brasil e foi bater na casa de meus pais, no Recife. Ficou quase dois meses morando conosco e venceu as resistências de papai graças às habilidades culinárias. Ao término daquele período, toda a família ganhou uns quilos. Residente até hoje em Belo Horizonte, cidade que alterna com El Cusco, no Peru, Daniel esteve em visita derradeira ao kibutz há poucos meses e ficamos de nos encontrar em 2016 para atualizar as impressões. Viajante antigo, mendigo em dada época da vida, o cartão de visita dizia voyageur et vagabond. Precursor da chamada economia colaborativa, ninguém me deu um modelo tão inspirador para levar a vida, muito embora eu nunca tenha chegado a seus extremos. Ainda hoje, a caminho dos oitenta anos, Daniel só tem apego ao que realmente conta. E isso cabe numa mochila de cinco quilos, livro incluído. Ano passado fez o que disse ter sido a última viagem de uma ponta a outra do rio Amazonas. Devo essa revelação àqueles verdes anos. Como subestimá-los?
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7. Do lado kibutznik, afora os já aludidos Natan e Liska, com quem eu ia prosear uma vez por semana, os idosos constituíam o fio condutor das narrativas que me interessavam. Isso porque a maioria deles, ainda quando no Velho Mundo, se situava num perfil intermediário do amplo corte das populações judaicas das metrópoles do Leste Europeu ou dos próprios shtetl – as pequenas comunidades onde pulsava a vida modesta e espiritualizada das massas. Estas se espalhavam pelos Sudetos, Galícia, Rutênia, Morávia, Bukovina, Bessarábia – regiões que pertenceram alternadamente ao Império Austro-Húngaro, ao Czar e a Estados-Nação avulsos, como podiam ser a Polônia, Ucrânia, Hungria, Romênia, Rússia e Lituânia -, só para citar alguns. Meus amigos não pertenciam nem à aristocracia berlinense nem tampouco descendiam de barbeiros de Bialystock, na fronteira com Belarus. Eram da classe média de Lodz, ainda hoje cidade aprazível. Eu os provocava: era ponto pacífico que os camponeses poloneses eram antissemitas. Mas será que não dava para dissociar a beleza do País da sordidez humana? Eles me olhavam com tristeza. No fundo, pareciam pensar: envelheça e venha nos perguntar isso de novo, se ainda estivermos aqui. Afinal, consentiam: os campos, os cavalos e os néons tinham seu encanto. Mas tudo acabaria em escombros físicos e emocionais.
Assim sendo, era de se esperar que aquela gente, tendo visto os horrores da Guerra ou, pelo menos, convivido com centenas que tenham sobrevivido – ou não – às atrocidades do Nazi-Fascismo, fosse forçosamente contida ao discorrer sobre esses dias. Impunha-se, no mais das vezes, esquecer o passado e olhar para a frente. Enxergar os netos e se orgulhar de vê-los no exército sabra – por inquietante que fosse esse período para pais e avós em todo o País, desde os tempos pioneiros. Quantos dos velhos já não achavam que tinham deixado na velha Europa a cota de lágrimas? E, no entanto, certa manhã, quantos deles não receberam a visita de colegas do jovem soldado para lhes comunicar que o neto não resistira a ferimentos sofridos no Líbano, em Gaza, no deserto do Sinai ou no Golã, a depender do front da época? Por outro lado, e aqui lhes faço justiça, eles sabiam que essas questões clamavam por respostas. Às vezes, então, tomavam a iniciativa de falar a respeito pois era parte de nosso projeto de cavar um túnel por onde fluísse alguma cumplicidade: Nu…, e então começavam. Nem sempre eram histórias lacrimosas. Aliás, quase nunca. Só não podíamos esperar respostas diretas, não oblíquas, às perguntas formuladas. Nada é mais verdadeiro do que afirmar que um judeu adora responder uma pergunta com outra.
Convenhamos, nem tudo dizia respeito às vidas passadas que tinham ficado nas florestas escuras e estepes geladas. Foi por Natan que soube, por exemplo, da história do rapaz do kibutz que fazia as refeições longe de qualquer grupo e só estava em seu elemento à noite, vagando pelas bandas da guarita ou a caminho da casa dos voluntários, onde desfiava um discurso delirante e monocórdio com o fito de seduzir uma colega nossa mais desavisada. Moço estranho. Soube então que um dia já fora o orgulho dali. Exímio nadador, representara Ayelet HaShahar nas grandes competições nacionais e sonhava em ser aviador. Quando na Aeronáutica, ainda jovem, armou errado o paraquedas de um companheiro. Ambos saltaram sobre o Negev para o que seria um exercício de rotina. Mas o bom amigo se espatifou como um tijolo no deserto. Nesse dia, seus sonhos foram de areia adentro e a destituição das patentes conquistadas foi cruel, quase humilhante. Como confiar um caça de dezenas de milhões a quem esquece de travar uma lingueta de segurança de um paraquedas? A partir desse dia, ele também viraria um peso morto. Muitas vezes, o via nas veredas que levavam à piscina. Shalom, Fernando, ma nishmá?, indagava mecanicamente pelas novidades. Ao caminhar, mantinha os braços perpendiculares ao corpo.
Comovia ver as transformações. Falo das reinvenções que muitos fizeram de si próprios. Enquanto eu ia montado no estribo do trator, meu amigo Dura falava que tinha passado parte da juventude sedento por ler Spinoza e Aristóteles. Quis a vida, contudo, que se encantasse com os ideais igualitários da vida kibutznik – uma vez chegado à Palestina. Resignado – muitas vezes também por falta de opção – a uma existência limitada, ali tentava reproduzir os conhecimentos que um dia tinha pretendido alardear de uma cátedra em sua Königsberg natal, ou mesmo em Varsóvia. Isso não o impedia de devotar amor à literatura, à música e ao teatro. Tampouco de passar de avental de mesa em mesa a recolher pratos sujos para levá-los à enorme esteira mecânica onde seriam limpos para a refeição seguinte. Outros tantos chaverim passavam a noite lendo Hegel, mas já de madrugada estavam ao pé das vacas, lhes acoplando os sugadores nos úberes enormes e rosados, depois de uma aspergida de água e uma saudação espirituosa. Shalom, Rosa de Luxembourg., dizia o orelhudo Lev à vaca malhada preferida. Outros mal escondiam a depressão na oficina mecânica. E então falavam da Cracóvia e do comércio próspero que animava Kasimierz. Ou das baronesas polacas que tinham levado para a cama.
É claro que a vida comunitária não estava imune a todas as fofocas e mazelas inerentes a qualquer grupo humano. Grassavam ciúmes intelectuais, pequenas guerras de poder, divergências quanto às afiliações políticas, amores secretos, adultérios, filhos ilegítimos, nepotismo e muita, muita discussão. Como frequentemente ocorria, se chegava à conclusão de que o caminho passava pela concórdia ou, pelo menos, por um pacto de respeito mútuo, mediado pelas esposas ou mesmo pelo Conselho. Diziam, então, que ninguém tinha sobrevivido a Hitler para se engalfinhar numa querela envolvendo dois judeus. Que o mundo fosse contra eles, era de se esperar. Mas que, entre eles, pelo menos, se chegasse a um meio-termo. A Guerra Fria, a Questão Palestina, os perfis das lideranças e a política de Defesa eram os pontos mais nevrálgicos. A cada hora, a vida parava em torno de um aparelho de rádio, depois dos três toques que sinalizavam a entrada do noticiário “Kol Yisrael”. Ninguém ficava indiferente ao breve boletim, não raro repetido. Nesse intervalo, fazíamos um chá e sentávamos para uma pausa. Ao final, um ouvinte da roda sempre xingava alguém: schmok, meshuge.
Daquela temporada, algumas figuras ainda me parecem tão vivas que chego a sonhar com seus traços. É o caso da jovem grávida, de olhos violeta e um par de tranças, que cuidava da distribuição do correio. Quanto anos poderia ter? Pouco mais do que eu. Ao me dar o exemplar semanal de Veja, vindo do Brasil, ela me perguntava o que tinha aquela revista de tão importante para que meu pai gastasse tanto dinheiro enviando-a. Lamentava que ninguém ali lesse português pois poderia mandar as já manuseadas para a biblioteca. Era ela também que me pedia os selos que chegavam de meia-dúzia de países com regularidade. Ainda durante minha estada, nasceu a filha. Só voltei a vê-la em Rosh Hashaná, dias antes de regressar à Europa. Mas agora o carinho dela tinha outra destinatária e me cumprimentou com ares de quem perguntava o que ainda estava fazendo por ali. No carrinho que levava ao lado do marido, destilava o orgulho de começar a viver o que lhe pareciam ser seus melhores dias. Seria doravante uma bela mãe judia e o correio poderia esperar por uns tempos. Décadas mais tarde, nós nos reconheceríamos numa visita à região, na vizinha Safed. A filha trabalhava no exército onde fizera carreira. E a mãe continuava de tranças, apenas aspergidas de cor sal e pimenta, com o sorriso menos luminoso e o mesmo olhar lilás.
Está evidente que os anos 1970 assinalaram uma esfuziante liberdade sexual. A alternância de parceiras era uma constante numa época em que, para qualquer contratempo, se tomava um antibiótico e tudo estava resolvido num par de dias. Ademais disso, Israel era para muitos uma terra de sensualidade aflorada. O pretexto do fim iminente; dos perigos a espreitar em cada esquina; da vida por um fio, enfim, todo esse composto de volatilidade induzia os casais a se formarem tão rapidamente quanto se desfaziam. E o mesmo valia para os que, como nós, não tinham seus destinos atrelados ao futuro do País. Sexo era simplesmente bom. Se não chegávamos a extremos de dizer que ninguém era de ninguém, fato é que sempre se viam casais fortuitos pelas bandas do cemitério; nas ruínas de Hatzor onde se faziam escavações – sem trocadilhos. Ou mesmo trocando afagos nas coxias do teatro enorme, ao abrigo do ângulo de visão das cadeiras vazias, como me ocorreu ver num dia de faxina. Nossas voluntárias eram alvo da cobiça de alguns residentes, mas também sabíamos incursionar à paz de seus lares para tropicalizar os ares orientais. De novo, era do jogo, estava precificado.
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8. A essa altura, é dispensável que eu repita a charada a que já respondi centenas de vezes desde então. Diante de depoimentos como o acima, dirigidos a audiências diversas – dificilmente tão estruturados -, sempre ouvi: Fernando, você é judeu? A resposta evidente é não. Se é quase inevitável que um pernambucano de cujo sobrenome conste o nome de um peixe e, ademais, de um apreciado metal, tenha chances de ter tido marranos e cristãos-novos entre os antepassados, isso está longe de me transformar em judeu. Judeu é quem foi criado como tal, segundo a melhor definição que ouvi. Eu não fui. Ademais de ter vindo ao mundo por mãe judia. A minha não é. E ponto. Digo mais: apesar de não ter quaisquer antipatias para com religiões, jamais cogitaria de me converter. Se tivesse que tê-lo feito, por certo que não seria por necessidade de transcendência ou pertencimento. Menos ainda por um renascer místico de quaisquer ordens. Isso não me impediu de passar dezenas de horas em sinagogas de todo o mundo e de acompanhar com interesse os ritos das Grandes Festas. Budapeste, Vilnius, Kovno, Sofia, Kiev, Moscou, Lviv, Trieste, Pilsen, Dubrovnik, Sarajevo, Varsóvia e Bucareste foram só algumas dos últimos dez anos. Mas o mesmo aconteceu com grandes templos budistas, cristãos e muçulmanos.
Por outro lado, por certo que não teria me oposto a uma conversão branda, se por trás dela latejasse a necessidade de acomodar meu coração errático a uma das namoradas judias que tive na vida. Isso se, repito, em dado momento essa prova de amor tivesse trazido paz às suas famílias por temor de ruptura abrupta da tradição. Por sorte, porém, as mulheres judias que amei jamais provieram de núcleos conservadores a ponto de que tivéssemos que chegar a tais extremos. Pensando bem, teria sido inverossímil que pessoas com semelhante perfil tivessem cruzado minha vida com tamanho grau de intimidade. Não obstante, as famílias de cujo convívio desfrutei, sempre foram observantes das comemorações, sem o que talvez as mulheres não tivessem sido tão atraentes a meus olhos. Ora, nada mais esperável que, tendo algumas das melhores recordações da vida ligadas a Israel, as judias tenham aparecido em minha vida. No que tive a ventura de ser reciprocado pois, em alguma medida, a estada em Israel me singularizara. Continuaria sendo um goy, mas com atenuantes. E assim vivi. O que é a vida, ora essa? Amar e ser amado. Em Haifa ou Quixeramobim. Daí ver o fenômeno como natural. Antes que esqueça: o único reparo a convertidos é lhes sentir um fervor religioso mais ardente do que o dos nativos.
Nesse contexto, talvez valha a pena dizer que muito antes de ir para Israel pela primeira vez, eu já não era indiferente aos judeus e sua grande História – urdida, não raro, pela tessitura de pequenas vidas. O simples fato de ter ido morar na Europa desde uma idade muito tenra, em parte apenas mascarou um desejo que jamais saciei. E este tratava justamente de ver por dentro e de perto – antes que fosse demasiado tarde – como pode ter eclodido no coração do mais amado dos continentes a insanidade aberrante do Holocausto? Quarenta anos depois de ter morado em Israel pela primeira vez e depois de ter visto morrer a quase totalidade da geração indiretamente atingida por essa tragédia, ainda hoje palmilho grandes zonas do Leste da Europa para ouvir ecos do horror que o tempo engoliu. Recuperar esses vestígios será sempre uma perquirição recorrente, como consta do réquiem Nas pegadas de Fiszel Czeresnia, originalmente publicado nesta Será?, e também ao alcance de um click no mouse. Assim sendo, aqueles cem primeiros dias no que fora a velha Palestina – por muito que tivesse a atenção desviada para miríade de estímulos que me provocavam os sentidos -, significaram, antes de tudo, minha inserção no cenário de um filme trepidante e multiétnico.
Pensando bem, mais do que um filme, ali eu circulava pelos bastidores vibrantes de um imenso making-off que, na verdade, eu começara a acompanhar pelos basculantes da pequena sinagoga da rua Martins Junior, em Recife, onde velhos cheios de mistério tiravam dos ombros um xale preto e branco, os colocavam num estojo e ganhavam a rua do Hospício como se fossem um de nós. Perguntava-me ao vê-los sumir pela rua do Aragão: em que medida éramos do mesmo cariz? Procedia a instigante máxima de Sartre de que, se os judeus não existissem, nós teríamos que inventá-los. Será que o nascimento de Israel e o chamamento sionista os tornara menos devotados aos países de residência? Ou isso era uma sandice antissemita? É claro que os jovens judeus com quem eu trabalhei em Israel riam dessas pessoas que eu descrevia como referenciais do judaísmo que testemunhara na infância, perto da casa de vovô, junto da padaria Santa Cruz. Mesmo porque boa parte dos israelenses com quem convivi, salvo talvez os sefaradim – mediterrâneos, de perfil mais conservador e reverente -, descendiam de ashkenazim – os do Norte -, logo vinham de famílias dizimadas no exílio. Por boa fortuna, tinham nascido livres. Logo, tendiam a ser menos afeitos às tradições do rito oriental. Daí também serem mais irreverentes.
Embora possa parecer estranho a muitos, vale a pena enfocar outra dicotomia nacional – mais uma de muitas. Os sabras, embora respeitem, ou tolerem, em linhas gerais, os religiosos – também denominados haredim – se nutriam da cultura de que eles, na realidade, mereciam por certo alguma compaixão. Isentos do serviço militar pela benevolência de Ben Gurion, que se apiedou do destino que tiveram na Guerra, a cultura nacional não consagrava os judeus que falavam iídiche, comiam kosher e iam regulamente ao Schul para rezar. Conforme os jovens gostavam de dizer, o iídiche era a língua do exílio, logo dos oprimidos. Seguir as regras dietéticas do kashrut era incompatível com as demandas da vida moderna e eles não sentiam a necessidade de rezar para lembrar a si próprios que eram judeus – como se ainda vivessem em países estrangeiros. Ora, com o passar do tempo a demografia tornou a benevolência para com os religiosos um problema real, posto que muitas dessas famílias têm uma escadinha de filhos – basta vê-los passeando em Mea Shearim, bairro de ortodoxos. Isso posto, gabinetes recentes têm tentado revogar a isenção de prestação de serviço militar, até para evitar que a sociedade os veja com desprezo, como parasitas. Mas são muitos os deles que ignoram por completo o mundo fora dos yeshivot – ou escolas rabínicas.
No terreno dos antagonismos internos, também já se delineava a tendência de que os orientais seriam mais numerosos do que os judeus de origem europeia – até então os detentores do poder. A chegada de Begin, logo do Likud, foi sintomática para lhes dar voz. Isso dito, é claro que outras preocupações me assolavam e não quero me travestir em intelectual avant la lettre. Seria desonesto. Tampouco me apraz virar eu próprio um simulacro de profeta – emulando o povo retratado – e intelectual, o que nunca fui, antevendo todos os desdobramentos futuros que experimentaria a região. Por tanto, feito o registro, é hora de retomar o fio narrativo de como terminei aqueles primeiros cem dias na Terra do leite e do mel. E de concluir em que medida Israel reforçou ou arrefeceu o entusiasmo que eu lhe devotava, sem prejuízo da Causa Palestina, e do afeto por países vizinhos que pude visitar quando muito jovem. Isso porque nos primórdios da vida profissional, fui muito à Síria, ao Líbano, à Jordânia e ao Egito – mascateando lentes oftálmicas. Só eu sei o quanto era duro ver Israel do outro lado da fronteira e não poder sequer confessar que lá já tinha estado. E muito menos que lá tinha sido feliz. Mas essa história já integra outro capítulo. Nele Israel perde o protagonismo e, visto de outras plagas, viraria literalmente paisagem.
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9. Nem tudo foram flores nesses dias que reputo como os mais felizes da vida. Vivemos tensões. Mas para mim, um jovem que de há muito tinha feito a opção pelo aprendizado continuado, tudo somava. Lembro, contudo, das horas dramáticas que vivemos no dia em que o centro cultural do kibutz projetou O dossiê de Odessa. Para quem não está lembrado desse filme com Jon Voight, tudo se dá em torno de uma organização montada para abrigar ex-nazistas de altas patentes em alguns refúgios do mundo, não raro engastados em posições de prestígio em multinacionais germânicas. Foi tremendo o debate que se seguiu à exibição. Os alemães presentes deram a fita como provocadora mesmo porque a versão lhes parecia deliberadamente forçada. Outra reação foi a dos integrantes do kibutz que viram no filme elementos de uma verossimilhança inegável. Alguns falavam dos achados de Simon Wiesenthal, o renomado caçador de nazistas. Foi uma noite de quase outono em que a temperatura subiu. Nessas horas, eu por certo sentia a irritante ambivalência de minha posição, posto que me solidarizava minimamente com os colegas que escutaria choramingar pelo resto da noite na cama ao lado, inconsoláveis. Mais tarde veria que o filme talvez contivesse mais verdades do que gostaria de acreditar.
Nessa noite como em outras, a troca de vitupérios, por mais que fosse mediada por intelectuais apaziguadores, também deu ensejo a reações lacrimosas de colegas voluntários que, mais tarde, sob os eflúvios de algumas garrafas de cerveja Goldstar, confessavam que nunca lhes ocorrera perguntar a pais, tio e avós o que tinham feito nos anos negros da Guerra. Era tabu. Será que tinham sido apenas vítimas do Nazismo como diziam ou, pelo contrário, tinham tido um papel ativo na urdidura das atrocidades? Muitos prometiam ter uma conversa franca com os pais tão logo chegassem à Alemanha. Se me cabia uma posição minimamente neutra nesse enredo, a dramaticidade do debate me galvanizava os sentidos. Anos depois, presenciaria em São Paulo algumas contendas igualmente polêmicas. Jamais esquecerei a peleja que vi no teatro Taib, no Bom Retiro, mediada por Jaime Pinsky. Falando das origens históricas do antissemitismo, a conversa derivou para a passividade dos judeus do Leste diante da sanha nazista. Lembrando-me esses tempos, um judeu idoso falou aos prantos sobre a desproporção de forças entre as partes. “O que todos esses valentes aqui presentes precisam entender, é que eles nos mataram por dentro antes de encaminhar nossas famílias para a câmara de gás. Será que é tão difícil avaliar o que isso significa?”, berrou, transido pela indignação.
À medida em que os voluntários foram se revezando – a média de estada de cada grupo dificilmente excedia um mês -, o clima em nossa casa também obedecia às prioridades dos novos moradores. Tivemos levas de atletas que gostavam de correr na estrada que levava a Kiryat Shmona e voltavam banhados de suor. Tivemos a época da música em que os alemães entoavam baladas lacrimosas de péssimo gosto. Nessa hora, o australiano rebatia com Cat Stevens e até com o patrício Neil Diamond. Menos mal que Daniel Dahan tinha um fornido estoque de Moustaki e Brassens para dar um toque de graça àqueles dias de entressafra. Sim, à medida que aquele verão ficava para trás, convinha tomar providências práticas como esvaziar a piscina e cobri-la. E acelerar as colheitas nos kibutzim a filiados, expostos às noites frias do Golã. Depois de setembro, muitos já acariciavam sonhos para o fim do ano e poucos deles se ambientavam ali. Ao pensar em nossos rincões de origem e na diversidade da vida, se via que o kibutz não era opção para todos. O traficante ficava indócil e me confidenciou que pensou em roubar meu passaporte para viver o sonho carioca. Mas que fumara muita maconha, daí o impulso. Ademais, não faria isso com um cara gente boa. Disse-lhe que fizera bem. Eu poderia ajudá-lo um dia.
Com a diminuição do ritmo de trabalho, a camaradagem que agora já se estabelecera entre muitos de nós e a administração, era hora de conhecer outras regiões de Israel. Com o corpo mais musculoso e a resistência redobrada com relação ao período da chegada, as tarefas que antes pareciam árduas agora eram bem mais suaves. Inclusive a famigerada pega de frangos e as unhadas no antebraço que dela resultavam. Escapávamos em grupos ou duplas para a Cisjordânia e cidades como Hebron e Nablus, que estavam longe de ser o barril de pólvora que são hoje. Belém era simpática e Eilat se prestava a mergulhos e boa leitura. Foi lá que li Cem anos de solidão, numa edição colombiana. Foi também lá que presenciei escaramuças entre soldados israelenses e jordanianos, pelos lados de Aqaba. A familiaridade com gente armada e com as próprias metralhadoras já tinha perdido toda carga de dramaticidade. Eu era quase um deles. A questão palestina era o que era. Nem os próprios se entediam em torno de uma liderança. Tampouco perdiam chances de patrocinar ataques contra populações civis. Criou-se um couraça de lado a lado e o embate perdura até hoje, sem horizonte de resolução. O mais moderado dos judeus está tão longe do mais moderado dos árabes tanto quanto podem se assemelhar uma cabra e um touro.
Perguntado pelos colegas o que pretendia fazer, eu me mostrava contido para não ferir suscetibilidades. Naquelas circunstâncias, Israel não era a Start-Up Nation que é hoje. Os horizontes eram mais limitados e conheci gente de minha idade que cogitava de, findo o serviço militar, fazer a vida na Europa ou nos Estados Unidos. Dos grandes santuários da Diáspora, só a África do Sul parecia menos atraente, dado que o apartheid causava embrulhos e, dali em diante, estaria com os dias contados. Uma coisa era certa. A maioria dos israelenses pretendia tirar umas longas férias depois do exército. Contrariamente ao que se via no Brasil – onde as pessoas chegavam à universidade com dezessete anos -, isso lá era uma quimera. Mais valia uma abordagem holística da vida, não vinculada à soma comezinha de créditos. Mesmo porque as demandas do País residiam em outros domínios. Aos vinte e dois anos, eles saíam para a Índia, o Nepal, o Peru ou Patagônia. Estudar era missão para a vida. Quem quer que não fosse um gênio, logo fadado ao Technion, de Haifa, podia esperar. Milhares pensam assim. A reprodução desse modelo mochileiro dura até hoje. Chegue em Chiang Mai; El Cusco; Arraial d’ Ajuda ou Himachal Pradesh e eles estarão lá, desopilando e vendendo falafel. Não tinham se libertado do Faraó para sucumbir ao Reitor.
Quanto a mim, voltaria para a Alemanha para concluir o Goethe-Institut e depois iria para Cambridge, Inglaterra. Levaria ainda uma gestação inteira para, por fim, chegar ao Brasil, e isso intrigava meus amigos militantes de Berlim por achar que eu tinha bastante dinheiro, pelo menos mais do que eles. No Brasil, muitos à direita diziam que eu viajava a soldo de Moscou. Tem gente que diz até hoje que eu trabalhava para o Mossad. Ora, minha equação de vida sempre foi simples: nunca fui atraído pelo consumo e soube espichar o orçamento até bem entrado nos vinte anos, já na Faculdade de Economia. Na verdade, levaria a vida nessa toada por décadas. Quantas das sementes dessa errância sem fim não foram plantadas naquela temporada? Muitas, posso garantir. Israel me transformou. Ter conhecido pessoas como Daniel Dahan me habilitou a ter uma vida customizada, talhada à minha medida – ademais de ter desenvolvido um olhar estrangeiro que nunca me abandonou. Daí, certo não-pertencimento. Nas últimas semanas por lá, fiz vista grossa para o transporte de cristãos maronitas, treinados por militares israelenses, que levava camuflados até pontos de passagem na fronteira libanesa, sob a lona do caminhão. Para todos os efeitos, estava levando frutas para Kiryat Shimona. Mais uma pequena transgressão de uma vida pouco virtuosa. Mas era do jogo.
*
10. Desde então, minha posição com respeito a Israel oscila na medida em que testemunho miríade de alterações de humor entre os próprios israelenses. O que pode haver de mais representativo do que o movimento para boicotar o serviço militar? Como entender que Israel ignore as pressões internacionais e continue a deflagrar ações nos chamados Territórios Ocupados de quem não pretende deixá-los, apesar do flagrante arrepio do Direito? Por outro lado, quem de sã consciência pode negar que Israel levaria um duríssimo revés se baixasse a guarda e fizesse de conta que poderia viver como um “país normal”? Ora, bem sabemos que isso é uma utopia e não fossem as forças de defesa bem equipadas e obsessivamente informadas, teria sido quase inevitável que algo do conflito sírio já tivesse respingado em seu território. Nesse contexto, não ajuda a imagem do País que o establishment local se oponha de forma tão veemente ao Irã – de quem tenho certeza que um dia vai virar um parceiro mais verossímil do que com países de feição árabe -, em detrimento de um acordo global que reconduza os persas ao chamado concerto das nações. Uma posição sectária a respeito termina por valer a Israel carradas de antipatia, como se sua visão do mundo só pudesse ser função de seus imperativos geopolíticos.
Por essas e outras razões, já me acostumei a ver as pessoas torcer o nariz quando falo de minha profunda simpatia pelas realizações que vi brotarem de uma ponta a outra do País, ao longo de tantas décadas. Se a maioria já não pergunta se sou judeu – pois, conhecendo minha natureza, sabe que, mesmo se fosse, teria tudo para ser um desgarrado da causa -, todos reconhecem um entusiasmo que lhes parece excessivo diante do drama palestino. Ora, no meu modesto entender, o problema palestino pode até ser agravado por Israel, mas tem raízes que remontam a uma malaise que deriva do próprio deslocamento deles no mundo dito árabe. Neste eles não são amados, sequer bem acolhidos. Ademais, apesar da agressividade israelense em lhes cercear os espaços, é nos tribunais de Jerusalém que acontece o impensável: pois é pelas mãos e pela voz de advogados judeus que os clientes palestinos apresentam seus pleitos junto às instâncias máximas do Judiciário. Da mesma forma que os árabes contam com representação política no Knesset – o parlamento israelense – ao lado de deputados que lhes são tão dessemelhantes quanto chineses ou javaneses. Esse pequeno milagre da democracia e da convivência pesa muito, mesmo nas horas em que meus humores se invertem e quero ver exageros de posição de um lado vis-à-vis o outro.
Uma coisa é absolutamente certa. Em minhas andanças por Israel, fiel à vocação andarilha herdada de Daniel Dahan, sempre senti uma emoção única. Não necessariamente das vezes que estive ao lado de monumentos ou de quaisquer símbolos determinantes da tríade monoteísta lá ancorada. Como já disse, o universo da espiritualidade não encontra eco em meu coração arraigadamente ateu. Mas gosto de deambular pelas ruas de uma Tel Aviv mundana; de tomar um café na Dizengoff; de ver o entardecer do velho porto de Jaffa e de conversar com as pessoas de todo o mundo que passeiam pelas praias e se sentam nas livrarias. É claro que gosto de pernoitar vez por outra num kibutz e para mim não existe lugar mais lindo do que o Kinneret quando está transbordando; e as mangueiras e bananeiras nos fazem pensar estar em qualquer lugar do mundo, menos no Oriente Médio. Gosto sobretudo de ler Grossman e Amos Oz – para mim, o melhor escritor do mundo. Amo a sonoridade da língua e, quando atravessando o País, deixo o rádio ligado e ouço músicas as mais variadas, vibrando quando capto algumas linhas completas da letra. Fico bem triste quando, em datas especiais, vejo mães saírem de cemitérios militares com um amargo sorriso de gratidão, escoltadas por soldados jovens, por certos amigos de um filho falecido.
De resto, tive ao longo da vida uma fecunda amizade com os judeus nas várias cidades onde morei e nas muitas que visitei. Muitos deles foram parceiros de negócios e, se é que assim posso dizer, eles funcionaram frequentemente como uma âncora de referência e uma bússola de orientação em diferentes culturas. Em todos os ramos em que trabalhei – químico, alimentício, consultoria -, tive judeus a meu lado em pelo menos quarenta países no mundo. Haverá sempre de se levar em conta que se trata de gente bem informada, algo defensiva, observadora e extremamente sensível a alguns temas. Lembro que, quando jovem, comprei na França uns discos com discursos de Hitler e gravações de grandes manifestações em Nünrberg. Para mim, nada mais natural que eu pudesse trazer para meu próprio quarto os ecos daquela sanha raivosa. Ora, amigos judeus em visita à minha casa me olhavam com marcada desconfiança antes de relaxar. “Isso é História, cara, você não pode revogar os fatos com sua suscetibilidade”. Era uma situação tensa. Não é por outra razão que tentam proibir a veiculação do caquético Mein Kampf, de Hitler. Outro ponto de polêmica é a identidade política de Israel. Pouquíssimos judeus têm a isenção intelectual de apontar problemas e contradições no País. É chocante. Mas tamanho é o trauma das dores passadas que é difícil pedir isenção. Enxergam o País como as mães veem seus filhos: eles são a perfeição.
***
Crescido segundo regras que eu mesmo fui forjando para mim, fato é que sempre vivi à margem da vida familiar de origem, apesar de vir de um tronco bem estruturado, tradicional e muito harmônico entre si, de forma geral. Tamanha independência, contudo, não me eximiu de encontrar boa ancoragem nos lares de eventuais companheiras que tive na vida. Em três casos, oficiais e oficiosos, me coube conviver com mulheres judias – também – e viver de esguelha segundo os ditames dessas famílias singulares. Embora parecidas a todas as outras, sob alguns aspectos diferiam bastante. Para elas, criança não tem defeito – especialmente as suas. Serve-se espumante a temperatura ambiente e vinho tinto geladíssimo. Nunca há consenso com respeito aos ritos da reza de Páscoa. Chora-se em profusão nas lindas festas do calendário. A solidariedade é um valor a ser cultuado. Torce-se pelo mais fraco, mas não é bom estar enfraquecido. A família terá sempre razão. Um judeu que incorra em deslize sério perante a sociedade é quase sempre motivo de mobilização e algum pudor por parte da comunidade. Tanto no Brasil quanto no exterior, haverá sempre uma preocupação em votar bem, mas isso jamais poderá se dar à margem de candidatos que ignorem os interesses da colônia. Enfim, continua prevalecendo a frase jocosa: isso é bom para os judeus?
Epílogo
Nosso grupo – o “Aufbauwerk der Jugend”- se manteve coeso até o fim e a correspondência entre muitos de nós varou os anos. Voltamos todos para o outono alemão com a sensação de que éramos doravante uma família, mas tivemos uma despedida sem lágrimas, no aeroporto de destino. Dentro da ótica ativo-linear alemã, convinha olhar para frente e todos tinham uma vida a retomar. Quantos tiveram-nas afetadas pela experiência recente? Um deles, com toda certeza. Horas antes de embarcar no voo da El Al que nos levaria a Frankfurt, contudo, ainda dormíamos num alojamento próximo ao aeroporto de Lod, nos colchões espalhados pelo galpão. Minha história com Andrea, de Göttingen, ficara em suspenso desde o flerte da chegada. Logo, nada acontecera entre nós porque jamais estivemos disponíveis um para o outro ao mesmo tempo. Pois bem, naquela madrugada, no silêncio do imenso hangar, eis que ela escapou do saco de dormir e se esgueirou para dentro do meu. A certa altura, nos descobrimos um só. Falando ao meu ouvido, ela sussurrou: Langsam, bitte, es tut Weh. E assim foi, devagarzinho, sem dor, mesmo porque era o fim. Este foi o coroamento de cem dias na Terra do leite e do mel que, ao apagar das luzes, ainda me presenteou com um afago derradeiro de que me sentia credor desde a chegada. Dali saí pleno. Até nisso.
Relendo o longo texto publicado, o mínimo que me compete é agradecer os esforços de nossa editora. Analfabeto em informática que sou, coube a ela trabalhar exaustivamente – parágrafo após parágrafo – para acolher esse cartapácio eletrônico. Além de lhe ter conferido um verdadeiro trabalho de edição, lá onde ele pedia. Coisa de quem é do ramo e, ademais, benevolente.
O outro obrigado vai para João Rego e equipe. A ele, em especial, agradeço a linda imagem que coroou um título sob todos os aspectos ousado – quase petulante -, apesar da singeleza de duas palavras. A primeira, de evocação. A segunda, um substantivo que carrega um peso imenso. Seja como Jerusalém, Ierushalaim, Ierosalina ou Al-Quds – consoante o hebraico, o grego ou o árabe.
Obrigado por fim ao leitor de Será? que normalmente me brinda com uma palavrinha generosa e costuma ser tolerante com ousadias que, no espaço de jornais, estariam banidas. Como novato na Revista – acabo de completar meu primeiro ano -, me sentiria sempre um pouco intruso, não fosse o carinho de todos os que fazem de Será? uma publicação tão longeva para o gênero.
FD
O tamanho do texto é totalmente inadequado para uma publicação digital. E nem há qualquer urgência que justifique essa publicação digital tão longa. (E olha que eu leio artigos longos em links postados no Facebook. No caso das assinaturas digitais do Financial Times, The New York Review of Books, Le Monde, etc., a gente sempre pode imprimir o que interessa.) Confesso que depois dos primeiros 20 minutos, passei à leitura diagonal. Mesmo porque não vi exatidão com a qual se deva ter cuidado ao comentar. Não há o que discutir: trata-se de lembrança pessoal e saudosa, reprodução de diálogos e confissões, uma espécie de psicanálise rústica, incluindo a iniciação sexual de um garoto no auge da sua produção de hormônios, que acha que no final precisa informar ao público o tamanho do seu pênis. Meio ao estilo de “selfies” do Facebook… Não serve para analisar o terror do grupo alemão Baader-Meinhof , nem a Intifada, nem a militarização de Israel, e fala de “judeus” como uma categoria com certa homogeneidade que eu não consigo ver, não distingue entre judeu e israelita – o que não é sinônimo -, e tampouco se entende a diferença entre religiosos e não-religiosos.
O autor, em longa introdução, diz que escreveu essas recordações a pedido dos seus comentaristas e de Teresa Sales, a editora de “Será?”. Ora, “Será?”, tanto quanto Facebook, é um produto da era digital, seria impossível sem Internet. Comentário, em publicação digital, é o que está publicado, registrado, para os demais leitores reagirem. Dos emails pessoais o texto digital não tem como saber. E mesmo quando publicada, uma correspondência pessoal com o autor com a simplicidade de “lindo!” “Amei!” (aliás típicas de Facebook) não se consideram, a rigor, comentários. Antes dos comentários, a apreciação do leitor em uma publicação digital se faz pela “curtida” (o “like”). Os Editoriais da revista em janeiro, por exemplo, tiveram 1200 e 1400 curtidas, o que permite concluir que, em geral, mais de 1000 pessoas acessam a revista. O artigo de Dourado teve 5 curtidas! Verdade que foi véspera de carnaval e que no mesmo dia o Editorial teve apenas 55 curtidas. Mas 4 curtidas (excluída a minha) não é convite para acrescentar 20 e tantas páginas. Não importa o tema, pois mesmo Garanhuns não passou de 10 curtidas. E nem vale o argumento de que o tema é complicado – de fato é -, pois texto longo não é sinônimo de explicação mais clara.
Em suma, Fernando Dourado, nostálgico de outra era, precisa chegar ao século XXI, aceitar que “Será” é digital, aprender o que é uma lauda e como enviar anexos de email, não passar de um limite, subdividir seus textos, e pedir ao fã clube dele (no qual me incluo) que vá lá em cima em “like” e dê uma “curtida”. E “Será?” deveria estabelecer uma banda limite (5 a 7, no máximo 10 laudas de 2200 toques). Desculpem o tamanho inusitado deste protesto, não o repetirei. É que este artigo é um absurdo digital. Até na ONU , campeão mundial de ofuscação linguística em busca do consenso, tínhamos limites estabelecidos para escrever algum “Report of the Secretary- General”. E olha que são relatórios do Secretário- Geral da Organização das Nações Unidas.
Tens razão.
FD
Tens razão.
FD
Eis um Fernando novo pra mim. Em tantos anos de relacionamento, nunca o vi dizer ‘você tem razão’ tão facilmente (muito menos duas vezes). Que os textos são longos, isso é notório. Melhor longos com leitores do que curtos sem leitores. O ideal seria curtos com leitores, mas isso talvez seja pedir muito dele. Todo o resto da crítica da leitora me parece fácil de rebater. Como é que um texto ruim, assumidamente lido na diagonal, poderia alimentar uma conversa de horas no jantar da sexta-feira com um integrante da própria revista? Ou Fernando está sendo muito insincero ou o esforço do Carnaval debruçado no computador foi vão e deveríamos ter ido ver os maracatus, como eu queria. Depois dessa ele está me devendo pelo menos um “você tem razão” e vou cobrar. Obrigada à leitora.
Tens toda razão. (Quites?)
FD
Amigo,
Sabe o que penso? Certos modos de contar memórias, dependem de serem antecedidos pela fama ou curiosidade das pessoas pela figura do escritor. Tem algo de Eu exacerbado e que também se reflete na extensão dos textos. Precisamos tomar umas e falar sobre isso. Saudade do amigo.
Querido Lázaro,
Partindo de você – filósofo de boa cepa e dono soberano da própria voz -, devo uma vênia e uma reflexão a quem me conhece há décadas e em diferentes estágios da vida. Efetivamente, posso estar usando lentes de aumento para trazer até hoje coisas que a ninguém mais interessam. À medida que minha vida já não mexe com o destino de quase ninguém, talvez eu queira atribuir um peso ao que já o perdeu com o fito de me conferir alguma aura de grandeza.
De qualquer forma, amigo, são tantos os afagos que me chegam pelo e-mail – quase sempre de gente dessa mesma fornada de experiência – que já me dou por satisfeito. Não obstante esse detalhe, sempre me amparei, talvez em excesso, na reflexão tranquilizadora que me fez tempos atrás o grande pensador Fernando Mota Lima, de Pernambuco, um dos arautos desta revista, quando a questão do ‘tamanho’ começava a causar desconforto no corpo editorial.
Escreveu ele: “Meu caro Fernando: a memória inventiva, pois é recriada com palavras, além da inteligência e da sensibilidade ordenadora do fluxo da vida vivida, a memória inventiva, repito, não é fast food nem se confunde com a fugacidade árida da cultura gerada pela tecnologia digital. Longe de mim depreciar os benefícios desta, mas é inquietante considerar que muito da experiência humana significativa se dissolve hoje na pressa sem direção do mundo em que vivemos. Mais inquietante ainda é constatar a inconsciência com que tudo isso é vivido. Portanto, acho que seus textos de memória devem ter a medida do sentido que conferem à sua vida, assim como a de quem o lê. É provável que você acabe perdendo com isso muitos leitores apressados e volúveis. Mas convenhamos que o autor nada perde quando o leitor nada vale. O que vale é o leitor de qualidade, Fernando. É para este que escrevo. Suponho que você pense o mesmo. Sem nenhuma pretensão de nos comparar com Machado de Assis, o que seria risível, convém pensarmos no prólogo de Brás Cubas”.
Por certo que a verdade – se existir uma – reside em algum ponto intermediário entre suas palavras e as dele. Cá entre nós, pois nossa amizade comporta admiti-lo: dos 32 textos que mandei para essa revista em um ano de colaboração, os três últimos – inclusive o aqui referido – são os que mais me alegraram. Mas obrigadíssimo, amigo, e até muito breve.
Em tempo: o verão precisa ir embora. O calor abrasivo é nocivo à temperança. Menos mal que ela lhe é fiel como uma sombra. Por quente que esteja o sol e muitos que sejam os raios.
Abs,
FD
Lembrete, Lázaro. Para quem prioriza a pesca que mal molha os pés, um texto brando de minha autoria saiu hoje no blog e, indiretamente, é uma ode a São Paulo. Marcos Graciani da amanha.com.br acaba de me mandá-lo. Chama-se “A Pauliceia desvairada” e vem em embalagem de bolso, bem ao gosto dos tempos. É indolor e policrômica – embora igualmente nostálgica.
Espero que o compense da garimpagem ingrata entre terroristas, maniacos, boçais, neurastênicos, traficantes, andarilhos, vítimas, algozes e amores furtivos. O de hoje não queima, garanto. E nele não sou o personagem. Nem eu nem minha anatomia. O personagem é uma cidade. Os árabes dizem: dia fel, dia mel.
Abs,
FD
Embora não o conheça gostaria de parabenizá-lo por Ó, Jerusalém. Ainda não pude ler as demais estórias referidas no texto, só dei uma olhada por cima nos “Cem dias”, mas reconheço que suas memórias são bem reconstruídas, retratam uma época rica do mundo. Muito boa essa de juventude não pensar em carro de luxo. Já tirei cópia para minha filha e para mim. Merece livro. Se vier à Bahia, avise. Organizaremos encontro/debate. Parabéns. Pedro Z
Salve a Boa Terra, estado de grandes amigos.
É isso aí, Pedro, de certa forma foi uma juventude que deixou saudades, como diz Marisa, de Pelotas, também veterana desses tempos. Nada de Ferrari, só a salvação do mundo.
Ao carioca Benny – falou na mesma linha que você -, recomendo a leitura de “Como curar um fanático”, de Amós Oz, em resposta às indagações que nos inquietam a todos.
Abraço,
FD
Fernando,
Mesmo sob a égide suspeita de contumaz leitor e companheiro incondicional não perderia a oportunidade de reafirmar sua coragem em publicar e a qualidade como autor e memorialista em abordar um tema tão delicado. Lá por volta dos meados dos 90(uns 20 anos) quando a rede explodia mesmo em sua lentidão infante, muitas experiências se deram de criação literária aberta, profusa, errante, caótica, inspiradora, criativa.
Basta visitar Castells, Pierre Lévy, Matel, Augusto de Franco….
Então chegamos na aguda inteligência, criação e sofisticação da Será?, me faz refletir se estamos preparados para viver em rede.
Afinal, encontrar pensadores das Ciências Sociais da estirpe de Fernando da Mota Lima(a quem respeito profundamente), Sérgio Buarque, Teresa Sales no mesmo espaço em que tantos outros podem observar o que bem entendam, até a crítica literária aborrecida que faz a economia dos likes e dislikes, ou como eu que sou só um sertanejo nessas altas paragens, eis que alcanço que não cabes em uma lauda, parágrafos milimétricos e perfeitos, cabe num ensaio, na fartura da criação de Cem dias na terra do leite e do mel que inspira e emociona. Valeu.
Tonho,
Eis mesmo do que ficar atarantado e te agradeço por iluminar esse debate que, goste eu ou não, é pertinente. Pois bem, além do já citado Fernando Mota Lima – um cientista cujas intervenções pontuais são tão profundas quanto elegantes -, um neófito de minha estirpe fica, de fato, um pouco confuso com tudo isso. Mesmo porque, até das gerações mais arejadas, acredite que chegam, vez por outra, estímulos como o que segue, também publicado em Será?, da parte da brilhante e jovem jornalista Paula Lourenço – que vive o texto com intensidade inaudita. Diz ela:
“Fernando, Em tempos de redes sociais, textos curtos e conceitos formados com 140 caracteres, suas crônicas soam como bálsamo para mim. Aguardo ansiosamente cada publicação para ler em um só fôlego. Viajamos com você, por linhas redigidas de maneira requintada, com um bom humor incrível e surpreendente, seja numa narrativa sobre Garanhuns, como a de hoje, ou sobre a Tailândia.”.
Nessas horas, penso: legal, há um espaço que pode ser ocupado – convenhamos, não preciso me entregar às extravagâncias e aos transbordamentos que são próprios de meu espírito pouco econômico -, mas há uma nesga do gramado e é nessa faixa que quero jogar. Para jogar em campos mais apertados, já tenho o blog “ao redor do mundo” e os espaços da imprensa escrita – onde os editores precisam, entre outras coisas, economizar o papel de imprensa do patrão. Mas é claro que fico sujeito a reveses também na eletrônica. Assim como a demonstrações como a sua – que tanto agradeço.
É por essa e por outras que tenho dito aos que me mandaram e-mails vazados na linha do apoio e da solidariedade que ainda não será dessa vez que vou aliciar um exército de capangas- apontadores de “likes”e “dislikes” para me respaldar no torvelinho digital.
Primeiro, te juro que não sei direito o que é isso mesmo porque não convivo com crianças para incorporar um hábito desses a essa altura da vida. Segundo porque meu público-leitor se me assemelha bastante nesse quesito, pobre dele. Terceiro porque com redes sociais em meu encalço, eu poderia sucumbir ao “querer agradar” a todo custo e, em dois tempos, a vaidade me comeria pelas bordas e poderia me atirar na vala rasa da panfletagem e da busca do aplauso fácil. Mas sei que a busca do equilíbrio é sempre saudável. E seu carinho já me faz pensar a respeito.
FD
de fato longo, certa vez me disseram: todo dia tente exercitar sua capacidade de síntese.
De fato, foi um mergulho um pouco demorado e ficarei atento aos imperativos estilísticos que o balizam – como escritor que é. Ademais, tenho que respeitar a tendinite de Clemente Rosas que se queixa do longo percurso a fazer com o mouse na ponta dos dedos.
No afã de descobrir e revelar meus achados que jazem no fundo do mar da memória, trouxe à tona tudo o que achei. E, aos olhos do leitor, nem todo o butim era ouro. Contas de vidro e armaduras enferrujadas integravam o pacote e não justificam uma imersão temerária que nos deixe sem oxigênio.
Obrigado e uma abraço, FD
Duvido que sejam todos inocentes. Não falei de tamanho de um
o texto em abstrato, falei em relação (1) ao conteúdo desse texto e (2) ao meio em que está sendo divulgado. Não estava reclamando do tamanho da autobiografia de Marcel Reich-Ranicki de quase 600 páginas, “Mein Leben” (DTV, München, 2000), por exemplo. Para quem foi ler um texto com “Jerusalém” no título pensando que ia encontrar algo que ajudasse a entender Israel e sua política externa (e um representante de sua diplomacia um dia chamou o Brasil de “anão diplomático”), ajudasse a entender o interminável conflito entre Israel e Palestina, o muro, a política de colonização que permite a violência, ou para quem busca alguma luz para a recusa do Brasil a conceder o “agrément” ao argentino-israelense Dani Dayan como embaixador de Israel em Brasília – para quem depois de uma hora lendo não achou nada, recomendo o documentário dirigido por uma brasileira, Julia Bacha, http://www.theguardian.com/world/video/2013/mar/17/my-neighbourhood-palestinian-israeli-video
Basta copiar e colar na saída para a Internet