Luiz Alfredo Raposo
Economista. Bancário aposentado
Os mensalões e petrolões, produtos da engenharia pesada petista, inauguraram um ramo novo da grande indústria nacional. Mas ramo tão mal cheiroso, tão malsão, que se formou entre os brasileiros, com força e ronco de tsunami, uma demanda de saúde pública muito específica: por grandes obras de saneamento… moral. Demanda que terá de ser atendida com urgência. E pelo sucessor desse governo atual, que deve acabar mais cedo. Por falta de chão. Tão enleado está ele em falcatruas de deixar incrédulo um são Tomé que as visse com seus olhos; e tão mau gerente (meteu o país numa crise econômica cruel, numa entaladela de que só revela todo dia não ter a mínima ideia de como nos livrar), que muito em breve não sobrará vivalma solta na rua para lhe dar apoio. E aí, nem carece, como no samba de Blecaute, cutucar por baixo, que ele cai. E vira uma página infeliz de nossa história…
Quando este dia chegar, teremos de pegar na mão do Brasil, ajudá-lo a se levantar e voltar a caminhar sem tropeçar. Urgente é nos prepararmos, e a primeira tarefa para o intelectual progressista consiste em enfrentar, no terreno ideológico, a questão do populismo, do qual o petismo é a fina flor. A título de contribuição, quero submeter ao leitor uma interpretação (não sei se muito pessoal) do fenômeno. Enfocando especificamente o Brasil, sua economia se acha ainda hoje cindida grosso modo ao meio: um setor moderno, a que se liga pouco mais de metade da população economicamente ativa (52,1%, segundo as estatísticas oficiais do IBGE para 2011); e outro, dito aqui, por contraposição, arcaico, que abriga a quase-metade sub-proletária. O excesso permanente de mão de obra, o exército de trabalhadores sem acesso firme ao mercado de trabalho do setor moderno. E que, em consequência, carece dos bônus que só uma sociedade moderna pode oferecer. A clivagem está aí: na dualidade do moderno e do arcaico. E não, como maldosa e interesseiramente garganteia a turma populista, na oposição entre “eles e nós”. Entre elites e povo, ou pior ainda, entre brancos e não-brancos.
Até a metade do século que passou, o setor arcaico, resumido à roça, se bastava com sua economia de subsistência. E fazia as vezes de um enorme reservatório de mão de obra, “regulando” (para baixo) o nível de salários na economia moderna. A dualidade era, então, em certo sentido, funcional. Mas a situação se inverteu espetacularmente, com a urbanização da população, combinada com um crescimento demográfico explosivo, de 1950 para cá. Em números redondos, naquele ano éramos 52 milhões; hoje somos 200 milhões. A zona rural alojava 70% dos brasileiros; atualmente, são pouco mais de 15%. O fenômeno, na prática, significou uma migração em massa do Brasil arcaico para a periferia das cidades. Neste período, de menos de três gerações, as cidades brasileiras ganharam cerca de 150 milhões de novos habitantes, sobre os 16 milhões iniciais. A população rural diminuiu ligeiramente, em termos absolutos. Parte da urbanização (pequena) é mero efeito estatístico da promoção de povoados a vilas ou cidades. O que não invalida a constatação: em gigantismo de escala, transumância tal só encontra paralelo, na história humana, no que está a ocorrer, de duas décadas para cá, na China e na Índia.
O resultado é que se criou um antagonismo entre os dois pedaços, pois o ambiente suburbano torna, a rigor, impossível a economia de subsistência. E leva o Brasil arcaico a buscar reproduzir-se, nutrindo-se do excedente, das sobras do Brasil moderno, num caso de mais-valia às avessas. Mas há algo além: a transferência para a cidade implica a adoção, em algum grau, dos seus modos de vida. Daí que a urbanização acelerada tenha adquirido um aspecto patológico de inchaço. Colocou sobre a sociedade, em especial sobre o poder público, demandas impossíveis de atender a tempo e a hora. A infraestrutura e os serviços urbanos ficaram gritantemente insuficientes, assistiu-se à proliferação de toda sorte de aglomerados habitacionais subnormais (favelas, morros, alagados…), ao aumento alarmante da violência urbana, da anomia e da tensão social…
Não adianta prosseguir. Nem discutir, agora, as razões de tamanho êxodo. O que vale é a pergunta: que pensam dessa dualidade, ou melhor ainda, como têm, na prática, reagido a ela as principais tendências políticas? Recuando no tempo: o velho populismo getulista buscava o apoio político do eleitorado urbano-moderno. O elenco de atores políticos que cresceu de importância, após a Revolução de 30, com o ganho de peso da economia das cidades e do Estado, numa época em que o direito de voto restringia-se aos alfabetizados. Incluía o funcionalismo público, os profissionais autônomos e os trabalhadores em empresas privadas (indústria, comércio e serviços). Aos últimos foi oferecido um estatuto de relações trabalhistas, a CLT, com um pacote de direitos: além da garantia de associação sindical, a fixação da jornada semanal e de condições especiais para atividades insalubres, as férias anuais, um rito de dispensa etc., etc. Combinado com isso, o Estado Novo criou as figuras do salário mínimo e do seguro social (através de uma série de “institutos de aposentadoria e pensões”), extensivo este aos trabalhadores autônomos. Novos “direitos” foram-se agregando, ao longo dos anos, mas ninguém erra de muito, se afirmar que, no final do regime militar, a política social ainda era um privilégio reservado aos participantes do setor moderno.
Quando da Constituinte de 1987-88, já se aguçara a consciência dos dois Brasis. Assim é que o grupo majoritário, de centro-esquerda, pôs a “universalização dos direitos” no primeiro plano das preocupações. O voto foi facultado aos ágrafos (ou analfabetos como se dizia antes das delicadezas atuais…) e aos maiores de 16 anos. No terreno social, procurou-se estender a proteção à camada sub-proletária E para algumas áreas, a Constituição criou mecanismos (como o SUS, na saúde) que puderam começar desde logo a ser implantados. Em outras, os novos direitos (p. ex., ao ensino público fundamental) ficaram algum tempo no papel, pela ausência de tais dispositivos operatórios. Uma terceira categoria, como o seguro-desemprego, contemplava o contingente ligado ao setor moderno.
Na Constituição de 1988, tenho (e não apenas eu) a impressão de ver a contraluz a marca d’água do paternalismo. Ou melhor, a sombra de uma espécie de populismo elegante, belle époque: um bando de cavalheiros patrícios ansiosos por reconhecer uma dívida social, a ser honrada pelo Estado. Tocante de generosidade, Constituição Cidadã, mas descuidada de orçamento e de reformas urgentes. E incompleta num ponto crucial: não previa mecanismos de renda mínima, exceto a pensão aos idosos. Por isso, à falta de melhor, populista belle époque. E criadora de nós no campo da despesa pública, ainda hoje carentes de desate, segundo discussões recentes de especialistas. Depois dela, veio a aventura Collor, finda a qual, assumiu o poder federal e lá se manteve até a epifania lulista um terço de tropa com uma visão diferente, friamente sociológica e rica de implicações práticas. A dualidade, sim, era o grande PROBLEMA. E a solução só podia ser superá-la pela via da modernização do país: da incorporação do setor arcaico ao setor moderno. Sabia esse grupo, com (pa)ciência histórica, que a solução requereria duas ou três gerações e, por isso, havia que encará-la desde logo. Resultou numa política em duas frentes:
-no horizonte do curto prazo, a construção de uma “rede de proteção”, que, de um lado, moderasse a tensão social e, de outro, apetrechasse o contingente sub-proletário para a gradual inclusão no setor moderno;
-na perspectiva do longo prazo, as “reformas” modernizadoras. Modernizadoras no sentido de favorecer a dinamização do setor moderno, como condição para uma mais rápida absorção do setor arcaico. Para tanto, havia, inclusive, que demolir parte do edifício do velho populismo e, bem assim, transferir ao setor privado empreendimentos que só poderiam ter começado pelas mãos do Estado, é certo, mas, uma vez implantados, não convinha seguissem com ele.
O trabalho de política social feito naquele período, com o programa de bolsas, a universalização do ensino fundamental (Fundef), a simplificação da assistência médico-sanitária (PSF, o padrão genérico de medicamentos etc.); e as reformas econômicas, como a criação do real, o saneamento do sistema bancário e das finanças dos entes federativos, a Lei de Responsabilidade Fiscal, o modelo do tripé (câmbio flutuante-metas de inflação-metas fiscais), as privatizações– tudo tinha esse claro sentido modernizador.
Ajunte-se que custou caro: a carga tributária bruta, após quase 25 anos de estabilidade, aumentou 7 pontos percentuais de pib entre 1992 e 2002 (de 25 para 32%, segundo o IBGE). Calculo que metade disso tenha ligação direta com a oficialização da tal mais valia às avessas: eram recursos para financiar os programas sociais. E em vez do semáforo, do lixão, a escola; em lugar do apurado do biscate, da latinha, a bolsa do governo. Incrível, brasileiramente surreal é que, depois da obra feita, tenham os adversários logrado grudar em seus autores o rótulo de neoliberais. Estranhos neoliberais esses que, com semelhantes objetivos, aumentaram assim tão brutalmente o tamanho do Estado…
Na esteira das contrariedades suscitadas por tanta mudança (privatizações, abertura externa, aumento da carga tributária, desavença com interesses corporativos na área do funcionalismo público, do ensino universitário etc.), um segmento da classe média, tradicionalmente não petista (em 1989, preferira Collor!), atravessou a rua e se juntou ao eleitorado do PT. Chega este ao poder e como responde à questão da dualidade? Com um populismo de novo corte. A deduzir do conjunto da obra, para ele a dualidade era SOLUÇÃO. Com efeito, ele cancela a agenda de reformas, que sempre combateu (interrompeu em meio, p. ex., o projeto de privatização do setor elétrico, e agora, relutantemente, o retoma) e amplia a rede de proteção social, que, aliás, seria ampliada de qualquer jeito, fosse vencedor o partido adversário, que a criou. O intrigante é que os petistas se opuseram à rede, quando da sua criação, tachando-a de ferramenta de uma política de acomodação com o grande capital, parida pelos tecnocratas do Banco Mundial. No poder, transformam-na, porém, noutra coisa: uma rede de arrasto dos votos das periferias. Um instrumento para a “fidelização” (ou “curralização”) de algo como 35 milhões de votos. Os criadores do programa original não ganharam talvez nenhum voto ali. Até porque, a estrutura de gestão original emprestava-lhe o caráter de instrumento de cidadania, libertador do tacão do chefete local, fosse líder comunitário ou coronel dos grotões. Lula&Cia, depois do fiasco do grotesco Fome Zero, como procederam? Fundiram as bolsas numa só, politizaram a gestão, arranjaram-lhe outro nome, e até hoje o vendem como um presente de pai ou de mãe aos mais pobres. É isso: eles são pais extremosos e, para realizar sua incoercível vocação, precisarão sempre de pobres…
Não há negar que a intenção de congelar os dois Brasis, preservar em benefício próprio a dualidade se trai, bem traída, na interrupção das reformas e no sotaque novo que adquiriu a política social. E tem sua lógica: avanço rumo a uma sociedade moderna, sem setor arcaico, sem desemprego estrutural de monta daria perigosamente na vera democracia, de cidadãos livres de cabresto. E adeus, base de poder. Pensando bem, é escandaloso. Ainda mais que, desde o primeiro dia, a turma acampou com ânimo de ficar. De eleição em eleição. Rejeitou o mercado político e a negociação congressual costumeira, e partiu para a “ação direta” da compra de apoios. O negócio era ir buscar o voto-muamba direto no baixo clero, em geral atropelando as lideranças partidárias e congressuais. E arrecadar o dinheiro da reeleição, em particular o dinheiro de pagar o trabalho que o enorme exército de cabos eleitorais passou a fazer, de exploração do potencial eleitoral das comunidades pobres brasileiras, criado pela Constituição de 88. Arrecadar como? Montando e azeitando um aparelho de roubo de dinheiro de estatais de escala nunca vista antes “na história deste país” ou de outros. O mensalão e o petrolão são exemplares dessa engenhoca macabra.
Sobre a ladroagem, não sei o que dirá um petista sincero. O mais provável é que guarde um obsequioso silêncio. Mas, quanto à política social e econômica, ele se erguerá indignado da poltrona e gritará: calúnia!, o Brasil não ficou congelado. Os anos de petismo trouxeram crescimento econômico, o pleno emprego e milhões de famílias subiram acima da linha da pobreza, consulte as estatísticas insuspeitas do IBGE/PNAD e do PNUD. E não vê só de olhar quem não quer que o padrão de vida das camadas mais pobres melhorou como nunca: o pobre hoje viaja de avião, possui celular e sua casa dispõe dos mesmos eletrodomésticos que qualquer outra de classe média. Nem tanto, nem tanto, meu petista sincero, objetaria eu, rodrigueanamente. Sobrasse espaço, eu mostraria ponto por ponto que os avanços de que se ufanam os petistas vem, quase sempre, de trás, e os governos petistas apenas lhes deram continuidade. Embora, na maioria das vezes, dependesse deles, nem começado teriam, tamanha a guerra inicial que lhes moveram. Não passava a Bolsa Escola de uma Bolsa Esmola?
Na verdade, o traço básico da era petista é, sim, a falta de dinamismo econômico. Nos dois governos Lula, tempo de vacas gordas no mundo, o Brasil cresceu, é certo, mas bem abaixo (a cerca de 60%) da média mundial, constatam as mesmas fontes. Dilma, tudo indica, entregará ao sucessor um país produzindo menos, em termos reais absolutos, do que aquele que recebeu. Um Brasil que andou para trás! E por que desempenho assim tão lastimável? Porque, no fundo, é da essência do populismo. É isso mesmo que ele quer por instinto. Ele precisa, para funcionar, ser antimodernizador, ou seja, conservador no pior sentido. Senão, cadê os pobres dos eleitores? Ao resistir, por duas décadas, a reformas (previdenciária, trabalhista etc.) que nada mais são do que a remoção de entulhos que impedem o setor moderno de andar mais ligeiro; e ao retroceder, p. ex., com a abolição do regime de concessão na exploração do petróleo do pré-sal, agora felizmente em vias de ser reimplantado– ele agiu segundo sua natureza e deu um prejuízo enorme ao projeto do Brasil moderno. Mas aí mora o furo: quem vê o moderno quer o moderno, não se conforma mais com menos, comprovam os próprios fatos de que os petistas se ufanam. Ora, se se criam obstáculos ao moderno, como atender a demanda do moderno?
Não dá e, completo a resposta ao meu petista sincero, a ascensão das classes C e D vira fogo de artifício… Ainda mais que o ethos antimudancista dessas forças progressistas-só-na-TV é percebido por todos, em particular pelo empresariado, e tem um efeito geral de frenagem. A queda decenal do investimento privado com que o empresariado respondeu aos governos petistas é seu modo de dizer que em parte descrê de ampliações e modernizações, porque não está minimamente confiante nos governos nem no futuro. E como vem das empresas perto de 20% da demanda macroeconômica, uma retração de 10% no investimento privado basta para produzir diretamente (efeitos de cadeia à parte) uma queda de 2% no pib.
Lula ainda tratou com certa cerimônia o setor moderno. Medo do apocalipse! A ameaça de sua eleição causou pânico no mercado, a fuga de capitais foi colossal, o dólar passou de R$ 4,00, chegou perto de R$ 5,00. E o jeito foi Zé Dirceu ir a Washington confessar-se com Mr. Bush, um escrito na mão e a alma de joelhos, como se fosse a Canossa… De mais a mais, a equipe inicial, muito mais esclarecida, sabia que da vaquinha leiteira da economia moderna é que vinha o leite dos programas sociais. E (por razões táticas?) continuou com o modelo de gestão macroeconômica que encontrou. As coisas voltaram aos eixos, donde uma sensação geral de alívio: “ainda bem, poderia ter sido muito pior”. Mas, aí, assumiu com Dilma a ala esquerda do petismo, francamente anticapitalista (ou, numa interpretação mais benigna, fortemente “dirigista”), e botou as mangas de fora. Partiu para a política da bordoada: redução por decreto dos juros bancários, rebaixa na marra da tarifa de energia elétrica, congelamento de preços dos combustíveis e condenação à morte por inanição do setor alcooleiro, aumento inimaginável do crédito “direcionado” etc., etc. Cuidados com o equilíbrio orçamentário? Vício de guarda-livros antiquado, bolorento… O resultado tantas vezes previsto foi que a vaquinha ficou ainda mais assustada e passou a dar menos leite (e talvez também a escondê-lo). Cada vizinho de um setor atingido pensava consigo: eu posso ser a próxima vítima de uma marrada dessas da czarina zangada… Ou: depois de madame, o dilúvio… E a conjunção dos populismos velho e novo deu no desastre que está aí. Na ladeira abaixo em que o país vai. E eles, no íntimo, convictos e impenitentes, põem a culpa na vaquinha…
Em conclusão, contrastado com o modo de ser dos progressistas, o caráter reacionário do populismo salta aos olhos e é vergonhoso. Os progressistas buscam implementar um projeto de país, de um Brasil moderno e democrático. Os populistas da estirpe petista se batem, simplesmente, por um projeto de poder. Projeto antidemocrático, requer a continuidade do assalto ao dinheiro público para manter sob controle o eleitorado de uma eterna periferia. Mil e um presentinhos, que fingem ser progressismo. Tapeação ao invés de promoção. Mas o erro de cálculo deles é fatal. Primeiro, como já assinalado, a política populista dá necessariamente na estagnação. E as inevitáveis patacoadas de condução, devidas às deformidades ideológicas, são o pai e a mãe da crise econômica. Depois, a Justiça, essa deusa de olhos sutis, vem descobrindo e castigando os crimes ligados ao financiamento da máquina eleitoral populista. Last but not least, a porção moderna do Brasil é inerentemente dinâmica, cresce de um jeito ou de outro, noite e dia, na economia ou nas mentes, queiram ou não os reacionários de todos os naipes, dos caciques petistas aos seus amigos coronéis. E esse Brasil moderno enxerga a fraude, em sua completa extensão. Os mais pobres, alguns não a veem ainda, embora ela lhes doa, cada vez mais, no bolso e na alma. Donde a obrigação dos que já viram: o alerta bem que encurta caminho a essa pedagogia do sofrimento. Pois uma vez acesa a luz, convencida a cidadania da urgência da mudança, uma capela imensa soará pelo país. Será a senha para que os poderes do Estado, Legislativo e Judiciário, façam seu dever constitucional. E a esperança peregrina volte a habitar entre nós.
Poço da Panela (Recife), março/2016
Já não é a primeira vez que digo que os ares do Poço da Panela são muito inspiradores. Hoje repito-o. Isso porque o documento acima é primoroso para que entendamos a pleno a história das ideias no Brasil. De posse de radiografia tão nítida, Luiz Alfredo faz mais do que trazer a lume nosso passado recente. Isso porque também aponta no horizonte as falácias contra as quais devemos nos precaver – no torvelinho desse populismo tão fácil quanto nefando. É no bojo de textos assim que a economia merece ser chamada de ciência – ainda que inexata.
Tecnocratas descafeinados, é bom que se diga, dificilmente enveredam pelas sendeiras da demografia, salvo para escandir seu bônus mítico. Tampouco se sentem à vontade com a geografia humana. Por fim, nada dizem sobre as transumâncias em hordas da espécie. Tamanhas lacunas terminam por dificultar sobremodo a leitura dos fatos. De resto, o autor enfeixa tudo isso com clareza e elegância. Sem quaisquer das estridências irritantes das falanges que, não contentes com a algaravia das ruas, tomaram de assalto até a academia. Já estou distribuindo para a leitura de amigos.
Cumprimento o autor e felicito a Revista Será? pela publicação deste ensaio político-sociológico-econômico de grande consistência, lucidez e elegância. Qualquer leitor de boa fé verá nele “a nudez forte da verdade”, sem “o manto diáfano da fantasia”.
Caros Fernando Dourado e Clemente Rosas, a acolhida que vocês dão ao texto me reconforta, embora não me surpreenda. Lendo o que vocês têm escrito em Será?, eu constato bem nossas afinidades. Nós somos daqueles para quem a política é, não um evento esportivo a que, dependendo do gosto, se vai e assiste da arquibancada, como torcedor. E do qual, em função do resultado, se sai alegre ou triste, e acabou. É algo vital, impossível (para frasear à Clemenceau) de ser deixado apenas aos homens políticos. E nós estamos nela, como podemos: não sendo militantes partidários, como cidadãos esclarecidos, que se sentem no dever de contribuir para formar opinião a respeito dos problemas de nosso país.
Sinto também que participamos das mesmas aflições. Hoje mesmo, fui a João Pessoa, em trabalho de avô, e encontrei o centro da cidade pichado pela brigada profissional petista. E pensei: são eles de novo acionando a máquina da mentira, com que de outras vezes enganaram os menos avisados. Dinheiro para o soldo é o que não falta. E em seguida, veio a angústia, que vocês decerto partilharam, com a notícia dos panfletos inundando as periferias das cidades de noticias falsas, alarmistas, sobre os programas sociais. E com eventos como o dessa noite na Avenida Paulista. Isso não me desanima, mas mostra que o esforço do país para se desvencilhar da quadrilha governante vai ser muito maior. Cordial abraço
Alfredo apresenta neste artigo a mais precisa definição da proposta do PT: “a dualidade é a solução”. Cancelando as reformas estruturais para manter a dualidade e se alimentar politicamente do arcaico, o projeto petista é o que tem de mais conservador no Brasil contemporâneo. Todo o inverso na mistificação esquerdista, jogando o pais no atoleiro.
Parabéns ao autor,
Texto lúcido e esclarecedor.Que bom seria, se pudesse ser amplamente distribuído em nossas salas de aula, Brasil afora, dando nobre contribuição à compreensão de um natimorto projeto de poder.
Caros Sérgio Buarque e Hélio Masur, vocês pegaram bem o ponto nevrálgico de meu argumento. De uma simplicidade absoluta e de uma evidência solar, o que espanta é que ele não seja consensual entre as pessoas instruídas. Muitos ainda pensam o contrário e veem a turma de Lula como progressista. Se assim é, o jeito é repetir o argumento até a verdade parecer verdade… É a nossa tarefa nesse mutirão. Abraço grande do Luiz Alfredo