Solidão, Iberê Camargo.

 

Na grande imprensa, nas redes sociais e alguns meios políticos e intelectuais reina um clima de que o governo acabou. Sérgio Abranches, analista político da rádio CBN, fala do último suspiro do Bolsonarismo. Marcio Coimbra, conhecido defensor da politica externa brasileira, aventa a possibilidade do Bolsonaro não chegar ao segundo turno. O conhecido cientista político Marco Aurélio Nogueira propugna que a Nação necessita de um impeachment. Este chegou às ruas nesse sábado, 23 de janeiro, depois de estar nas redes com o chamado “Fora Bolsonaro”. Chegou de forma fraca e dividida. Meus colegas, analistas políticos, dizem que com a retirada do benefício emergencial o apoio do Presidente na opinião pública despencará. Enfim, o fim do governo Bolsonaro estaria apenas começando.

A necessidade moral e cívica de retirar tal figura do poder é inquestionável. E muitos têm se pronunciado a respeito. Contudo, para retirar alguém do poder não basta o sentimento de indignação de alguns, mesmo se eles são muitos. É necessário preencher várias condições políticas. Queria que meus colegas tivessem razão, mas desconfio que não.

Sem dúvida que há indícios de fragilidade do governo. As pesquisas de opinião da Exame/Ideia indicam que seu governo era apoiado, em dezembro, por 35% da população, subiu para 37% em meados de janeiro e agora (20/21 de janeiro) despencou para 26%. As pesquisas do DataFolha vão no mesmo sentido. Em dezembro, 32% achavam seu governo péssimo ou ruim, agora são 40%. Por sua vez, os que achavam que o governo era ótimo ou bom cairam de 37% para 31%. Como fatores dessa mudança somam-se à retirada dos benefícios, ainda não plenamente sentida, o escândalo de Manaus e a péssima gestão da pandemia. Mesmo o início da vacinação deixou o governo em maus lençóis. Ele foi obrigado a começar com a vacina que o presidente disse que não compraria. Começou depois, e graças ao governador de São Paulo. Na queda de braço entre João Dória e Bolsonaro, aquele venceu por 7 a 1. Mas essa foi uma batalha, a guerra ainda terá muitas.

Também no âmbito das FFAA seu prestígio parece em declínio, assim como entre os grandes empresários. Finalmente, seu grande apoio internacional, Trump, se foi. Não apenas derrotado, mas repudiado por grande parte da opinião pública americana e internacional, pelo incentivo e financiamento do assalto ao Capitólio.

Todos os indícios supracitados são reais e consistentes. Porém há indícios contrários. Não há possibilidade de impeachment a um presidente que tenha o apoio de um quinto ou um quarto da população (dificilmente Bolsonaro contará com menos de 20% de apoio na opinião pública). Aliás, um apoio dessa natureza a um governo tão desastroso é um enigma. Por outro lado, 53% da população brasileira, segundo o DataFolha de 23/01, são contra o impeachment do Presidente. Menos da metade é a favor (42%). Ademais, o Presidente ainda tem alguns recursos importantes. Caso seja vitorioso (quase certo) na Câmara dos Deputados, os pedidos de impeachment, que já somam mais de 60, permanecerão na gaveta do presidente da Câmara. Por enquanto, salvo surpresas – na medida em que a votação é secreta – o seu candidato, deputado Artur Lira, líder do PP, e parlamentar com vários processos nas costas, será eleito. No Senado, sua aliança com o PT e o PSDB, aparentemente, já assegura a vitória ao seu candidato. Assim, ganhará força no Congresso. Pelo menos por enquanto. O que poderá lhe custar caro no futuro.

Congresso, aliás, que contribuiu decisivamente para a melhoria da imagem de Bolsonaro junto à população, mesmo os opositores, na medida em que elevou para 600 reais o valor do benefício emergencial, criado em função da pandemia[1]. Ora, o candidato do Presidente no Senado, Rodrigo Pacheco (DEM/MG), defende a permanência desses benefícios, pois a pandemia perdura. Caso esta proposta seja vitoriosa, haverá milhões de beneficiados apoiando o Presidente. Claro que isso irá repercutir negativamente na economia, criando obstáculos à sua recuperação, com possibilidades de aumentar o desprestígio nascente no seio do empresariado e provocar cisões no Ministério da Economia.

Outra arma do presidente será a reforma ministerial, incluindo lideranças do Centrão no governo. Fala-se que serão oferecidos aos velhos políticos seis ministérios. Iniciativa que provavelmente consolidará sua base na Câmara dos Deputados. Com isso, as chances de impeachment chegam perto de zero. Salvo se sua aprovação cair abaixo de 20%, levando os oportunistas do Centrão a retirarem seu apoio, como comenta Luiz Carlos Azedo no Correio Braziliense (24/01/2021). Hipótese quase inviável. Alguns comentaristas inclusive perguntam, para que impeachment? Para colocar o general Mourão no poder, com risco, diz Lavareda, de ser reeleito presidente em 2022?

Pode-se argumentar que estas iniciativas quebram as principais promessas de campanha: combater a corrupção e renovar a política. Isso significará que sua base se vá? Não necessariamente. Uma parte de sua base já se foi com a saída de Moro e a péssima gestão da pandemia, além da aproximação com o Centrão. Mas, a parte majoritária permanece fiel, assim como a força nas redes sociais, somada ao ganho de uma parte da mídia tradicional (Record, SBT).

Portanto, os indícios de que o governo esteja em seus estertores não são nada consistentes. Infelizmente. O bom disso tudo é que parte da sociedade civil organizada ou esclarecida começa a se movimentar. Ora, ocupar as ruas, as redes e os meios de comunicação é fundamental para desgastar o presidente, e vencê-lo eleitoralmente. Sabendo que, nesse caso, haverá confrontos, inclusive armados. Por isso, desgastá-lo junto às mais diversas instituições, sobretudo junto às FFAA, é essencial.

 

[1] O que não significa que se deveria ter recusado o benefício. Este é o dilema: trata-se de uma medida humanitária, indispensável, que beneficia aquele que ameaça a democracia. E no presente caso de prolongamento, destroça a economia nacional de vez.