Depois de dois dias de reunião, a Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz da CNBB-Conferência Nacional dos Bispos do Brasil emitiu um comunicado (19 de outubro de 2016) no qual afirma que as reformas (trabalhistas, do Ensino Médio e da Previdência social) e a PEC-Proposta de Emenda Constitucional 241, que define um teto para as despesas públicas da União, “colocam em risco os direitos sociais do povo brasileiro, sobretudo dos empobrecidos”. Depois de publicado no site oficial da CNBB até domingo, o comunicado foi retirado, o parece indicar que a alta direção da instituição não aprova o seu conteúdo.
Para emitir tal opinião, os doutos senhores da Igreja Católica devem ter analisado e estudado a fundo as propostas de reforma e seus impactos, em dois dias de longas reflexões. E, no entanto, os bispos ignoram ou não entenderam a complexidade da realidade econômica e fiscal do Brasil e, pior, simplificaram e distorceram os conteúdos das propostas. Não é verdade que a PEC 241 “estabelece teto nos recursos públicos para as políticas sociais”, como afirmam na nota. Já foi mais do que esclarecido, e qualquer leitura do documento deixa claro, que se trata da manutenção constante do valor total do orçamento, e não de cada um dos seus itens e rubricas, como as políticas sociais. Ignorância ou má-fé, duas coisas inaceitáveis para um conselho de honrados e destacados dirigentes da Igreja, servem mais para confundir a opinião pública e favorecer interesses corporativos que ajudar nas decisões políticas.
O que está comprometendo os direitos sociais no Brasil, senhores bispos, não são as medidas propostas pelo atual governo, mas a crise econômica e o desmantelo fiscal herdado do anterior: recessão econômica, 12 milhões de desempregados, e o descontrole dos gastos públicos que restringiu drasticamente a capacidade fiscal do governo. Sem um duro ajuste fiscal (que inclui a contenção dos gastos), o Brasil afunda, o desemprego cresce e a inflação volta, corroendo o poder de compra precisamente dos pobres.
É estranho, para dizer o mínimo, que os bispos rejeitem a reforma do Ensino Médio, que pretende melhorar a educação, com a redução do excessivo número de disciplinas e a ampliação da carga horária, acompanhadas do aumento dos recursos públicos federais. Qual a ameaça aos direitos sociais dos brasileiros? E a previdência, deviam saber os bispos, compromete já um quarto do orçamento da União (2015) e tende a subir continuamente, com o acelerado envelhecimento da população. E o sistema é injusto e desigual. Na previdência do servidor público, apenas 1,3 milhões de aposentados e pensionistas recebem uma média de R$ 8 mil reais (dez salários mínimos) de benefícios, e provocam um déficit de R$ 72 bilhões de reais (em 2015). Quem paga essa conta? Será que a Igreja Católica estaria disposta a pagar impostos para cobrir este déficit e contribuir para o alívio fiscal do Brasil?
Se é limitado o espaço da racionalidade na disputa política, menor ainda será quando se juntam política e religião, movida esta pela fé, e não pela razão. O comunicado da Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz da CNBB exagera no apelo emocional, político e religioso, recorrendo a uma dramática exortação do profeta Amós, que reproduz o enfadonho e perigoso maniqueísmo do PT-Partido dos Trabalhadores: os bons e justos esmagados pelos maus e perversos, que devem agora remendar o desmantelo que criaram na economia e nas finanças públicas, com seus impactos negativos nos direitos sociais. Com essa nota, os bispos confundem mais ainda o tumultuado ambiente político do Brasil, e não ajudam em nada no debate de ideias, e na busca de alternativas para enfrentar a crise e promover o futuro do Brasil.
Jesus e Ideologia estão entranhados nas mentes e corações desses bispos que só ouvem o que confirmam suas crenças.É lamentável.
É estranho, não, Sérgio: é aterrador que os autores tenham feito um manifesto desses. Até o profeta Amós pusersm no posto de trombeta… Como a nota foi retirada, é possível que não tenha vindo de clero assim tão alto. Mas ela deixa bem manifesto o grau de infecção pelo vírus da Teologia da Libertação que atingiu a Igreja. E sua reação é primorosa. Se quiser transformá-la em manifesto, eu gostaria de estar entre os primeiros a assinar… Aquela sua ideia de botar a Igreja (de muito longe o maior latifundiário urbano deste país) para pagar pelo menos um IPTUzinho é genial, daria à instituição uma bela oportunidade de ajudar os menos favorecidos… Aliás, há dois meses vi essa proposta sendo discutida em Portugal. Algum leitor, algum membro do Grupo que seja amigo de algum prelado católico faria bem em lhe dar a conhecer esse texto. Texto que mostra ainda outra coisa: a indignação de homens de bem ante um gesto que, diz você muito bem, não se justifica nem pela má-fé, nem pela ignorância. Minha solidariedade.
Senhor, perdoa esses seus pastores que mal sabem o que dizem…
Com o devido respeito, padre só deveria falar de dinheiro e orçamento no dia que pagasse imposto – isso faz toda diferença. Da mesma forma que só deveria falar de casamento e mulher no dia que dormisse e acordasse ao lado de uma. Reitero: isso também faz toda a diferença. Nesse ponto, as igrejas ortodoxas da Rússia, Grécia, Georgia e Armênia entendem bem mais do riscado terreno. Até demais, eu diria. A igreja deveria promover um intensivo de “Macroeconomia para prelados palpiteiros”. O irônico é que o Vaticano está cheio de gente que entende muito bem de finanças. Até demais, repito. Mas não na CNBB. Que tal um convênio com a UnB? Dá samba!
Aplausos a Sérgio C. Buarque por argumentar, com tranquilidade e coragem, contra as mentiras políticas de um grupo religioso poderoso. Certo está Fernando Dourado: está em falta um curso de introdução a macroeconomia para palpiteiro (religioso, ou também adolescente usuário de droga). A bem da verdade, nunca levei a sério as posições de política econômica de boa parte dos nossos bispos católicos. Lembram quando eles defendiam o calote da dívida pública?