João Rego

Os Romanov, executados pelos bolcheviques em 1917.

05.12.2016

Os Romanov exerceram o poder na Rússia por três séculos. Com a Revolução Bolchevique, Nicolau II e toda sua família, última da dinastia, tiveram um fim trágico, e a Rússia experimentou uma ruptura no seu processo econômico, político e social. Aqui no Brasil, a Revolução de 1930 pôs fim à Velha República, deixando para trás o governo das oligarquias. De republica em república, de revolução em revolução, demarcadas por algumas assembleias nacionais constituintes, e depois do longo e doloroso Regime Militar, a nação, a partir de 1985, desembocou nas águas da democracia constitucional. São trinta e um anos de prática democrática…..

Acontece que as práticas de reprodução da elite política preservam — com seu conjunto de leis e meios ilegais— de forma perversa e espantosamente imutável, os mesmos mecanismos arcaicos de dominação, onde relações promíscuas entre grandes grupos empresariais e os partidos forjam os destinos do país. Isto, com certa complacência da classe média, cuja componente ideológica mais forte reside na preservação do seu padrão de consumo — é assim em todas as democracias ocidentais — enquanto as classes sociais mais baixas, a periferia e os grotões, veem, em cada episódio eleitoral, uma oportunidade para tirar alguma vantagem material, mesmo que provisória e ao elevado custo de adiar, ad infinitum, seu estado de miséria estrutural.

Os políticos, até os movidos pelos mais nobres propósitos, costumam sucumbir diante dessa prática arcaica de reprodução de poder. Munidos de seus marqueteiros, alinham o discurso com aquilo que o povo deseja ouvir, articulam-se com “generosos” empresários para financiarem suas campanhas, e pronto: mais um mandato garantido, mais uma toiceira de cargos para distribuir entre parentes e amigos, e mais uma série de emendas parlamentares para suas regiões de atuação e, obviamente, contratos para as empresas que investiram vultosas somas em suas campanhas.

Claro que existe um segmento de eleitores estruturados ideologicamente, assim como de políticos: os formadores de opinião, normalmente residentes nos grandes centros urbanos e com elevado nível educacional. Estes exercem uma outra relação, digamos, mais republicana, nos processos eleitorais, mas mesmo eles não têm nenhum controle sobre essas “transações tenebrosas”, onde seus políticos eleitos deitam e rolam, chafurdando na lama da corrupção e da iniquidade humana.

Em resumo: subjacente à democratização, viceja nos esgotos da nossa recente história a corrupção e sua fiel parceira, a impunidade, formando uma elite política descolada da realidade social e da sociedade civil, com perigosas falhas estruturais em suas fundações.

Estes mecanismos têm a força da lei da gravidade, atingem a todos.

(R)EVOLUÇÃO TECNOLÓGICA E TRANSFORMAÇÃO SOCIAL

Estamos experimentando a universalização de uma importante transformação social, por meio das tecnologias da informação e da comunicação. No Brasil, tivemos em junho de 2013 as Manifestações dos 20 centavos, protestos que paralisaram a nação, onde a comunicação através das redes sociais foi a principal força impulsionadora. O longo processo do impeachment de Dilma Rousseff, com novas manifestações de milhares de pessoas nas ruas das grandes cidades, somando-se ao acompanhamento, quase em tempo real, da Operação Lava Jato e das condenações de personagens importantes do mundo empresarial e da política,  são algumas balizas que apontam para um fenômeno fundamental na construção da nova prática política: o fortalecimento da sociedade civil, e seu papel como protagonista do complexo processo político, em um ambiente democrático.

Com a reconfiguração das 10 Medidas contra a Corrupção na Câmara dos Deputados, na semana passada – uma iniciativa popular, que obteve 2,5 milhões de assinaturas – evidenciaram-se os estertores das práticas da velha classe política, que, no desespero de safar-se das investigações – mais ameaçadoras agora com as delações premiadas de 78 executivos da Odebrecht — tripudiou sobre a vontade de expressiva camada da população, que não aceita mais o sistema onde a moeda de troca do complexo jogo de interesses, em uma democracia, são os acordos inconfessáveis entre políticos e empresários, sempre dissociados do bem comum  e da sociedade civil.

Aponto pelo menos três vertentes estruturadoras do novo momento da história política nacional:

  • Sociedade civil mais atuante, em decorrência da enorme capacidade de comunicação capilar pelas redes sociais, consolidando um papel de maior protagonismo nos destinos da nação, e exercendo legítima pressão nas decisões políticas.
  • Novas formas de representação política – enfim, a democracia direta, mesmo que cibernética— como a Iniciativa Popular e outras, que irão substituir os sistemas atuais.
  • O surgimento de uma nova geração de homens públicos (Geração pós Lava Jato?) e de empresários, cujo valor ético se imporá pela força da lei e da prova da realidade de que corrupção tem um elevadíssimo custo. Será mais lucrativo e bem menos arriscado ser honesto.

É muito provável que o novo ainda demore a substituir o velho, até porque uma nova geração de políticos, empresários e eleitores deverá surgir, e isso toma algum tempo, mas o balizamento e os caminhos que levarão a nação para um futuro democrático sólido já estão lançados. E nesse futuro, a sociedade civil não vai abrir mão do seu papel de protagonista do processo político, onde os Romanov da velha e viciada prática política nacional serão, enfim, soterrados pela História.

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(*) João Rego é membro do Movimento Ética e Democracia

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