Diálogo
A polarização é a mãe do radicalismo. Reduzindo espaço de construção institucional. E empobrecendo alternativas de entendimento político. Mas, no Brasil, nem sempre foi assim.
No regime da Constituição de 1946, lideranças parlamentares conversavam. E convergiam em soluções tecidas no Congresso. Mesmo no clima de emoção política dos anos 50. Época dos embates entre o conhecimento técnico de Aliomar Baleeiro, da UDN, e o talento oratório de Vieira de Melo, do PSD.
Sob a Constituição autoritária de 1967, MDB e Arena promoveram graus mínimos de articulação política. Enfrentando o regime de exceção fixado pelo AI 5, de 13 de dezembro de 1968. Ainda assim, o peemedebista Thales Ramalho, de Pernambuco, e o arenista Petrônio Portela, do Piauí, na condição de Ministro da Justiça, construíram pontes. E fizeram semeadura colhida na distensão segura, lenta e gradual de 1985.
No marco da Constituição cidadã de 1988, PSDB, PMDB e PT exercitaram a arquitetura da operação política. Embora o PT não a tenha subscrito. Mas peemedebistas, como Ulysses Guimarães, tucanos como Mario Covas, e petista à época, Plínio de Arruda Sampaio, costuraram confluências com base em compromissos políticos.
Ou seja, conversar e entender-se politicamente sempre foi regra continuamente praticada no Congresso. E feita com naturalidade.
Radicalização
Esse ambiente de diálogo político e encontro de ideias foi sendo desconstruído a partir dos anos 2000. O que era natural entre parlamentares, nas décadas que vão de 50 a 90, assumiu frieza de rito. O código telepático, próprio da engenharia política, começou a fenecer. O objetivo comum de construir entre partes, empenhadas em tarefa conjunta, vem se diluindo. Substituído pela insensatez da polarização.
Hannah Arendt escreveu que ninguém faz política sozinho. Que política é arte praticada a dois. Isto é, um pas de deux. Um dueto. No qual dois bailarinos são artífices na arte de dançar. Como na política, em que o dueto é obra de operadores atuando no propósito de articular interesses. Afinal, colocados em outro patamar convergente de mútua concordância.
A recente radicalização no ambiente político brasileiro tem, a meu ver, três causas:
1 Discurso Lulista do “nós contra eles”;
2 Impeachment da ex presidente Dilma; e
3 Operação Lava Jato.
O discurso Lulista do “nós contra eles” patrocina ressurgimento de argumento usado pelo populismo nos anos 50/60. Reutilizado, com êxito, nos anos 90. Vestindo a postura de defesa de pobres e humildes que fez a fortuna eleitoral do PT.
Tal discurso funciona como fator de fracionamento da coesão da sociedade. Incentivando a exaltação de interesses contrários entre classes sociais. Distanciando pessoas. Produzindo acirramento de segmentos sociais. E consequente diminuição das possibilidades de obter consensos políticos.
Segundo, o impeachment da ex presidente Dilma reforçou a cultura da incivilidade política. A perda de poder gerou ira mortal. Não interessou aos seus defensores verificar a prática de crimes contra a administração pública comprovada no governo dela. Não interessou anotar o rigoroso cumprimento das exigências constitucionais para aprovar o impedimento da ex presidente pelos Poderes Legislativo e Judiciário.
O impeachment da ex presidente trouxe ruidoso inconformismo de parte de petistas. Sobretudo em faixas da administração pública e do meio sindical. Onde exercício de cargo público era visto como chance infinda. E onde distribuição de benesses a favorecidos ratificou vocação patrimonialista de setores do Partido.
Em terceiro lugar, os efeitos da Operação Lava Jato sobre o PT. E também sobre PMDB, PP e PSDB. Atingindo arcanos partidários: o grão duque, José Dirceu; Robespierres jacobinos no Congresso; comissários graduados na Petrobras.
A investigação e condenação de filiados trouxe perda de substância eleitoral desde as eleições municipais de 2016. O PT perdeu assinatura no discurso contra a corrupção. Que era sua bandeira histórica. Sem admitir erros cometidos contra a probidade administrativa e a ética pública.
O conjunto desses fatos estreitou a latitude do discurso na política brasileira. O estreitamento do discurso político, no país, produziu três consequências:
- Radicalizou posições antagônicas entre Partidos na política nacional gerando impasses;
- Estimulou a adoção de discurso de tom extremista à direita e à esquerda enfraquecendo posturas equilibradas de centro;
- Reduziu o espaço político destinado a discutir e obter consensos sociais.
Ferradura
Nesse contexto, o risco para a democracia pode vir a ser real. O ex ministro chefe da Casa Civil do governo Ernesto Geisel, general Golbery do Couto e Silva, foi o arquiteto da distensão segura, lenta e gradual, nos anos 70. Em conferência na Escola Superior de Guerra, em 1981, ele falou sobre a teoria da ferradura.
O que é a teoria da ferradura ? Nas palavras do ex ministro, “em vez de se imaginar uma reta, com a esquerda numa e a direita noutra, deve-se pensar numa ferradura com a esquerda e a direita mais próximas entre si do que do centro. Isso explica porque às vezes elas agem em alianças táticas” (Diário do Congresso Nacional, de 03/04/1981, página 1581).
Os extremos se tocam. Em mouca e cega obsessão. Nada escutam. Nem enxergam. Diferentes só na aparência. Mas assemelhados no modo extremado, íngreme, de pensar e fazer as coisas. Misturando a desrazão. Iguais. Na ferradura, direita é esquerda. E vice versa.
Era o que ocorria na segunda metade dos anos 70. O processo de distensão para a democracia foi bancado pelo presidente Geisel. Cumprindo a logística civil desenhada pelo general Golbery. E com recursos do poder militar dos chefes de três dos quatro Exércitos. O ministro da Guerra de então, general Sílvio Frota, opôs-se ao projeto democratizante. Foi sumariamente demitido por Geisel.
Golbery interpretava o vaivém da redemocratização como movimentos coronarianos de sístole e diástole. Na sístole, o sistema se contraía. E medidas duras se seguiam. Na diástole, o sistema se descontraía. E prosseguiam ações de distensão política. O pacote de abril de 1977 marcou um desses episódios. Com fechamento do Congresso. E cassação de mandatos de parlamentares.
Por seu lado, três ex governadores de Estado lutavam em favor da política de distensão: Paulo Egydio Martins, de São Paulo; Aureliano Chaves, de Minas Gerais; e Sinval Guazzelli, do Rio Grande do Sul.
Esses políticos trabalharam intensamente pela reabertura. Tanto na penumbra da persuasão e do contra poder. Quanto no brilho de compromissos reiterados ao sol da coragem pública.
O Brasil do século XXI, na transição de 2017, aguarda a sensatez do equilíbrio. Precisa de radicais de centro. E guarda a vez dos que souberem interpretá-lo fielmente.
Tese central importante neste momento da. Ida nacional: é pela política a nossa saída! E política é sinônimo de conversa, de diálogo, de disposição para escutar o outro é conviver com discordâncias! A análise da história recente coloca a responsabilidade pela intolerância que vivemos no PT, apenas. Será que as oposições, o PSDB, em partícular, não tem sua parte nesse latifúndio? A postura de Aecio no pôs eleição de 2014, liderando uma raivosa campanha de ” sangramento ” de Dilma, a turma da ala conservadora radicalizando o discurso e depredando nas ruas, a grande mídia assumindo nitidamente um discurso radical contra um lado…Enfim, sem desconsiderar os equívocos e contribuições do PT , precisamos abrir o rol dos construtores desse clima de anti-politica no qual mergulhamos! O povo do centro, pode sim ajudar na retomada do diálogo e da pratica da política! Mas será preciso continuar considerando e ouvindo as vozes da esquerda, da direita, e de suas variantes, numa sociedade tão desigual e cada vez mais heterogênea, além de imersa em mudanças tão profundas!
A televisão abriu amplo espaço para noticiar a morte de Antônio Cândido. Numa das entrevistas reprisadas, ele justifica a adesão ao PT com algum entusiasmo, prognosticando à agremiação um futuro sólido, calcado na legitimidade da base “trabalhadora”, o que quer que isso quisesse significar. O exemplo mal sucedido na Polônia de Walesa parecia não preocupá-lo além da medida, fato que então já inquietava meu querido amigo Bruno Ribeiro, hoje presidente do PT em Pernambuco, e pessoa por quem tenho carinho e respeito intelectual, política posta à parte. Pois bem, todo mundo que via o professor Antônio Cândido no dia a dia dos últimos anos – caminhando firme pelos trechos ladeirosos da rua Pamplona e da Joaquim Eugênio de Lima, apesar da idade avançada -, testemunha do desgosto dele para com os rumos que tomou o grêmio buliçoso dos anos 1980. Eu que só o via passar à distância, escutava de alguns de seus amigos que ninguém viesse lhe perguntar sobre a crônica de horrores do populismo que ele mudava de assunto. E essa desilusão já não era de hoje, que o digam Weffort e até Erundina. Quanto a 2014, Aécio teria ligado para Dilma Vana para parabenizá-la pela vitória (sic), mesmo que meio país já soubesse àquela altura que caminhávamos para um desenlace dantesco. Por essa ocasião, ela o esnobou e, dando uma prova cabal da mesquinhez de sentimentos que lhe é própria, ainda respondeu com monossílabos, o tratando por “candidato”. Se a sordidez de seus bastidores ainda não tinha vindo a público como veio semana passada, isso era só um detalhe da soberba e da profunda ignorância dessa mulher, sob todo e qualquer ângulo como seja vista e avaliada. O que quer que tenha feito Aécio ou o que quer que ele não tenha feito, está amparado no célebre ” et pour cause”, caro aos franceses.Quanto à inaptidão para o diálogo, esta parece vir de muito longe, dos tempos da famigerada Constituinte de 1988, como atestam muitos dos sobreviventes daqueles dias de delírio coletivo. Se hoje se vê que a baixa propensão ao diálogo se deve em parte ao acobertamento e exercício articulado de práticas escusas, a versão benevolente pode atribuí-la simplesmente ao despreparo médio de seus quadros e simpatizantes. Mesmo porque quem era bom, não ficou no partido e vice-versa, com as exceções de praxe. Eu diria até, fazendo coro com alguns, que o PT ensinou a direita a odiar. Talvez por ter aprendido com ela, da pior forma possível, o que era isso. Foi portanto um experimento que fugiu ao controle. Como as abelhas africanas dos anos 1960 que escaparam do criadouro e aterrorizaram populações inteiras. Essa é minha modesta visão dos fatos, professora. Peço que releve a contundência desmedida. Ela deriva certamente dos fatos recentes. Peço também a devida vênia ao articulista, cujo espaço invadi com o desassombro próprio dos que critico.
Sim, Tânia, sao dois pontos: primeiro, a saída é pela política. Segundo, fortalecer o espaço de centro pelo diálogo. Entao, o binômio de ouro é política / diálogo.
Na prática, significa gerar consensos políticos em torno de problemas sociais e econômicos que afetam a sociedade e a economia.
E tudo isso passa pelo desarmamento dos espíritos. Pelo reconhecimento do outro. Pela humanização das relações pessoais.
Talvez um conceito resuma tal atitude: respeito. Ouvir e respeitar o outro. Para alcançar outro patamar. De posições mais próximas.
Fernando, você nao é invasor. É coautor. Com alegria. Sou seu leitor habitual. E faço das suas, minhas viagens.
Dia desses, vamos, sim, celebrar o prazer do encontro. E da conversa.
Muito obrigado, será um prazer.
Abraço
Mais uma vez o sensato Luiz Otávio. Mas minha admirável e querida Tânia me lembrou uma antiga história do tempo da Guerra Fria. Era assim: um guia turístico soviético mostrava as maravilhas do metrô de Moscou a uma delegação americana e um ianque provocador, concordando com as belezas vistas, acrescentou que, no entanto, havia muito pouco de moscovitas a usar os trens e a admirar a decoração. O guia, incontinente, ao invés de explicar que não era hora de rush, sacou em resposta “ e a discriminação racial no Alabama? “
Felizmente, na sua postagem, com a mesma sensatez do autor, Tânia augura o diálogo como solução para a ruptura como era de se esperar por quem conhece as suas atitudes e sua história tão bem vividas.
Vejam que coisa maluca! De repente, me vejo envolvido e sem preparo para tanto, num belo diálogo entabolado por Tânia Bacelar, Luiz Otávio, David Hulak e Fernando Dourado que ainda refere Bruno Ribeiro. Talento em abundância, mestrados e doutorados de sobra, enquanto ostento apenas um viverado insosso. Mas, alvíssaras meu capitão, surge uma tênue lucidez nesse entrevero em que se transformou a política nacional. Não sei discutir sob o prisma filosófico ou ideológico, mas sou um pragmático cartesiano que não consegue entender a mixórdia em que meteram o país.
Sem perquirir as razões que a motivam – como Luiz Otávio faz com competência– esquecemos o princípio fundamental da política: a busca de convergências através do diálogo, do bom debate, do entendimento e da solução das divergências.
Observo, pelas referências, que eu, Tânia e Bruno Ribeiro participamos em alguma época dos governos de Arraes.
Sem me atrever a intérprete do pensamento de Arraes (como estão proliferando – às pencas – os falsos cientistas políticos!), lembram que quando ele foi receber em nome do Estado, a ilha de Fernando de Noronha de volta, mandou localizar o seu carcereiro em 1964/65, e convidou-o para participar da cerimônia em sua companhia?
Lembram Mandela, que após 24 anos de prisão sob o jugo do apartheid (a mais terrível manifestação de segregação racial do mundo), quando assumiu o poder na África do Sul pregou a união de todas raças e etnias para a construção de uma sociedade justa ?
Luiz Carlos Prestes, mesmo após sua esposa Olga ser entregue a Alemanha nazista, ao ser libertado em 1945, saiu da prisão defendendo uma “Constituinte com Getúlio”, fórmula que imaginava capaz de apressar a redemocratização do Pais?
Como Luiz Otávio ressalta, vocês sabiam que em plena ditadura militar, com pessoas sendo torturadas e mortas nos porões dos Doi-Codis, os políticos referidos tentavam montar pontes de entendimento, ao invés de destruí-las, como atualmente se faz com ódio e desamor à Pátria ?
Não existem outras saídas a não ser o entendimento entre as forças políticas decentes que ainda nos restam – tenham a certeza! – em torno de um programa mínimo comum e o pior caminho é o que estamos assistindo com a demonização das instituições, a defesa da não-política, a banalização da corrupção, a pregação descarada do ódio e a nivelação da mediocridade que se agudizam, à medida em que crescem as possibilidades de novas prisões.
Precisamos combater esse maniqueísmo infamante, que serve de biombo aos mascaramentos de ideologias inexistentes e de estímulo ao surgimento dos salvadores da pátria. Mesmo com o risco de algum rigor excessivo, precisamos conscientizar a população de que o tempo da impunidade acabou e sem deixar saudades … Custe o que custar, impõe-se a busca da extinção de uma cultura patrimonialista que chegou à Pindorama com as caravelas de Cabral e entranhou-se nos costumes como visgo insolúvel.
Não há como fugir da responsabilidade de todos nós na busca dessa retomada.
Caro Ivan Rodrigues, você, sendo agrestino, termina sendo completo pernambucano de todas as latitudes.
Preciso e sábio. No conceito e na história. Vou te telefonar, Para continuar a aprender.
Abraço.
Ivan Rodrigues, meu caro amigo. Este seu comentário deve servir como um manifesto à nação, um chamado às “forças políticas decentes” que também acho que existem, embora poucas e esmagadas pela polarização. Gostaria que transformasse numa artigo (ta pronto) para publicarmos na Revista e jogar para o Brasil como uma mensagem – MANIFESTO – da sabedoria do homem publico que viveu a historia deste pais.
Amigo Sérgio: Senti-me recompensado e vaidoso com as suas referências ao meu comentário. Concordo com sua sugestão, lembrando que deve originar-se de construção coletiva dos amigos da “Será ?” e, para tanto, trabalharmos na redação final do MANIFESTO. Está, desde logo, autorizado a comandar o processo. Abraço a todos
É um prazer vivenciar uma discussão de tal nível. Dá esperança na gente comum,do povo e nos faz acreditar que ainda há vida inteligente nesta comarca. Obrigado.
Mais uma excelente crônica do brilhante Luiz Otavio de Melo Cavalcanti. Um privilégio conhecer suas analises e opinioes sobre um Brasil que aprendi a amar e que ora me esta tao distante. De Montreal, Canada, onde moro ha 22 anos.