Censura - autor desconhecido

Censura – autor desconhecido

 

“O presidente e a liberdade, ambos na lei e

na consciência, para ser o grande homem

que ele quer ser”.

Woodrow Wilson, 1907.

 

“Mas atualmente ele não pode ser menor

do que gostaria de ser”.

Richard Neustadt, 1960.

 

O homem e sua dignidade. Aprendendo com os romanos. Experientes em assunto de significado público. Na medida em que ele, homem, é mais ou menos do que ele faz, como disse Cícero.

O reconhecimento da dignidade é o público que deve julgar. No que democraticamente foi construído, nos últimos cinco séculos, como espaço público. Como acentuou Hannah Arendt, dizer em público o que muitos sabem no isolamento da privacidade não é supérfluo. Porque o fato de que algo é ouvido por todos confere a ele poder iluminador.

Se assim é em relação aos que atuam no âmbito da Política, imagine-se a relevância desse princípio quando se trate de ministros do Supremo Tribunal Federal -STF. Por isso, é incompreensível a afirmativa do presidente Lula. De que os votos dos ministros da Suprema Corte devem ser secretos. Porque, segundo suas próprias e incrédulas palavras, “o povo não precisa saber”.

A caminhada da democracia não é suave. Desde Péricles, o grego, no século V a.C. Passando pela Revolução Francesa, em 1789. No risco exato do equilíbrio entre liberdade, igualdade e fraternidade. Na aurora do século 20 com a sequência de direitos da cidadania: direitos civis, direitos políticos e direitos sociais. Até enfrentamentos, no capítulo de costumes, que abalam os graus civilizatórios da sociedade no século 21: extremismo, racismo e homofobia.

Por isso, soa estranha a declaração obscura do presidente Lula. Há, vigente, uma lei sobre transparência: lei 12.527, de 2011. Cujo chão está na informação. No plano do interesse público. Em três dimensões:

. A dimensão do direito subjetivo do cidadão, que deve ter acesso às informações que circulam para seu esclarecimento;

. A dimensão do propósito (necessidade) do Estado de Direito de promover a circulação de informações que formem o juízo da cidadania;

. A dimensão da responsabilidade pública dos agentes do Estado em proteger a existência e cumprimento da lei de informação.

Eis a trilogia que converge para fortalecer a transparência democrática: o direito do cidadão, o (bom) propósito do Estado de Direito e a responsabilidade pública dos agentes do Estado. É na confluência desse núcleo conceitual que vive e respira a democracia. Fora dele, a democracia sofre um infarto.

Pois é o caso de se perguntar: qual é o primeiro ato de toda ditadura? A censura. Para calar a imprensa. E patrocinar o desconhecimento do público. Para silenciar o dissenso. E promover a opinião única.

Há várias formas de censura. Há censuras claras. E sub-reptícias.  Há censura sobre publicidade de orçamentos secretos. Há censura sobre publicidade de pagamento de gratificações. Imorais todas. Ilegais todas.

E, agora, surge, estapafúrdia, a frase para censurar a publicidade de votos de ministros do STF. O país teve um presidente da República que, sem vocação pública, não aguentou o tranco do Congresso Nacional. E entregou ao Parlamento as chaves do Orçamento Geral da União – OGU.

A afirmação do atual presidente da República nos autoriza a pensar que se repete a fraqueza presidencial. O mandatário não tem condições de enfrentar a reação de seus correligionários. Face aos votos do recém indicado ministro Cristiano Zanin. Na linha mais conservadora e menos progressista do que eles gostariam. E, por isso, quer voltar ao passado. Restabelecer a censura.

A experiência histórica mostra que as sociedades não são feitas só de progressistas. Nem só de conservadores. Que as sociedades mostram, ao logo do tempo, equilíbrio. Entre progresso social e tradições culturais que se incorporam ao futuro. Na Revolução Francesa, por exemplo, os jacobinos, extremistas, foram derrotados pela burguesia apoiada pelos camponeses.

A experiência democrática, exitosa nas partes mais esclarecidas do planeta, certifica, no cartório da lucidez, avanço inevitável. Trata-se da participação da cidadania no domínio da opinião pública. E a opinião pública, assim conformada, é um bem coletivo. Sustentada, como disse Ralph Waldo Emerson, pela veracidade dos homens maiores.