Muitas pessoas do mundo jurídico parecem não gostar muito do ministro Gilmar Mendes – e algumas fazem questão de deixar claro que não gostam, mesmo. Franco, aberto, algumas vezes até mesmo inconveniente, o ministro é daquelas pessoas que não engolem caladas os pratos indigestos que algumas vezes lhe oferecem – e, para o bem ou para o mal, cospe fora qualquer sarapatel mal passado que lhe ponham à mesa.
Nas reuniões do Supremo Tribunal Federal, são frequentes os embates que costuma travar com o ministro Marco Aurélio Melo – outra figura polêmica, cujo saber jurídico é algumas vezes questionado. Em favor de ambos, diga-se que, pelo menos até agora, não chegaram, os dois, a repetir no plenário o clima de animosidade que se verificava entre o ministro Joaquim Barbosa, que pediu aposentaria antes do tempo, e Ricardo Levandovsky – que conseguiu criar um “jabuti jurídico” ao fatiar o processo de cassação da ex-presidente Dilma Rousseff, de modo que ela perdeu o mandato, mas não perdeu seus direitos políticos: tenta viabilizar sua candidatura ao Senado pelo Estado do Rio Grande do Sul. Os desentendimentos entre Barbosa e Levandovsky saíam do campo do Direito para o plano pessoal.
Convidado para proferir palestra no Recife, em evento que reunia figuras expressivas do mundo empresarial, político e jurídico, o ministro Gilmar Mendes não se esquivou nem fugiu de temas polêmicos – inclusive das razões que o levaram, com o voto do desempate, a evitar a cassação do mandato do presidente Michel Temer. Segundo ele, foi um voto político, sim – pois pensou mais nos prejuízos que a cassação do presidente traria ao país, do que nos ganhos que a República teria com o seu afastamento. (Embora com muito menor gravidade, lembra o famoso caso do ministro Jarbas Passarinho, votando pela aprovação do AI-5 na gestão do ditador Costa e Silva: “às favas com os escrúpulos”).
Mas o que realmente incomodou os desafetos do ministro Gilmar Mendes foi a longa entrevista que concedeu ao repórter Giovanni Sandes, do Jornal do Commercio, onde não deixou pergunta sem resposta. E com isso acumulou um pouco mais de antipatia daqueles mesmos adversários, espalhados por Associações de Magistrados, pelo Ministério Público, por Sindicatos das mais diversas categorias que florescem nos incontáveis braços do Poder Judiciário. Gilmar Mendes defende, há tempos, uma nova legislação que venha coibir o abuso de autoridade – e com isso bate de frente com o Ministério Público; coloca-se contra o auxílio-moradia que engorda de forma imoral o contracheque dos magistrados; faz restrições a muitas ações da Polícia Federal, algumas vezes mais preocupada com as câmeras da televisão de que com o tamanho do delito a ser apurado, e por aí vai. Além do mais, não faz essas críticas dourando a pílula, mas dando nome, sobrenome e endereço de cada criticado.
É evidente que isso jamais aconteceria com um juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos, onde os magistrados não dão entrevistas, não falam em público, não revelam suas preferências, embora as tenham. Como nesse nosso país tropical a banda toca de maneira diferente, é melhor a franqueza rude do ministro Gilmar Mendes do que as histórias nebulosas que se contam para esconder o comportamento nem sempre transparente dos nossos homens públicos, em todos os Poderes da República – até mesmo daqueles colhidos pela fatalidade e pela mão grande do destino.
Ivanildo Sampaio é jornalista
Como me dou melhor com franqueza rude que com enrolação em latim… Gostei do artigo. Mas não vou opinar sobre essa divisão no STF. Decisão do STF, p’ra mim, tem que ser cumprida. Ponto. Acho exótico (absurdo?) esse flaflu sobre decisões e opiniões no STF e no STE no Brasil.
Querido Ivanildo Sampaio:
Vc esqueceu de enumerar, entre as diatribes do infelizmente nosso ministro de duas cortes superiores, algumas pérolas do “pensamento jurídico ” nacional:
1. Que a Lei da ficha Limpa parecia coisa de “bêbados” – embora seja dos poucos dos nossos diplomas legais aprovados pela UNANIMIDADE do nosso Congresso.
2) Que a Lei das “dez medidas contra a corrupção” – encaminhada pelo MPF com o aval das assinaturas de mais de 2 milhões de brasileiros – era coisa de estagiário, tendo sido por isso corrigida pelos nossos congressistas, que na verdade a desfiguraram irresponsavelmente – e quem diz isso é o STF que mandou o Senado devolver o citado diploma à Câmara, para que ela agisse com um mínimo de decência.
3) Que a anistia promulgada em 1979 contemplava sim os torturadores da ditadura civil-militar de 64, Que prenderam, torturaram, estupraram e fizeram desaparecer centenas de brasileiros (é verdade que nesse voto ele foi acompanhado por seis outros ministros, na sessão mais triste de que tenho notícia naquela Suprema Corte Federal.
4) Que o TSE teria cassado – ou estaria querendo cassar – mais mandatos políticos, do que o teria feito todo o período da já falada “ditadura” de 64 – ainda bem que nisso ele teve a pronta resposta do brilhante e digno relator do processo no TSE,o ministro Herman Benjamin.
Isso tudo, meu caro Ivanildo, vai bem além dos limites circunscritos pelo que se possa chamar “franqueza rude”.
E se me permite uma opinião pessoal, que insisto em manifestar, sempre que me vejo diante da arrogante falácia do ministro, ela vai aqui:
“Ele (o ministro falastrão) só não é pior na atual cena política brasileira, do que o deputado Jair Bolsonaro, descarado e aberto defensor de torturas e torturadores. Mas é muito mais perigoso!”