“A humanidade é um projeto que não deu certo”. Esta é a conclusão, diante da insensatez que domina a história da humanidade, marcada por guerras, violência, torturas, massacres, intolerância e miséria social. Desde a lenda do fratricídio de Caim, produto de inveja e ciúme do irmão, passando pelas guerras e massacres dos povos em todos os continentes, dos tártaros e mongóis aos incas e às etnias africanas, pela tortura da Inquisição, pelo holocausto nazista, pelo massacre stalinista de Katyn, pela bomba atômica em Hiroshima e Nagasaki, pelo genocídio dos armênios, até a insensata eleição do desequilibrado presidente da maior potência militar do planeta, brigando agora com outro paranoico, o ditador da Coréia do Norte. Esta tem sido a triste história da humanidade, dominada desde sempre pela destruição e autodestruição, por guerras e violências permanentes, grande parte das quais alimentada por fanatismos religiosos ou laicos.
Se este foi um projeto divino, como afirmam as religiões, o projetista equivocou-se redondamente na sua concepção, ou cometeu algum erro grave na execução. Decididamente, o projeto não deu certo. A não ser que a intenção tenha sido mesmo criar um ser em permanente conflito e discórdia, com impulso destrutivo e violento, o que seria de uma crueldade infinita (divina?), o projeto foi um grande fiasco. Provavelmente por ter misturado a pulsão de vida, comum em todos os seres vivos, com o pensamento, privilégio dos humanos, o projeto permitiu a emergência da hipocrisia, da mentira, da dissimulação e da malícia. Esta combinação deu origem à inveja e à maldade humanas e, pior, construiu uma razão para explicar e justificar as perversões, o fanatismo e a crueldade, que, em última instância, anulam essa razão.
De acordo com algumas religiões, o criador da humanidade, percebendo os descaminhos do seu projeto, teria mandado mensageiros para corrigir as falhas ou, como dizem, “salvar a humanidade”. Salvar de que ou de quem? Não fica claro, porque a própria humanidade, independentemente de criador, é ela mesma culpada de todos os males, de toda a violência e desagregação moral e social. O certo é que, pelo menos até agora, toda operação de salvação da humanidade foi também um completo fracasso, a julgar pelo resultado: a humanidade continuou mostrando a mesma violência, intolerância, guerras, terror e desagregação moral e social. A verdade é que a violência e a intolerância continuam dominando, tendo mesmo aumentado em alguns momentos, e, paradoxalmente, vêm sendo praticadas por vários seguidores fanáticos dos profetas e mensageiros do projetista angustiado com seu próprio fracasso.
Tem havido melhoras em alguns aspectos e em certas regiões, principalmente nos Estados de bem estar social da Europa, precisamente onde a população se tem afastado do salvacionismo, religioso ou laico. Mas é a mesma humanidade que convive com bilhões de pessoas na mais absoluta miséria, que realiza massacres das populações na Síria, que se envolve em guerras e violentos conflitos étnicos e nacionais, dominada pelo fanatismo e pela intolerância. Todos os movimentos da História que, por diferentes meios, prometiam a “salvação da humanidade”, fracassaram completamente. Tanto os religiosos, como o Cristianismo e o Islamismo, quanto os laicos, como o stalinismo, não conseguiram acabar com as mazelas e perversões da humanidade. Na verdade, a visão totalitária e fanática dos movimentos salvacionistas tem sido, ao contrário, responsável por muitas das desgraças e descaminhos da humanidade.
Mas ainda tem jeito. Aqui e ali, temos melhorado, principalmente quando nos distanciamos das promessas salvacionistas, elas mesmas produto do “defeito de fábrica” de um projeto fracassado.
Caro Sergio ainda não está provado que a Humanidade tenha sido um projeto fracassado. Você mesmo afirma e duvida. Se compararmos o mundo hoje com quatro séculos atrás, não avançamos? Não melhoramos a qualidade de nossos relacionamentos? Não diminuímos a intolerância religiosa, étnica, de gênero, entre outras? A trajetória da humanidade parece um caracol. Avança e recua. Mas ao inverso do livro de Lenin são dois passos a frente e um atrás. Estamos no momento de um passo atrás. Mas não tão grave quanto o foi o da segunda guerra mundial com risco de vitória do Nazismo, os campos de concentração no Ocidente (Alemanha) e Oriente (URSS). Somos demasiadamente humanos, como diria o filósofo. A imperfeição é nosso maior característica, seguida da capacidade de aprendizado. Ânimo, camarada, diria o velho militante.
Eita prosa boa desses dois, Sérgio e Elimar, meus velhos companheiros de guerras em 1968
Caro Sérgio, sou seu fã. Mas, nesse barco não embarco, fico com Noé. O projeto Divino mal começou e já pode ser visto como um sucesso, apesar dos desvios de rotas temporários. Mude o foco e veja a ordem vencendo o caos e a vida humana em franco progresso. Fico com Ken Wilber e seu prognóstico de nosso irremediável retorno ao paraíso. Abs.
Não vou entrar na discussão sobre se o projeto é fracassado ou não, porque não acredito que a humanidade seja “projeto de alguém”. Os eventos podem ser analisados, às vezes é possível explicá-los, identificar em cada caso as causas, mas elas não são em seu conjunto e ao longo da história o resultado de um “projeto” de quem quer que seja, nem de algum deus de alguma religião. Eu acredito na teoria de evolução que explica a natureza. E a natureza não é “justa”, e o mundo nada tem de justo em geral. Essa discussão sobre “humanidade como projeto” parece ser irmã daquela outra, a de que, se deus existe, e é todo poderoso, ele é tremendamente cruel e injusto, a cometer crimes hediondos. Que projeto é esse a incluir crimes hediondos? Mas a humanidade vai caminhando, acho que está melhor do que no tempo do homem das cavernas; já não acredito que haja uma linha reta de progresso, há retrocessos pelo caminho, mas bem devagarzinho vamos melhorando. Eu não gosto de textos que só mostram os fracassos da humanidade. A história da humanidade não é apenas de fracassos. Enfim, o sentido da vida é viver, não adianta ficar ruminando para encontrar o sentido da vida. Mas entendo que
Sergio C. Buarque esteja em um momento pessimista. No momento atual é muito forte a sensação de que o Brasil está andando para trás. Mas não está não, o Brasil é grande, enorme, e há bolsões onde se anda p’ra frente.
Estou com você, Helga. As conjecturas sobre o “projeto da humanidade” só fazem sentido para quem acredita na criação do universo e do homem por um ser superior. Para mim, a vida é obra do acaso, e só tem o sentido que lhe atribuirmos. Por outro lado, não creio que estejamos piorando, em termos de civilização, como outros amigos já se manifestaram aqui. Recordo a lição de Karl Popper sobre as formas de evolução: mutação genética, comportamento adaptável e, no caso do homem, o conhecimento científico, que é uma forma superior do comportamento adaptável. E embora a evolução não seja, em si, teleológica, é mesmo o conhecimento científico e a razão que nos vão aperfeiçoar e empurrar para a frente. Só precisamos de um pouco de paciência, e é só olhar para trás para ver quanto temos melhorado, no nosso país e no mundo. Enfim, como tenho declarado, de vez em quando, sou otimista por princípio filosófico.
O economista e professor Sérgio Buarque esqueceu de mencionar a ganância, o egoísmo e a ingratidão no elenco de mazelas que afligem a humanidade. Não acredito que exista uma divindade onipotente que tenha criado o Universo e talvez Sérgio Buarque tenha usado isto como recurso para sua mostrar sua indignação diante do caminho que a humanidade vem trilhando, indignação essa legítima e da qual compartilho. Uma questão que me intriga é: por que o ser humano foi dotado por esses perversos atributos e porque eles, na larga maioria das vezes, se sobrepõem à razão? Com aproximadamente 7,5 bilhões de habitantes, recursos naturais finitos, governos ineficientes e corruptos, a sociedade dominada pelo dinheiro, baseada no consumismo e na futilidade, distribuição da renda altamente concentrada, armamentos e bombas com alto poder de destruição gradativamente se tornando commodities (vide Coréia do Norte) e acessíveis a quem tem dinheiro para comprá-las no mercado negro, é difícil evitar uma visão fatalista da humanidade.