Eu estava mergulhado na leitura do mais recente livro do ministro Rubens Ricupero — A diplomacia na construção do Brasil —, aliás leitura imperdível para entender melhor a nossa história, quando, por uma simpática coincidência, fui presenteado com um exemplar de Os embaixadores, do escritor e psicanalista gaúcho Luiz-Olyntho Telles da Silva. Então, por um tempo de leitura prazeroso, deixei a História e voltei à Literatura. “Voltei” é modo de falar, porque na verdade “entrei”, já que Os embaixadores — um título-metáfora — trata da literatura gaúcha contemporânea, da qual, pra dizer toda a verdade, pouquíssimo conheço.
A começar pelo título, alusivo à visão metafórica de que escritores literários são, a seu modo, especiais diplomatas de sua terra, o livro de Luiz-Olyntho toca num tema que sempre me provocou: a proximidade e o parentesco da Literatura com a diplomacia. Tema tão agregador de subtemas importantes, a exemplo do valor da palavra, das estratégias do discurso, da voz do silêncio (“No silêncio nunca há silêncio”, Guimarães Rosa), dos jogos metafóricos e do trânsito por mundos que, apesar das diferenças, por força da própria diplomacia, buscam convergências e equilíbrio.
Um diplomata, como disse Guimarães Rosa, é “[…] alguém que acredita que pode remediar o que os políticos arruinaram”. Como a Literatura, a diplomacia — com seu lavor e por vezes com sua ourivesaria — é um compromisso com a dignidade do homem, sem por isso deixar de ver todo o abismo e todas as contradições que lhe são inerentes. É de se notar que sem conflitos não haveria nem diplomacia e nem Literatura. Não haveria aproximações entre estranhos. Como bem observa Luiz-Olyntho: “E assim o são [embaixadores, diplomatas] os escritores, na medida em que trazem notícias de outros mundos ao continente dos leitores, por vezes notícias tão horríveis e desagradáveis que tratam de nos contar da maneira mais gentil e educada possível”.
Como nos recorda o autor, a Literatura sempre confraternizou com a diplomacia. O já citado Rosa, nosso maior escritor do século 20, é um exemplo. Há vários outros: um João Cabral, um Vinicius de Moraes, um Alberto da Costa e Silva, um Octavio Paz. Por outro lado, o Brasil tem sido fecundo em produzir grandes diplomatas: um Barão do Rio Branco, um Oswaldo Aranha, um Souza Dantas, um Sérgio Vieira de Melo. Sempre foi notável, como demonstra o ministro Ricupero em seu já citado livro, a contribuição de nossa diplomacia ao tamanho e moral e territorial do Brasil como país e nação.
Os embaixadores— e Luiz-Olyntho escala um time de onze craques — é um rico panorama da literatura gaúcha. Mas vai além dos nomes mais óbvios, tão caros aos brasileiros, seja na crítica, seja na poesia ou ficção. Nomes como Augusto Meyer, Mário Quintana, João Simões Lopes Neto, Josué Guimarães, Dyonelio Machado, Érico Veríssimo. Desses, mais lidos além-pampa, só Érico e João Simões Lopes Neto são estudados pelo autor. A análise do romance de Veríssimo — O senhor embaixador— fecha com chave de ouro o time escalado pelo crítico. Os demais nomes são os de Luiz Antonio de Assis Brasil, Maria Carpi, Berenice Lamas, Hilda Simões Lopes, Ana Mariano, Lenir de Miranda, Aldyr Garcia Schlee, Donaldo Schüler e Armindo Trevisan. Não fica claro porque o autor os escolheu, apresentando e analisando seus textos e um breve currículo. Mas isso não importa: Luiz-Olyntho tem aquela “sabedoria da escolha” a que já se referia Ezra Pound; sua já vasta bibliografia e seu saber de psicanalista e erudito nos guiam com empática magia pelo que de melhor o Rio Grande do Sul está literariamente produzindo.
Por último, mas não menos importante, devo registrar a discretas, mas não menos luminosa presença de Freud. De Lacan, não gloso. Fico com a luz de Freud, a quem sempre leio com prazer e a quem, como se sabe, a Literatura contemporânea deve muito, pois o nosso tempo é, por excelência, como escreveu Harold Bloom, a Era Freudiana, sem falar que ele próprio, Freud, “não só reconhecia sua dívida com os escritores como julgava ter sido superado por eles em diversos pontos”, como assinala J.-B. Pontalis em certo momento do seu livro Freud com os escritores, em parceria com Edmundo Gómez Mango. Enfim, é sempre proveitoso, como no caso de Os embaixadores, quando Literatura e Psicanálise, estas desde sempre aliadas, se dão as mãos para investigar o humano e enriquecer a cultura.
Enfim, saio do livro de Luiz-Olynthocom um Rio Grande do Sul muito maior do que quando nele entrei. Afinal, o próprio analista, entusiasta de sua terra natal, é ele mesmo, com este livro, um de seus melhores “embaixadores”.
Paulo Gustavo é da Academia Pernambucana de Letras
Gostei de ler sua resenha, ainda que tarde. Concordo com a maravilha que é o livro de Rubens Ricupero, “A diplomacia na construção do Brasil 1750-2016”. A edição em capa dura da Versal, de 2017, é preciosa, com mapas antigos e novos, e fotos antigas e novas. De literatura gaúcha nada sei. Ou quase nada. Mas achei absurdo que não aparece Tabajara Ruas, para mim desqualifica o livro. E Moacyr Scliar? Não dá para entender as escolhas do crítico. Ao menos um livro de Tabajara Ruas, “A região submersa” (Livraria Bertrand, Lisboa, 1978) foi inclusive publicado em dinamarquês em 1980, por uma grande editora, a Gyldendal. Foi assim, aliás, que soube desse brasileiro, que andou por Copenhague nessa época.