“O Brasil envelheceu antes de ficar rico”. Com esta frase, Mansueto Almeida resume bem a causa da crise da Previdência Social do Brasil: a velocidade do envelhecimento da população num país de renda média. Por outro lado, esta crise provoca um crescente déficit fiscal, que impede o crescimento da economia e, portanto, o enriquecimento do Brasil. Por isso, a proposta de reforma da Previdência apresentada pelo governo não pode ser rejeitada em bloco, com a falsa defesa dos “velhinhos da Previdência”, como fez o ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva, na sua recente entrevista à Folha da São Paulo, da carceragem da Polícia Federal. Podem e devem ser sugeridas mudanças e aprimoramentos, mas esta condenação geral da proposta é um grande desserviço à nação, considerando a completa falência do sistema, que compromete a capacidade de investimento e gasto público do Estado brasileiro. Quando se trata de políticos e parlamentares, que conhecem a situação fiscal do país, a gritaria contra a reforma é irresponsabilidade e oportunismo político. Apostando no fracasso do governo, vão levar ao desmantelo o Estado brasileiro, com todas as consequências para a economia e para a sociedade.
A previdência não é assistência social. Assim está definido na Constituição, embora seja incluida numa rubrica geral de Seguridade Social, junto com Saúde e Assistência Social. O artigo 201 da Constituição diz que a “previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial”. A previdência social é um sistema de solidariedade entre os trabalhadores ativos, que contribuem com um percentual do seu salário (complementado pelo patronato) para financiar o benefício dos que já não trabalham e, portanto, não têm mais renda do trabalho. Para que o sistema tenha equilíbrio financeiro e atuarial, como define a Constituição, a soma da contribuição dos trabalhadores ativos deve ser suficiente para cobrir o total dos benefícios dos aposentados e pensionistas.
As rápidas mudanças demográficas no Brasil detonaram o equilíbrio das receitas e despesas da Previdência, o que tem sido agravado pelo baixo crescimento da economia e do emprego formal, que define o número de contribuintes. Considerando que, em média, a contribuição da Previdência seja próxima de 20% do salário dos trabalhadores (ou seja, um quinto do salário), o equilíbrio só será alcançado quando a relação for de cinco contribuintes para cada beneficiário. Atualmente, a relação no INSS, que contempla os trabalhadores do setor privado, não chega a dois ativos para um inativo. São 58 milhões de contribuintes para 31 milhões de beneficiários, de modo que falta receita para cobrir os benefícios de mais de 3/5 dos aposentados.
Esta é a explicação aritmética do déficit da Previdência, que tende a crescer na medida em que a população brasileira envelhece rapidamente. Quando a Constituição foi promulgada, em 1988, a expectativa de vida dos brasileiros era inferior a 67 anos (em 1991, segundo o IBGE, era 66,9 anos). Hoje os brasileiros vivem, em média, 76 anos, nove anos mais; e em 2040 deve chegar a 81 anos. Este resultado, que deve ser comemorado, mostra, contudo, que o padrão demográfico utilizado como base para a disposição constitucional mudou radicalmente, comprometendo a relação contribuições-benefícios que viabiliza o sistema previdenciário. Por isso, o déficit do INSS, de aproximadamente R$ 200 bilhões de reais, representa quase o dobro do que a União destina para a educação.
O desequilíbrio do sistema tem uma causa econômica, o baixo crescimento da economia e, portanto, do emprego formal, mas o principal determinante é demográfico, precisamente o processo acelerado de envelhecimento da população e, portanto, de beneficiários da Previdência. No futuro, a crise deve acentuar-se, mesmo que a economia volte a crescer, porque a população idosa vai aumentar em torno de 3% ao ano, segundo projeções do IBGE, elevando o número de beneficiários em ritmo aproximado. Assim, mesmo que a economia brasileira cresça, no futuro, a taxas excepcionais e improváveis de 5% ao ano, seriam necessários 50 anos para a relação aproximar-se dos cinco contribuintes para um beneficiário, que recuperaria o equilíbrio.
No sistema de previdência do servidor público, a situação é ainda mais grave. A previdência dos servidores da União já opera com menos um trabalhador ativo para financiar os benefícios de cada aposentado. E é precisamente no setor público que residem os privilégios de aposentadorias elevadas. Pouco mais de um milhão de servidores públicos aposentados recebem benefícios de, em média, R$ 8.000,00 reais, enquanto os três milhões de beneficiários do INSS recebem apenas R$ 1.300,00. Os dois sistemas (INSS e RPPS – Regime Próprio da Previdência Social) têm um déficit superior a R$ 290 bilhões em 2018.
Infelizmente, a crise previdenciária no setor público não se limita à União, já se manifesta nos Estados da Federação, e mesmo de forma aguda em alguns deles. Quase todos os Estados já apresentam déficits nas contas previdenciárias, razão principal da grave restrição nas finanças públicas estaduais. O déficit da Previdência dos servidores públicos dos 27 Estados brasileiros soma R$ 77,8 bilhões (dados de 2017), ficando apenas pouco abaixo dos R$ 90 bilhões da Previdência dos servidores da União (civis e militares). Apenas quatro pequenos Estados – Amapá, Tocantins, Roraima e Rondônia – não têm déficit nas contas previdenciárias. Os maiores déficits são de São Paulo, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Minas Gerais. O problema, mais uma vez, está na desproporção entre os servidores ativos e os aposentados e pensionistas, provocada pela mudança demográfica, com o rápido envelhecimento do pessoal civil e militar dos governos estaduais. Em 2017, na maioria dos Estados brasileiros, a relação já flutuava em torno de um servidor ativo para um aposentado ou pensionista, proporção claramente insustentável. Em quatro Estados – Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Santa Catarina – o número de beneficiários já superava o dos contribuintes.
A tendência futura é assustadora. Estudo do IPEA mostra que, nos próximos dez anos, metade dos atuais servidores públicos estaduais deve aposentar-se, ampliando significativamente o desequilíbrio já elevado entre os ativos e os inativos; principalmente porque, dificilmente, os Estados terão condições fiscais para preenchimento das vagas abertas pelos que se aposentarem. A não ser que seja aprovada uma drástica reforma da Previdência, que atrase este processo de aposentadoria precoce e com salários integrais dos servidores públicos, o sistema entrará em colapso em todos os Estados da Federação.
A aritmética da Previdência é irrefutável, e alerta para a inevitável e inadiável Reforma, sob pena de completa insolvência do sistema. E é irrefutável e urgente, principalmente, nos sistemas previdenciários do setor público, da União e dos Estados, precisamente os aposentados que recebem os maiores benefícios. Por isso, é muito estranho que alguns governadores, especialmente do Nordeste, rejeitem a proposta de reforma discutida no Congresso, nem sempre de forma direta, é verdade, mas escondendo-se por trás de uma demagógica defesa dos mais pobres. Não querem assumir o ônus político da realização de uma reforma da previdência nos seus Estados, mas torcem, desesperadamente, para que o ministro Paulo Guedes garanta a inclusão dos Estados e Municípios na sua proposta. O futuro do Brasil está em jogo, e nenhuma autoridade governamental pode assumir posições ambíguas, neste momento delicado de crise e incerteza.
Mestre Sergio, sempre é bom lembrar que o Partido dos Trabalhadores negou a Constituição de 88, negou o Plano Real, negou o FUNDEF, negou a LDB da década de 90, negou a Lei da Responsabilidade Fiscal e por aí segue. Não se tratava de fazer algumas críticas e emendas e sim negar na totalidade, ainda que com consequências fraves para o País e nosso Povo. Dá a impressão que só sabem fazer a política da terra arrasada! Belo trabalho o seu! Bela contribuição ao debate. Poderias avançar e indicar mudanças plausíveis!
Caro Sérgio,
Espero que seu artigo ecoe pelos quatro cantos do país, iluminando o juízo da população leiga, que vem sendo induzida a negar a reforma. Baseado em discurso falso e manipulado, pseudo intelectuais estão prestando um enorme desserviço ao Brasil, usando a população menos assistida como palco e cenário para criar uma narrativa caótica.
E, como economista, tenho lido e escutado “receitas incríveis” para a Reforma da Previdência. Semelhante a prescrições de antibióticas assinadas por engenheiros….ou cálculos estruturais realizados por médicos…talvez a realidade esteja superando a ficção!
Sérgio B.
Oportuna, inconteste e objetiva apresentação do grave déficit da previdência. E não houve espaço para você comprovar o quanto o sistema é injusto e concentrador de renda.
Mesmo assim, parlamentares irresponsáveis relutam em aprovar o óbvio e a esquerda demagógica continua combatendo iniciativas de interesse nacional em detrimento do futuro do país, desde a constituição de 1989, o plano real, a lei de responsabilidade fiscal…
Primoroso, Sérgio, ainda não vi apresentação melhor do problema. Igualmente impecável a conclusão. Mesmo que não gostemos do governo, estamos condenados a apoiar sua proposta. É do melhor interesse do país. Abraço
Concordo integralmente com todos os artigos que Sérgio C. Buarque publicou sobre Previdência Social na Será? Escreve claro, didático. Compartilhei no Facebook há dias e alguma repercussão tiveram. Mas o grande público tem preguiça de acompanhar cada medida e o impacto no gasto público. E tem parlamentar que já fechou a questão contra. Alguns alegam motivos espúrios para ser contra, alegam compreender que ela é necessária mas que querem enfraquecer o governo. E o governo não tem sabido argumentar pela proposta dele com a devida compostura. Além de perder foco com a capitalização, que não tem proposta concreta ainda e não tem a menor viabilidade no momento.
Será mesmo? Como penso, logo duvido.
Duvido que o Brasil fique sem condições para pagar as aposentadorias, se a proposta da nova Previdência não for aprovada. Num debate promovido, lá no sul do país, em Porto Alegre, pela Rádio Guaíba, entre o deputado Paulo Paim do PT e outro do PP, cujo nome me escapa, com moderação do jornalista Juremir Machado, ambos os debatedores afirmaram ser um argumento sem base, esse da falta de recursos para se continuar pagando as aposentadorias.
Ainda anteontem, no Senado, o senador Jorge Cajuru se referiu às exonerações de impostos concedidas pelo governo à título de incentivo das empresas para criação de empregos, que diminuem também a arrecadação no setor previdenciário. Essas exonerações já são da ordem de 326 bilhões de reais (valor que dizem ser do rombo na Previdência), dos quais 68,2 bilhões seriam destinados justamente à previdência.
Fora que outros montantes da Previdência já arrecadados são destinados a outras finalidades. Prática já utilizada por outros governos.
Outra coisa, alguns continuam afirmando que não haverá aposentadoria por capitalização, porém já com a aprovação das linhas gerais da PEC pela Comissão parlamentar, ainda se discutia, anteontem no Senado, os lucros astronômicos dos bancos, por volta de 400 bilhões de reais, com a capitalização privada que não gera empregos e coloca em risco os aposentados, sem haver participação patronal nessa capitalização.
As informações são de que, se aprovada, a nova Previdência deixaria aberta a possibilidade para os patrões forçarem seus empregados a fazerem a opção da aposentadoria por capitalização, livrando-se assim da atual participação em favor dos empregados.
Interessante saber os argumentos surgidos na audiência pública sobre a nova lei da Previdência, na Comissão de Direitos Humanos. Vamos lá –
eram 17 representantes de sindicatos e de órgãos de seguridade social que estiveram debatendo, em fins de fevereiro. Atualmente, o sigilo imposto impede saber em que termos será levada a PEC ao Congresso. Mas as críticas valem – se baseiam na precarização do trabalho e nos baixos salários, que prejudicarão os pobres e a classe média, caso seja aprovada a PEC.
Muitos trabalhadores não conseguirão reunir os 40 anos de trabalho para uma aposentadoria plena. A experiência chilena é suficiente da demonstrar que sem a garantia do governo, empresas encarregadas da capitalização podem falir e comprometer a aposentadoria de muita gente. O fim da contribuição patronal é o maior risco e o grande apoio das empresas ao governo é nessa expectativa.
Os trabalhadores rurais terão de contribuir com 600 reais anuais durante 20 anos para terem direito a uma aposentadoria. Sabendo-se como vivem esses trabalhadores, a maioria sem carteira assinada, já se imagina a tragédia com a maioria tendo de continuar trabalhando até morrer.
Serão também penalizados, ao que me consta, mulheres e professores, assim como os beneficiados com o BPC, o Benefício de prestação continuada, diminuído de 600 para 400 reais.
Vou parar por aqui, porque mesmo sendo fim-de-semana minha agenda está carregada.
Porém, acho que com essa série de razões levantadas, estão bem explicadas minhas dúvidas e restrições quanto à PEC da nova Previdência. Abraço!
Em Tempo – Será que ensandeci? Quando comecei a ler a Revista Será? seguia-se a legenda – Penso, logo duvido, que eu achava bem sacada. Hoje, vi uma mudança – Penso, logo existo, o que não constitui nada de original. Foi um êrro ou mudaram a frase? Se mudaram, perdeu a força, porque é a dúvida que faz avança o pensamento humano.
Revista Será?
Penso, logo existo. (ou logo duvido?)
Caro Rui, houve algum equívoco. O lema da revista é e continuará sendo “Penso, logo duvido”. Embora não concorde com seus comentários ao meu artigo, eles estimulam a dúvida e, desta forma, alimentam o conhecimento. Nosso debate leva os leitores e pensarem e, duvidando, de um de outro, formularem seu próprio pensamento. É muita coisa para responder com um simples comentário. Como repete o que vários outros críticos estão dizendo, peço que me permita escrever outro artigo comentando. Grande abraço, Sérgio
Uma importante audiência pública
https://www.facebook.com/samia.bomfim.psol/videos/433979097400380/
A algaravia do Sr. Rui Martins só tem uma verdade: “penso, logo duvido” é um lema mais intrigante do que simplesmente repetir o dito de René Descartes. Acontece que “pensar” não é “chutar”. O resto do comentário dele é um amontoado de erros factuais e especulações desconexas sobre questões fora da abrangência da PEC da Nova Previdência. O senador Kajuru vem dizendo há tempos que não existe o déficit da Previdência e essa ideia já foi completamente desmontada por vários analistas e economistas respeitados. O vídeo do PSOL eu não vou abrir. Mas estou surpresa que a “Será?” agora permite postar vídeo ao invés de um comentário em que o comentarista se identifica devidamente. Se podemos postar simplesmente links para outros textos e até vídeos, ao invés de debater pessoalmente um assunto, posso preparar uma lista de dezenas de links para artigos sérios, com dados e fatos, sobre a necessidade da reforma da Previdência, a começar pelos links dos vários artigos sobre o tema publicados nos últimos anos aqui no semanário “Será?”.
Você está certa, Helga. Não apenas em resgatar o lema da revista mas também na critica à publicação de um link de vídeo. Foi outro equívoco porque o Conselho Editorial decidiu que não é o papel da revista reproduzir links.
Sobre o lema – Penso, logo duvido, ele continua ausente no título da revista, substituído pelo de Descartes. Tranquiliza-me saber ter sido um erro a corrigir.
Concordo com a não colocação de links que nos levem a outros textos ou, no caso, à audiência pública. Essa audiência, bastante explicativa, que sugiro ao Sérgio Buarque ouvir, foi extremamente longa embora necessária, com mais de 5 horas. Aproveito para lhe agradecer as serenas explicações. Entendo perfeitamente, o tema é ultra importante mas com ângulos complexos que nos tomam horas de reflexão.
Desculpo-me junto aos demais com tantas dúvidas, mas trata-se de uma questão extremamente importante que importa na sobrevivência dos brasileiros mais sofridos e explorados, ameaçados, no meu ângulo de vista, de terem extorquida sua aposentadoria. Espero dee duas uma, ou que eu e tantos outros estejamos errados, ou que essa PEC não seja aprovada.