Sérgio C. Buarque

“O Brasil envelheceu antes de ficar rico”. Com esta frase, Mansueto Almeida resume bem a causa da crise da Previdência Social do Brasil: a velocidade do envelhecimento da população num país de renda média. Por outro lado, esta crise provoca um crescente déficit fiscal, que impede o crescimento da economia e, portanto, o enriquecimento do Brasil. Por isso, a proposta de reforma da Previdência apresentada pelo governo não pode ser rejeitada em bloco, com a falsa defesa dos “velhinhos da Previdência”, como fez o ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva, na sua recente entrevista à Folha da São Paulo, da carceragem da Polícia Federal. Podem e devem ser sugeridas mudanças e aprimoramentos, mas esta condenação geral da proposta é um grande desserviço à nação, considerando a completa falência do sistema, que compromete a capacidade de investimento e gasto público do Estado brasileiro. Quando se trata de políticos e parlamentares, que conhecem a situação fiscal do país, a gritaria contra a reforma é irresponsabilidade e oportunismo político. Apostando no fracasso do governo, vão levar ao desmantelo o Estado brasileiro, com todas as consequências para a economia e para a sociedade.

A previdência não é assistência social. Assim está definido na Constituição, embora seja incluida numa rubrica geral de Seguridade Social, junto com Saúde e Assistência Social. O artigo 201 da Constituição diz que a “previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial”. A previdência social é um sistema de solidariedade entre os trabalhadores ativos, que contribuem com um percentual do seu salário (complementado pelo patronato) para financiar o benefício dos que já não trabalham e, portanto, não têm mais renda do trabalho. Para que o sistema tenha equilíbrio financeiro e atuarial, como define a Constituição, a soma da contribuição dos trabalhadores ativos deve ser suficiente para cobrir o total dos benefícios dos aposentados e pensionistas.

As rápidas mudanças demográficas no Brasil detonaram o equilíbrio das receitas e despesas da Previdência, o que tem sido agravado pelo baixo crescimento da economia e do emprego formal, que define o número de contribuintes. Considerando que, em média, a contribuição da Previdência seja próxima de 20% do salário dos trabalhadores (ou seja, um quinto do salário), o equilíbrio só será alcançado quando a relação for de cinco contribuintes para cada beneficiário. Atualmente, a relação no INSS, que contempla os trabalhadores do setor privado, não chega a dois ativos para um inativo. São 58 milhões de contribuintes para 31 milhões de beneficiários, de modo que falta receita para cobrir os benefícios de mais de 3/5 dos aposentados.

Esta é a explicação aritmética do déficit da Previdência, que tende a crescer na medida em que a população brasileira envelhece rapidamente. Quando a Constituição foi promulgada, em 1988, a expectativa de vida dos brasileiros era inferior a 67 anos (em 1991, segundo o IBGE, era 66,9 anos). Hoje os brasileiros vivem, em média, 76 anos, nove anos mais; e em 2040 deve chegar a 81 anos. Este resultado, que deve ser comemorado, mostra, contudo, que o padrão demográfico utilizado como base para a disposição constitucional mudou radicalmente, comprometendo a relação contribuições-benefícios que viabiliza o sistema previdenciário. Por isso, o déficit  do INSS,  de aproximadamente R$ 200 bilhões de reais, representa quase o dobro do que a União destina para a educação.

O desequilíbrio do sistema tem uma causa econômica, o baixo crescimento da economia e, portanto, do emprego formal, mas o principal determinante é demográfico, precisamente o processo acelerado de envelhecimento da população e, portanto, de beneficiários da Previdência. No futuro, a crise deve acentuar-se, mesmo que a economia volte a crescer, porque a população idosa vai aumentar em torno de 3% ao ano, segundo projeções do IBGE, elevando o número de beneficiários em ritmo aproximado. Assim, mesmo que a economia brasileira cresça, no futuro, a taxas excepcionais e improváveis de 5% ao ano, seriam necessários 50 anos para a relação aproximar-se dos cinco contribuintes para um beneficiário, que recuperaria o equilíbrio.

No sistema de previdência do servidor público, a situação é ainda mais grave. A previdência dos servidores da União já opera com menos um trabalhador ativo para financiar os benefícios de cada aposentado. E é precisamente no setor público que residem os privilégios de aposentadorias elevadas. Pouco mais de um milhão de servidores públicos aposentados recebem benefícios de, em média, R$ 8.000,00 reais, enquanto os três milhões de beneficiários do INSS recebem apenas R$ 1.300,00. Os dois sistemas (INSS e RPPS – Regime Próprio da Previdência Social) têm um déficit superior a R$ 290 bilhões em 2018.

Infelizmente, a crise previdenciária no setor público não se limita à União, já se manifesta nos Estados da Federação, e mesmo de forma aguda em alguns deles. Quase todos os Estados já apresentam déficits nas contas previdenciárias, razão principal da grave restrição nas finanças públicas estaduais. O déficit da Previdência dos servidores públicos dos 27 Estados brasileiros soma R$ 77,8 bilhões (dados de 2017), ficando apenas pouco abaixo dos R$ 90 bilhões da Previdência dos servidores da União (civis e militares). Apenas quatro pequenos Estados – Amapá, Tocantins, Roraima e Rondônia – não têm déficit nas contas previdenciárias. Os maiores déficits são de São Paulo, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Minas Gerais. O problema, mais uma vez, está na desproporção entre os servidores ativos e os aposentados e pensionistas, provocada pela mudança demográfica, com o rápido envelhecimento do pessoal civil e militar dos governos estaduais. Em 2017, na maioria dos Estados brasileiros, a relação já flutuava em torno de um servidor ativo para um aposentado ou pensionista, proporção claramente insustentável. Em quatro Estados – Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Santa Catarina – o número de beneficiários já superava o dos contribuintes.

A tendência futura é assustadora. Estudo do IPEA mostra que, nos próximos dez anos, metade dos atuais servidores públicos estaduais deve aposentar-se, ampliando significativamente o desequilíbrio já elevado entre os ativos e os inativos; principalmente porque, dificilmente, os Estados terão condições fiscais para preenchimento das vagas abertas pelos que se aposentarem. A não ser que seja aprovada uma drástica reforma da Previdência, que atrase este processo de aposentadoria precoce e com salários integrais dos servidores públicos, o sistema entrará em colapso em todos os Estados da Federação.

A aritmética da Previdência é irrefutável, e alerta para a inevitável e inadiável Reforma,  sob pena de completa insolvência do sistema. E é irrefutável e urgente, principalmente, nos sistemas previdenciários do setor público, da União e dos Estados, precisamente os aposentados que recebem os maiores benefícios. Por isso, é muito estranho que alguns governadores, especialmente do Nordeste, rejeitem a proposta de reforma discutida no Congresso, nem sempre de forma direta, é verdade, mas  escondendo-se por trás de uma demagógica defesa dos mais pobres. Não querem assumir o ônus político da realização de uma reforma da previdência nos seus Estados, mas torcem, desesperadamente, para que o ministro Paulo Guedes garanta a inclusão dos Estados e Municípios na sua proposta. O futuro do Brasil está em jogo, e nenhuma autoridade governamental pode assumir posições ambíguas, neste momento delicado de crise e incerteza.