Editorial

No meio de uma crise global de valores, individualismo, violência, intolerância e consumismo desenfreado, o Papa Francisco surge como a reserva moral da humanidade levantando a voz em defesa das grandes causas ambientais e sociais, cobrando solidariedade e acolhimento aos imigrantes e condenando o fundamentalismo religioso. Além de atuar na direta negociação entre Cuba e os Estados Unidos, em seu discurso no Congresso norte-americano, o Papa condenou o sistema econômico baseado “em exploração que leva à fome e à pobreza”, condenou a venda de armas e pediu o fim da pena de morte. No centro do capitalismo mundial, o líder máximo de uma instituição altamente conservadora como a Igreja Católica, defendeu uma revolução, uma revolução “que passa sempre pela ternura”, completou. Excetuando uma implícita rejeição do aborto, sem ser direto e claro, os principais pontos do pronunciamento do Papa Francisco parecia uma participação na disputa eleitoral que se inicia nos Estados Unidos numa rejeição do discurso das forças mais reacionárias do Partido Republicano. Lembrando que ele mesmo é filho de italiano e que grande parte dos congressistas descende de imigrantes, o papa condenou o que chama de “mentalidade de hostilidade” em relação aos imigrantes. Pela surpreendente ousadia e consistência das suas propostas e críticas, as ideias propagadas pelo Papa parecem descoladas da tradição política da Igreja Católica. Mas estão bem longe de uma reedição da teologia da libertação que levou, nos anos 60 e 70, a uma militância política dos religiosos nas lutas democráticas e socialistas, incluindo o engajamento de vários deles na luta armada. A revolução da ternura do papa Francisco tem mais a ver com uma atuação centrada na defesa dos valores e dos direitos humanos e pelo respeito da diversidade que propriamente um envolvimento político direto por transformações sociais. Embora, quando condena o sistema econômico baseado na exploração que leva à fome e à pobreza, o papa Francisco aponta para a necessidade de mudanças estruturais que pode demandar uma participação direta da instituição na luta política. Endurecendo sem perder a ternura, como diria outro famoso argentino.