Sérgio C. Buarque

A expectativa de uma fortuna em royalties da exploração do petróleo das reservas do pré-sal desatou uma verdadeira guerra federativa no Brasil; a última batalha acabou com a vitória dos Estados e Municípios não produtores no Congresso, com a decisão de formação de um fundo para distribuição com todas as unidades da Federação. O conflito de interesses pela receita adicional se apoia em dois conceitos opostos, ambos válidos, mas igualmente equivocados: os Estados e municípios da área do pré-sal defendem, com razão, que os royalties são uma compensação pelos danos reais ou eventuais causados pela exploração e transporte de petróleo, de modo que devem remunerar os diretamente atingidos; os outros Estados, a maioria da federação, utilizam o argumento da justiça federativa: é muito dinheiro para concentrar nas mãos dos poucos Estados e Municípios privilegiados pela natureza.

Movidos por seus interesses imediatos e provincianos, os dois lados disputam as fatias do bolo sem definir o essencial: onde vão aplicar os recursos? A alocação dos volumosos recursos gerados pelas grandes reservas de petróleo deve servir a uma prioridade estratégia do Brasil e não à irrigação dos cofres públicos das unidades federativas, diluindo bilhões de reais na vala comum do gasto público. E qual é a grande prioridade estratégia de desenvolvimento nacional? A acelerada e intensa melhoria da qualidade do ensino público brasileiro, aumentando a competitividade do país e enfrentando as desigualdades de oportunidades sociais. Vale a insistência: a fonte primária das desigualdades no Brasil está na brutal diferença de qualidade do ensino público em relação ao privado.

A presidente Dilma Roussef, em pronunciamento recente, afirmou que os recursos federais dos royalties do pré-sal serão destinados à educação, e que Estados e Municípios deveriam fazer o mesmo. Em entrevista no jornal Valor, a presidente disse: “A Noruega resolveu com os royalties do petróleo um problema deles que era gravíssimo, o da previdência. O nosso problema gravíssimo é o educacional”. A presidente aponta na direção correta. Em todo caso, para formar um poderoso fundo de aplicação numa política ousada e transformadora da educação no Brasil não basta a parcela da União; nem pode ser diluído o restante dos recursos com 27 Estados e mais de cinco mil municípios, mesmo com a obrigatoriedade legal de sua utilização em educação. Mais do que isso: estes recursos não podem apenas ampliar o orçamento da União, que termina também sendo diluído e disperso na máquina de gasto público descontrolado (quem não se lembra da CPMF?).

Os royalties do pré-sal deveriam formar um fundo para financiamento de um programa nacional estratégico de grande envergadura na educação fundamental e média para enfrentar o gravíssimo problema nacional, como classificou a presidente. Mas este fundo deve ter uma estrutura organizacional diferenciada, com metas de resultado, porém com autonomia gerencial, tal como uma Organização Social. Só assim poderá garantir a eficácia e eficiência da execução do programa, impedir a utilização dos recursos pelo ministro de plantão, e gerar os objetivos de melhoria da qualidade da educação pública fundamental e média em todo o Brasil.

A riqueza do pré-sal não pode ser utilizada para amenizar as distorções do sistema federativo brasileiro marcado, é verdade, por uma excessiva concentração da receita pública brasileira na União; menos ainda para enfrentar perdas conjunturais de receita de Estados e Municípios decorrentes de incentivos fiscais federais. O desequilíbrio da Federação pede uma reforma constitucional que redistribua radicalmente recursos e responsabilidade dos entes federativos e não soluções parciais de distribuição de cada nova fonte financeira descoberta.

A federação brasileira é irracional e desequilibrada com grande concentração e centralização da receita na União, tornando Estados e Municípios totalmente dependentes e reféns do governo federal, precisamente os que têm a responsabilidade pela educação pública no Brasil contando com as migalhas dos fundos de participação e das reduzidas receitas próprias. Diante da questão federativa, a distribuição dos royalties do pré-sal aprovada pelo Congresso é um apenas um arremedo: não enfrenta o desequilíbrio de receita e responsabilidades da federação e apenas adia o tratamento mais amplo das distorções estruturais, aliviando a revolta conjuntural dos governadores e dos prefeitos com a queda dos Fundos de Participação.

Pior do que isso, a decisão dispersa e fragmenta na estrutura federativa uma fonte estratégica de recursos que deveria ser destacada do bolo tributário para uma ação estruturadora de mudança que prepare o futuro do Brasil. Mais uma vez, os interesses imediatos e fragmentados predominam sobre a visão estratégica; assim, a federação vai continuar capenga e desequilibrada e o sistema educacional persistirá uma máquina cruel de desigualdade e ineficiência social e econômica.

***