23 de dezembro de 2013. Levando comigo uma melancolia natalina, vou sozinha ao Baile do Menino Deus. Já conhecia de outro natal. E sabia que esse ano as inovações seriam especiais nas músicas, danças, coreografia. Comemorou-se trinta anos do Baile, dez no Marco Zero.
Com jeitinho, consigo a cadeira de uma menina que estava no colo da mãe. Foi com ela que dancei a valsa final do baile. Descrever a beleza do espetáculo, como síntese de tantos folguedos de nossa cultura popular, muitos já o fizeram. Até o próprio Ronaldo de Brito, autor desse auto de natal, comentou no jornal.
Cá comigo fico imaginando o criador, que tem o privilégio de ver sua criatura colorida, alegre, multiplicando a emoção, que um dia foi sua (ao escrever), para milhares de pessoas, famílias reunidas, cada uma com sua leitura e sentimento do que se passa no palco. Uma comemoração de massa que tem o condão de reunir famílias – natal é família – fora do lar.
A melancolia que carregava comigo à caminho do Marco Zero se chama “espírito de natal”. Confesso que quando bateu mais forte esse sentimento foi nos natais que passei longe de casa, estrangeira. Ali o natal começa mais cedo, mais ávido é o centro do capitalismo de vender. Mal acaba o Dia de Ação de Graças, em novembro, já é natal. O brilho toma conta das lojas e das casas (menos nas ruas do que aqui nos trópicos). Espera-se ansiosamente o anúncio da primeira neve. Os pinheiros serão cobertos dos flocos brancos, que para nós foi importado nos antigos cartões de boas festas e em flocos de algodão em iguais pinheiros, a árvore de natal.
Sei, pelas entrevistas, que foi a importação de símbolos natalinos que motivou Ronaldo de Brito a escrever o Baile do Menino Deus. Na época, pensando nos seus filhos pequenos. Imaginava ele que seu auto de natal ganharia o palco em tamanhas proporções?
Hoje, muito da tradição importada dos Estados Unidos virou nossa. Foi tirada a neve dos pinheiros. Menos mal E vamos resuscitando, ao menos para uma classe média ilustrada, nossas origens ibéricas, que aqui ficaram na cultura popular. Talvez nem em Portugal e Espanha se cultivem mais.
Volto à minha melancolia. Morando em Boston, vivi intensamente o espírito de natal. Entreguei-me à matriz. Preparei o apartamento onde morava com o filho mais velho, para esperar os que ficaram no Brasil, o marido e o filho caçula. Na praça onde sempre encontrava uma velhinha com quem conversava para treinar o inglês, eu à caminho do metrô, cometi uma infração: arranquei um arbusto seco, que renasceria na primavera, para ser a árvore de natal. A lembrança mais viva do meu sertão brasileiro.
Esse ano tentei me livrar da melancolia adiando o mais que pude as comemorações natalinas. Cumpri as obrigações – gorjetas para porteiros do prédio, lembranças para um crescente setor de serviços que me serve durante o ano – sem pensar no natal. Inútil. Em algum momento, caminhando por um shopping, a mais brega música te captura para o espírito do natal.
Nessa crônica, quero compartilhar com meus leitores o que vem a ser esse tal espírito de natal que mora em algum canto escondido d’agente, junto com uma tristeza que aqui nomeio de melancolia. Porque não é bem tristeza. É uma espécie de saudade. De uma felicidade que só existe na infância.
Não sei o que os meninos de hoje guardarão no canto escondido das suas lembranças infantis. Certamente não será o carrossel, a onda e a barca das festas de rua, onde os meninos ficavam soltos com dinheiro para gastar. Às vezes parco dinheiro, tendo de escolher. Nem a missa do galo.
Pelo meu pai, católico praticante e nacionalista convicto, não existiria papai Noel. Felizmente minha mãe, mais flexível, inventou uma versão cristã para convencê-lo (é o que imagino hoje). Lembro-me da cena: deitadas na cama de casal, eu e minha irmã, cada uma de um lado, a mãe nos dizendo que papai Noel era o empregado de papai do céu, que mandava ele trazer os presentes. Das mentiras boas da vida.
Bezerros ainda guardou por muito tempo esse tempo. Caruaru de Bezerros, Gravatá de Bezerros, passaram à sua frente no progresso, perdendo mais rápido nas tradições.
Antes de Zé Hamilton me levar para conhecer a Galícia de seus antepassados, foi apresentado ao colorido ibérico dos alfenins da Rua da Matriz, à excelência das caças vendidas aos matutos atrás da Rua da Matriz. O apagão da cidade inteira, de onde ressurgia, na torre da igreja, as luzes anunciando, junto aos fogos, o novo ano.
Você sintetiza muito bem o sentimento que transmite o Baile do Menino Deus.. na verdade, Ronaldo consegue passar alegria à melancolia, que sempre permanece nesse período.
comercio, mentira de um papai noel que so da briquedo para aquele que tem dinheiro, jesus queria bem a todos e o colocaram na cruz, e hoje ainda louvam a referida CRUZ.