“Não está sentindo o cheiro do mar, mãe?” Olho para a paisagem. O mar está quase seco no quebrar das leves ondas brancas em cima do verde musgo dos sargaços. A paisagem é deslumbrante. Um quadro mutante nos vários tons de azul e verde, com a moldura fixa em cor pastel, da areia, e verde escuro, das pequenas ondulações do terreno coberto de rala vegetação praieira. Da janela de onde escrevo vislumbro também pés de castanheira e folhas farfalhantes de coqueiros. Um privilégio do Pina, onde é maior a distância entre a beira mar e a avenida.
De agora, três horas da tarde, até o sol se por, é uma visão de paraíso. Pena que os enormes e potentes postes, de tanta serventia para iluminar o calçadão e a areia da praia, quebram um pouquinho o encanto da natureza viva.
O cheiro do mar, forte perfume trazido pelo vento, é hoje o dos sargaços. Lembro de uma amiga paulistana olhando pela mesma janela: “O banho de mar não vai ser bom hoje porque a praia está suja”. Fiquei procurando a sujeira e não vi. Descobri seu estranhamento e respondi: “Isso é somente restos dos cabelos cortados de Iemanjá. Seu dia de cabeleireiro. Como a deusa veio da África, os sargaços ficam assim parecendo cabelo pixaim cortado rente à cabeça”.
Cheiro de sargaço, cheiro de coentro: aversão vez por outra comum aos de fora. Meus filhos aprenderam comigo a gostar das coisas daqui, nas constantes férias baianas ou recifenses. Perderam o nojo dos sargaços desde pequenos, vendo o prazer da mãe em pisar no tapete macio. Dentro do mar, brincar de jogar um no outro porções deles grudadas no corpo. Uma coisa, porém, permaneceu neles, de nossas férias no Guarujá: a preferência pelo mar frio.
Os prédios já derramam sua sombra na paisagem, chegando até quase o mar. Um tecido de grandes listas claras e escuras, desconhecido ao tempo em que o Pina era praia de pescadores.
E a alfazema do sargaço,
Ácida, desinfetante,
Veio varrer nossas ruas
Enviada do mar distante
(João Cabral de Melo Neto, Morte e Vida Severina)
Mais do que o sentido da visão, os da audição e do olfato são os que mais conseguem nos transportar no tempo. O prazer de sentir hoje esse cheiro vegetal, junto com a presença benfazeja do filho distante, que um dia foi menino aprendiz desse cheiro dos mares de cá, levam-me à praia de Pau Amarelo de nossas férias, a família que formamos seu pai, eu e nossos filhos. Às férias da minha família ancestral, meus pais e irmãos, em São José da Coroa Grande, em Rio Doce.
Já não sonho com praias desertas onde tomar banho de mar. Porque aqui na minha praia, antes dos arrecifes, longe dos tubarões, o mar é prazeroso, principalmente quando está no meio de seu caminho entre a maré cheia e a maré baixa. Da minha janela, o cheiro do sargaço me transporta aos mares de outrora. E se varo a madrugada lendo, escrevendo, dá para ouvir o barulho das ondas em sua adição infinita, no dizer do mesmo poeta, no mesmo poema.
Teresa, já te falei que tuas crônicas estão sempre me levando ao passado… Mas na de hoje o passado se fez presente: senti as algas sob meus pés e também o cheiro do mar!