Em 2043, cientistas descobriram que a convivência prolongada com cachorros estava causando o encolhimento das cabeças e dos cérebros humanos. Os achados foram recebidos com temor por uns poucos e com indiferença pela maioria. Afinal, quem precisava de cérebros na era da inteligência artificial, se já não se carecia deles antes?

De todo modo, uma reação foi tomando corpo. Não se pensou em proibir a criação desses animaizinhos que distribuíam cocô pelos apartamentos, para o deleite dos seus donos, mas em inventar uma espécie de Viagra que fizesse crescer os crânios diminuídos e, se possível, também a massa encefálica por acaso ainda restante dentro deles.

O remédio apareceu no mesmo ano. Lançado pela rede social Z (que já tinha sido X, W e Y), o Imbecilox custava caro, mas era geralmente eficaz. Em algumas pessoas, mesmo doses moderadas dele produziam resultados impressionantes: tornou-se comum virem-se nas ruas gente portando cabeças de até dois metros de largura, sustentadas não só pelos pescoços, mas também por muletas presas às orelhas.

Logo, essas criaturas aleijadas iriam ditar a moda. Todo mundo passou a tomar mais e mais pílulas do remédio, a fim de ficar parecido com elas. Os marqueteiros viram ali uma oportunidade comercial e sugeriram aos pesquisadores aperfeiçoarem o produto, de modo que ele produzisse cabeças não apenas aumentadas, mas esculpidas.

Os cientistas, mais uma vez, responderam rapidamente. Apenas um ano depois de inventado o produto básico, já era possível comprar nas farmácias as variantes Funk, que fazia crescer na testa do usuário a imagem de um roqueiro; a Horn, que produzia chifres de tamanhos vários, sendo a versão preferida pelas vítimas de desilusões amorosas; e o Imbecilox infantil, para quem queria ter cabeção desde a mais tenra idade.

Entrementes, embora ninguém estivesse muito interessado no assunto, descobriu-se que a droga tinha efeitos colaterais. Em alguns casos, fazia crescer o hemisfério direito mas atrofiava o lado esquerdo dos cérebros, produzindo debiloides mentais capazes de vencer duas maratonas por dia. Noutros, acontecia o inverso e, então, multidões de helivélsons se percebiam como einsteins, ainda que fosse relativamente.

A regra, entretanto, era os crânios crescerem e os cérebros diminuírem. Sem problema: mesmo assim, ter cabeça gigante virou obsessão. Talvez por isso, as pessoas foram deixando de só comer capim, de tirar selfies delas mesmas, de fotografar pratos nos restaurantes, de lutar contra o racismo e a homofobia, de correr alucinadamente nos parques e pistas de rua, como se estivessem fugindo da polícia. Na verdade, elas abandonaram até mesmo os hábitos de criar cachorros e se pintar com tatuagens.

Em consequência, as churrascarias reabriram, as correrias pararam, ninguém mais forçava sorrisos para publicá-los na Internet. Largado em casa, sem água nem comida, o último cachorro morreu de aquecimento global. A tatuagem feita em uma cidadã de Sorocaba, São Paulo, começava no queixo dizendo: As armas e os barões assinalados / Que da ocidental praia Lusitana / Por mares nunca dantes navegados … e continuava copiando Os Lusíadas até o dedo mínimo do pé esquerdo.

Era linda, intelectualmente distinta, mas foi a última.