Sérgio C. Buarque

Ao contrário do discurso da Presidente Dilma Rousseff e seus aliados, o movimento político pelo seu impeachment está adotando um mecanismo da democracia e um instrumento criado pela Constituição para impedir abusos dos governantes. Golpe é outra coisa muito diferente. Golpe é um ato de violência das regras legais e constitucionais para derrubar um governante, movimento de força que rompe e rasga o sistema legal. Quem defende o impeachment está, em princípio, aceitando as regras do jogo democrático e recorrendo a um recurso legalmente constituído. Golpista é quem chama os militares de volta para que, a exemplo do que foi feito em 1964, ignore a constituição e derrube o governo através da violência. Chamar de golpista o movimento pelo impeachment é uma completa manipulação tentando confundir a opinião pública.

A proposta de impeachment, independente do mérito, é apenas a defesa de abertura de um processo e não a decisão de deposição do governante, processo que deve seguir um ritual bastante rigoroso e cuidadoso. O processo começa se (e apenas se) o presidente da Câmara aceitar o pedido da oposição, neste caso constituindo uma comissão parlamentar de inquérito na Câmara de Deputados. Os trabalhos da comissão podem demorar meses com análise, discussão e negociação política, e se encerra com a produção de um relatório, confirmando ou rejeitando a proposta.

No caso do relatório da comissão recomendar o impeachment, a Câmara de Deputados instala um processo de discussão no plenário, provavelmente em várias sessões, até decidir em votação. Se (e apenas se) a Câmara de Deputados aprovar por uma maioria de 2/3 a recomendação da comissão, o processo segue para o Senado a quem cabe a decisão final. Alguém pode seriamente considerar um golpe a proposta de abertura deste processo? Trata-se, na verdade, de um mecanismo democrático para decidir sobre a eventual saída do presidente, cumprindo o papel constitucional do Congresso na fiscalização do Executivo.

Não é necessária constatação de um crime, nem provas cabais de nada, para que seja aberto um processo de impeachment. Para a Câmara aceitar o pedido, bastam indícios e suspeitas e não a comprovação prévia de um crime. A decisão, após todas as suas etapas, incluindo investigação, é antes de tudo um julgamento político e não jurídico. Quem julga juridicamente a ocorrência de um crime é o Judiciário (STF-Supremo Tribunal Federal) e, neste caso, leva o acusado à cadeia e não à simples perda de mandato; vale lembrar que Collor sofreu impeachment e depois foi absolvido de crime, o que não invalida a decisão política do seu afastamento.

Em nenhum caso, mesmo quando não exista nenhum indício de desgoverno, pode ser chamado de golpista quem pede a abertura de um processo de impeachment pelo Congresso. Nem quando os caras-pintadas foram às ruas pressionar para o impeachment de Colllor, nem quando o PT vivia pedindo o impeachment do presidente Fernando Henrique Cardoso. Lembram? E, no entanto, no caso da Presidente Dilma Rousseff existem sim motivos comprovados de desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal, pela manipulação ilegal do orçamento: o governo se endividou em R$ 50 bilhões de reais com bancos públicos (num ano eleitoral) e transferiu esta dívida para o exercício seguinte (2015) que, para azar da Presidente – e mais ainda nosso -, coube a ela assumir. O mais grave de tudo: a presidente tem demonstrado total incapacidade técnica ou política para governar e lidar com a crise que o seu governo anterior preparou.