Fernando Dourado, de Lisboa.

13 de novembro de 2015 – a noite do ataque.

A pouco mais de um mês das festas e apenas alguns dias depois da inauguração da tradicional vitrine natalina das Galeries Lafayette, eis que Paris conhece pela segunda vez em 2015 a face iracunda do terror, o que levou o presidente Hollande a decretar Estado de Urgência – o que antecede a decretação do Estado de Guerra. Chefes de estado de todo o mundo se solidarizam nesse momento à renovada tragédia que começou, aparentemente, no Stade de France no decurso de uma partida entre França e Alemanha. De todos os focos, – um deles bastante próximo da redação sinistrada da Charlie Hebdo -, um deles é particularmente caro ao escriba. Pois é na rue Charonne que fica o simpático restaurante Chez Paul, uma excelente opção para quem gosta de pratos fartos com forte sotaque do “terroir” francês. Nunca mais a rua bucólica será a mesma.

Tendo acabado de participar de um instrutivo lançamento na FNAC do bairro central do Chiado, a chegada ao hotel foi marcada pelas matérias que inundam os teleouvintes por todos os canais. No caso das emissões francesas, a emoção é viva e as pessoas – de repórteres a testemunhas – falam no tom trêmulo que traduz um choque patente. Duas breves chamadas para amigos parisienses que lá vivem – um deles tinha saído do estádio – me tranquilizaram parcialmente quanto aos próximos, mas um deles usou a palavra “atroce” nada menos que cinco vezes na chamada de um breve minuto. Se é extremamente cedo para antever desdobramentos, é certo que o movimento foi articulado e, a exemplo do que já foi publicado em Será? – em meu artigo de estreia na revista -, os sicários se valeram da grife islâmica para berrar sandices e espalhar terror por nada menos que sete lugares da capital.

Como se já não fossem graves o suficiente as muralhas que se erguem na Eslovênia e na Áustria, o que fere de maneira dolorosa o espírito do Tratado de Schengen, as fronteiras da França estão bloqueadas como forma de coibir quaisquer infiltrações que agravem a situação e de prevenir fugas que salvem a pele dos assassinos. Segundo os primeiros testemunhos que saíram do clube Bataclan, os terroristas teriam gritado que a França – os brancos, os afluentes, os que não se lhes assemelham –  teria matado seus irmãos sírios e que agora iriam pagar por isso. Ainda que extremamente prematuro para uma avaliação de fundo, é irônico que o conteúdo da palestra a que tinha acabado de assistir na livraria, insistisse justamente no ridículo do chamado “Fim da História” de Fukuyama e os vaticínios apressados que se seguiram à queda do Muro de Berlim e a dissolução da Guerra Fria.

Num momento dramático desse em que os voos de Orly estão suspensos assim como os trens – numa réplica bastante semelhante ao que aconteceu em Nova York no 11 de setembro -, me ocorre pensar em quantas dezenas de milhões de pessoas podem estar agora mesmo se regozijando desse feito torpe. Qual seja, atear fogo e semear o terror numa cidade que simboliza a liberdade de expressão e tudo que pode haver de mais caro à cultura ocidental, elevada aqui a hostil e inimiga. O fechamento da edição me leva a esboçar aqui um primeiro saldo dessa noite de sexta-feira, 13 de novembro. Que, pelas piores razões, passará para a história. Bem entendido, o grande País, tido por muitos como a segunda pátria dos cidadãos do mundo livre, se unirá para fazer face à catástrofe. Num segundo momento, sairá fortalecida a direita ensandecida que encontrará no episódio a confirmação de que políticas excludentes já passam da hora de ser implementadas.

Como conceber que a cidade possa receber dentro de menos de duas semanas 80 chefes de estado de todo o mundo para a Conferência do Clima?

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