“Enviarei adiante de ti um Anjo e expulsarei os cananeus, os amorreus, os hititas, os ferezeus, os heveus e os jebuseus. Sobe para uma terra que mana leite e mel. Eu, contudo, não subirei no meio de ti, porquanto és povo insubordinável, de dura cerviz, e, caso seguisse convosco, Eu vos poderia exterminar ao longo do caminho.” – Êxodo, 33:3
1. Em abril de 1976, portanto há quase 40 anos, eu completara dezoito há dias e era movido a uma única certeza: a de que queria rodar mundo. Logo, conhecê-lo seria, essencialmente, minha razão de viver. Sem pressa em reatar com as sendeiras empacotadas do aprendizado formal – este poderia esperar pois, de tão tedioso, custaria a sair do lugar -, mas bem ciente de que nunca mais voltaria a viver tão boa confluência astral quanto a de então, fui passear de bicicleta pelas alamedas primaveris do Bodensee, no sul da Alemanha, depois das aulas no Instituto Goethe. Vivia, então, na aprazível Radolfzell, cidade próxima das nascentes do Reno e das bonitas cataratas de Schaffhausen, na vizinha Suíça.
Acompanhado por Maria Liebsch, uma jovem de muitos encantos, porém refém de uma halitose que me impedia de beijá-la com a intensidade que sua carenagem merecia, em dado momento lhe disse que passaria as férias de verão em Israel. E que, para tanto, escreveria uma carta para a embaixada em Bonn e pediria orientação sobre como fazê-lo com estilo e a bom preço. Por muito que levasse em conta suas ponderações de mochileira rodada – veterana de Índia, Togo e Sibéria, entre outros destinos originais -, não me sensibilizaram os argumentos de que se tratava de uma área de alto risco. Soberbo, afirmei que voltaria da experiência ileso. Pois bem, este foi talvez o único erro de avaliação que cometi naquela tarde.
Efetivamente, a tal carta foi mandada e prontamente respondida. Assim, fui instruído pelo setor cultural da Embaixada de Israel a procurar uma organização denominada “Aufbauwerk der Jugend”, em Frankfurt, e, já no mês de julho, embarquei para o Oriente Médio, num voo da El Al, disposto a trabalhar num kibutz por uma temporada de cem dias. O pacote pouco me pesou no bolso já que o programa se inseria no quadro maior de aproximar dois povos que, apenas três décadas antes, tinham vivido um circo de horrores, uma vez estilhaçada a ilusão de que a assimilação da elite judaica pouparia seus irmãos do Leste da sanha nazista. Apesar de não ser alemão, o empurrão da Embaixada me abriu um caminho. O que será que escrevi em carta tão convincente?
Ao retornar àquela ciclovia, alguns meses depois, quando o outono já desfolhara as margens do lago de Konstanz no trecho que ia de Radolfzell a Gaienhofen – refúgio de Hermann Hesse -, efetivamente, eu voltara inteiro. E sobrevivera, incólume, aos percalços da longa temporada. Ileso de todo, contudo, eu não estava. Mais magro e com a pela crestada pelo sol, em alguma medida tinha assimilado os traços ásperos dos anfitriões. Altivo, perdera um pouco da ternura. Mais sincero e assertivo, recomendei a Maria que consultasse um médico para investigar o mau hálito. Mudara, enfim, mas a metamorfose que se operara ainda iria muito além do ademão cosmético dos maus modos verbais. Varava, na verdade, as camadas mais íntimas da cebola.
Isso porque a temporada que passei acantonado na Alta Galileia haveria de se confundir, mesmo depois do açoite revelador dos anos, com os melhores dias de minha vida. Ademais, por muito que tenha voltado a Israel nas quatro décadas subsequentes, jamais reatei com tanta felicidade quanto a que senti naquele período. De pouco valeu lá regressar em condições de me hospedar em belos hotéis, onde naquela época só entrara para servir café. Como foi o caso, por exemplo, da boa estalagem do kibutz, onde derrubei uma faca melada de geleia no paletó de Pierre Trudeau, sob o olhar incrédulo do segurança do Premiê canadense. Este sorriu, nervoso, mas ainda me deixou a gorjeta com que fecho esses parênteses.
Então, penso: como explicar esse idílio? Ora, tanta felicidade não residia só em trabalhar no kibutz Ayelet HaShahar. Sequer nos meus dezoito anos. Ou ainda menos no humor do rapaz positivo que amava a vida. Tampouco na confiança no futuro ou na crença cega na humanidade – se este não for um clichê forçado para um rapaz imberbe. Não foi sequer por conta das mulheres com quem vi o céu mais estrelado do mundo, depois de noites abrasivas em que magnólias e orquídeas exalavam um perfume adocicado. O segredo dos dias felizes estava na soma simultânea de todos esses elementos. Desde então, até por definição, eles jamais voltariam a andar juntos e a vibrar em uníssono. Sem delongas, sugiro que passemos ao relato.
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2. Os primeiros dias de julho de 1976 foram inesquecíveis para a história contemporânea de Israel. Depois de uma modorra que lhe quebrara a autoestima, apesar da vitória na guerra do Yom Kipur, apenas trinta meses antes, o País festejara com estrépito o resgate dos reféns judeus que, passageiros de um voo da Air France, foram bater em Entebbe, Uganda, onde o psicótico Idi Amin Dada deu guarida à sordidez das maquinações dos terroristas – estes embarcados em Atenas. A unidade de elite Sayeret Matkal, apesar da pungente baixa do coronel Roni Netanyahu, irmão do atual Premiê – dito Bibi-, mostrou ao mundo que a vida dos judeus não mais seria joguete nas mãos de ensandecidos. E que informação, destemor e treinamento são, quando combinados, letais.
Ora, quando o jumbo da El Al se aproximou de Tel Aviv, sobrevoando os hotéis da orla e arrancando lágrimas de gente de toda idade ao som caloroso de “Hevenu Shalom Aleichem…“, na voz de Chava Alberstein, eu mal podia imaginar que, apenas minutos mais tarde, desembarcaria num terminal bastante depredado, onde eram dúzias as cadeiras quebradas e onde as latas de lixo tinham um estranho “Made in Uganda” rabiscado a giz. Ora, confinados em dinâmicas de integração por três dias antes da partida, não sabíamos o que acabara de se passar. O aeroporto só refletia a farra colossal que unira o País e lhe dera novo alento, surpreendendo até os israelenses – poupados de detalhes até horas antes do desfecho. Afinal, o sigilo absoluto fora seminal na façanha.
Ao chegar, nosso grupo já estava bem coeso. Éramos quinze: treze alemães, uma austríaca e um brasileiro. Eu, o mais jovem; Hans-Jürgen, de Karlsruhe, aos 26, era o mais velho. Ulrich, de Wuppertal, viraria pastor luterano e cofiava o cavanhaque o tempo que passava acordado. Andrea, de Göttingen, era meiga e linda. Marianne, de Aachen, me comeu na segunda noite. Mathias, de Giessen, era o agregador. Outras garotas de Essen, Bochum e Bremen eram mais comuns. Pia, de Linz, Áustria, era a mais latina da célula. À nossa espera, David, um judeu de Bagdá de barba negra, olhos tristes e rins combalidos. Morreria cedo, acoplado à máquina de hemodiálise, mas sem saudades da Mesopotâmia natal que lhe valera um difícil começo.
Subimos com nossos sacos num caminhão que engasgava a intervalos e, como se nos estudássemos uns aos outros, atravessamos a noite escura em silêncio, identificando as estrelas do firmamento. Em Cesareia, nos fizeram descer para verificação da bagagem. Em Afula, nova parada para checagem de documentos. Em Tiberíades, outra cavilação. David só arqueava as sobrancelhas e dizia: “É assim para todos nós. Essa é nossa vida. Bem-vindos a Israel”. Ainda pouco afeito às regras do universalismo, minha alma particularista se revolvia, mas tinha que relevar o incômodo. Tarde da noite, sob o desenho arqueado da Via Láctea, chegamos ao destino. David, nosso Patriarca, nos levara sãos e salvos ao kibutz prometido, por assim dizer.
À nossa espera, mais de quarenta voluntários estavam à espreita. Como veríamos, o ritual de aguardar os novatos logo integraria também nossa rotina. E por que? Ora, essa avaliação dos colegas vinha da dinâmica dos hormônios em ebulição. Da vontade de lhes apresentar o kibutz com ares de veterano. Do impulso de integrá-los à nossa visão e, é claro, se prestava a cativar as meninas de uma vintena de países que traziam no olhar o mesmo ar aparvalhado que fora o nosso próprio ao chegar. O corpo cansado acolheu bem o frescor da altitude e as tensões logo se dissiparam. Exausto, adormeci. O que eu não esperava era despertar esbaforido, no quarto inundado por uma luminosidade que cegava. No ar, sons e cheiros novos.
Enquanto me espreguiçava no alto da escada de ferro, me explicaram que tínhamos ao norte o Líbano. A nordeste, a Síria, cujo Golã fora incorporado por Israel por razões de defesa. A oeste, o Mediterrâneo, cuja fronteira setentrional era Rosh Hanikra. Do outro lado da pista, também invisível dali, o sítio arqueológico de Tel Hatzor. À direita, via os estábulos. Dali vinham mugidos e o cheiro de estrume das vacas. Montes de pedra sinalizavam os bunkers de abrigo antiaéreo. À porta do jardim da infância, um tanque russo calcinado servia de brinquedo para os futuros guerreiros. Ao pé da escadaria, o gato Charlie ronronava e estapeava um passarinho agonizante. A me olhar, Marianne, olhos verdes e dentes brancos. “Guten Morgen“. “Boker Tov“, respondi.
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3. Fundado nos tempos pioneiros do Mandato Britânico, Ayelet HaShahar – literalmente, Gazela do Amanhecer, numa alusão à Estrela Matutina – era um kibutz progressista. Formado por imigrantes da Europa Central no bojo da Segunda aliya – palavra hebraica que define as ondas migratórias de novos colonos chegados à Palestina -, ficava numa área bonita. No sopé dos contrafortes do Golã e à beira da estrada que une Metullah, ponto extremo norte, a Rosh Pina, passamos o primeiro dia fazendo um meticuloso reconhecimento de terreno. Passeamos por Safed, descemos ao Vale do Hula e molhamos os pés no filete d’água do rio Jordão. Depois, ouvimos a preleção de um senhor que mais lembrava um badchan – animador de casamento de shtetl.
O tratamento interpessoal ali era igualitário. A palavra que mais se ouvia era, é claro, shalom. Mesmo ao conversar com uma velhinha octogenária de Breslau, na Silésia polonesa – ela em iídiche e eu em alemão -, a prática vigente pedia que eu lhe dirigisse a palavra na base do você – ou Du, no nosso caso. Afinal, éramos chaverim – camaradas. Todos comiam no refeitório comunitário, salvo no caso dos muitos idosos ou incapacitados. A disciplina era frouxa, exceção feita à segurança e às prestações de horas de trabalho. Mesmo ressacado de vinho Carmel, se impunha despertar no escuro e ir para os pomares. Era do jogo, estava pactuado. Ou seja, ninguém o mandava para a cama cedo, mas muita gente poderia tirá-lo de lá antes de o galo cantar.
O kibutznik, ou seja, o morador permanente da comunidade, não era gente de se abrir em sorrisos por qualquer coisa. Os velhos poderiam ser amargos, mas eram atenciosos. Muitos tinham números de campos de concentração tatuados no antebraço. Os jovens eram brincalhões, mas algo insolentes – o que não é incomum entre eles. Os adultos pareciam irônicos, mas era só uma fachada de defesa. As crianças eram a razão de viver de todos e a ganenet – a dedicada educadora da creche, onde meninos e meninas dormiam longe dos pais – gozava de status à altura da responsabilidade. Pois dali sairiam os melhores quadros militares do País. Afinal, o grosso da população de Israel vivia numa nesga tão acanhada que sumiria na Mata Sul pernambucana.
No final da segunda tarde, tivemos debate com sobreviventes de vastas zonas germanizadas, o que era um capítulo doloroso para os colegas alemães. Vi que alguns saíram amuados e todos, invariavelmente, cabisbaixos. Convenhamos: a Guerra acabara há apenas três décadas. Para a História, portanto, era um nada. Abastecidos de cupons para cigarros Silon; vinho de mesa; latas de biscoito; bolsas de chá; um vidro de café solúvel, e devidamente instruídos sobre nossas tarefas – eu começaria na colheita de ameixas na madrugada seguinte -, voltei ao alojamento com Ulrich e vi os alemães se entregarem ao que mais gostam: esfregar o chão, arrumar o ambiente para que este ficasse gemütlich e, é claro, planejar com inusitado nível de detalhamento.
De minha parte, nada era tão prazeroso quanto pensar na pequena proeza que realizara desde o passeio de bicicleta com Maria Liebsch. Parecia um sonho, mas estava efetivamente em “Eretz chalav udvash“, ou seja, na decantada Terra do leite e mel. Era tremendamente quente durante o dia, mas o que se podia fazer? Como único sul-americano entre dezenas de voluntários, logo me tornei conhecido, quase popular. Meus mentores no kibutz, o casal Natan e Liska, ambos de Lodz, Polônia, se prontificaram a me receber para conversar sempre que precisasse. Eles também tinham perguntas a fazer sobre o Brasil e o velhinho era grande enxadrista. Se tinham esqueletos no armário, estes nunca apareceram. Ambos morreriam antes do fim da década.
Apesar de não-religioso, o kibutz celebrava o shabat com apuro e, já nas tardes das sextas-feiras, quase ninguém trabalhava. Tampouco nos sábados. É claro, domingo era dia normal. Vestindo roupa limpa e de cabelo molhado, íamos ao refeitório para comer bolinhos de carpa, frango assado, raviolis de batata, ovo com cebola e pão trançado. Ao som do piano, nos emocionávamos com os cantos maviosos e o acender das velas. Enfim, a experiência estava só começando. Na segunda noite, Marianne me levou para conhecer a área da piscina. No pequeno bosque de eucaliptos adjacente, se deu o ataque guloso à presa sul-americana. Fui emboscado e não ofereci resistência. Enfim, podia beijar como aprendera em Paris. “Du bist ein Schatz“, ouvi para nunca mais.
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4. É claro que o idílio não duraria para sempre. O sabra – o nativo de Israel – é tido e havido como ríspido no trato inicial. O treinamento militar tomava cinco anos da vida dos homens. Ora, dali eles saíam achando que o mundo era um imenso quartel e que os inimigos de Israel assumiam muitas feições. Acomodar uma fruta com aparente desdém na caixa de embalagem podia ser visto como um ato de sabotagem às exportações do País. Nórdicos e germânicos eram mais afeitos às regras e não questionavam a tênue hierarquia. Pois, embora discreta, ela existia. De boa paz, eu tampouco demonstrava estranheza pelo tom brusco. Pelo menos verbalmente. Mas fato é que não tinha medo de cara feia e também sabia demonstrar desagrado, se a circunstância pedisse.
Assim sendo, antes que pudesse chegar às vias de fato com Naftali, decidi que, na semana seguinte, iria trabalhar com Nissim, um raro sefaradi, nascido no Cairo, e que reinava há anos na lavanderia. Melhor jogar fraldas de pano cheirando a xixi nas enormes máquinas de lavar do que correr o risco de ter de ensinar o líder dos pomares a ter bons modos. “Fernando, em hebraico dizemos: não leve no coração. Todo mundo aqui vem de uma história meio feia. Pegue leve”. Assim dizia Gershon, sempre armado e à espreita. A Galileia conhecera terríveis ataques “fedayeem”. Alguns deles a crianças de escola. Ao lado da creche, era como se aquele colosso lituano montasse guarda junto ao cofre forte de nossa comunidade.
Meus companheiros de grupo, sempre às voltas com mapas e calendários, buscavam brechas regimentais para nos beneficiarmos de pontes e esticar o fim de semana em algum ponto do País. De resto, uma constante nesse povo de viajantes que é o alemão. Foi assim que soube de um trabalho insalubre que, feito por dois dias, valia outros tantos de folga. Trabalhei, então, no galpão da pega manual de frangos a ser vendidos no mercado. A poeira fina que subia e o cheiro de cocô de galinha eram nauseantes. Pegava três animais vivos em cada mão e os braços ficavam em carne viva pelas unhadas dos pés desesperados. Só durava três horas supliciantes. Mas valia pelos dias em Jerusalém ou Tel Aviv. Quanto às feridas, era só passar álcool para desinfetar.
Nos passeios que fazia a Acco ou Haifa para um dia ao mar, levava os exemplares de Veja que papai me mandava e relia as cartas em que me contava as novidades. A revista falava de um jogador fenomenal chamado Zico, infelizmente do Flamengo. Mas quando recebi a edição sobre a morte de JK, chorei bastante. De resto, mandava aerogramas e dava minha posição. Não raro ia ao Golã, a kibutzim afiliados ao nosso para ajudar numa colheita pontual. Quando voltei ao Brasil, meses mais tarde, vi que mamãe se tornara especialista na região e tinha um mapa com alfinetes coloridos que assinalavam os locais de atentados e incidentes. Foi comovente e divertido. Ela sempre se opusera a essa aventura, mas fora voto vencido.
A vida seguia com mais altos do que baixos. Numa excursão ao deserto, porém, cometi uma imprudência palmar. Desobedeci a recomendação de só tomar água e comer frutas secas. Aproveitei o mercado de camelos de Beersheva e me esbaldei com cervejas Amstel, babaganouch e houmos, ambos nadando no azeite de oliva. Ora, a combinação da berinjela e do grão de bico com a canícula de 50 graus, foi desastrosa. Pálido e suado, pedia ao motorista a intervalos que parasse o caminhão. Escondido atrás dos cactos, tentava ser discreto para camuflar minha humilhação. Com justiça, fui repreendido em tom de corte marcial. Recuperado, quando me joguei no Mar Morto, a salinidade ardeu nas assaduras. Quase repeti São Pedro, andando sobre as águas.
De outra feita, na Cidade Velha de Jerusalém, buscávamos em quatro um alojamento barato nas imediações do Muro das Lamentações. Um árabe gordo e bonachão, semicerrou os olhos e chutou um preço que nos pareceu tão alto que até seus bigodes se eriçaram. Irritado com o que lhe soou como um abuso, Hans-Jürgen nos disse em alemão que era absurdo pagar aquilo por uma Arabische Spelunke. Mal sabíamos nós que espelunca, tal como orangotango ou ambulância, são palavras conhecidas em várias línguas por semelhança fonética. Nessa noite, fomos dormir no cemitério, nas encostas do Monte das Oliveiras, tangidos pelos preços dos feriados. Não seríamos os primeiros a ir para o sacrifício por irreverência na vizinhança.
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5. Nas aldeias árabes e drusas da região da Galileia e do Golã, eu me sentia muito bem. O ritmo morigerado dos muçulmanos era mais afeito à minha programação mental de nordestino de origem e, no final, selávamos uma cumplicidade rara. Apesar do ressentimento dos árabes para com os judeus que, segundo diziam, lhes tinham confiscado a terra, o tom da prosa parecia ser mais ameno do que o de hoje. Aliás, generais como Moshe Dayan – o do tapa-olho -, nutriam grande apreço pelos árabes; lhes falavam a língua, embora soubessem que, ao trovejar dos canhões, estariam em lados opostos. A direita política de Begin logo viraria governo e, por paradoxo, faria a paz com o Egito. Não é raro a glória recair sobre os celerados, dizia Nahum Goldman.
Nossas pequenas vidas estavam ao abrigo de maiores impactos políticos. Os voluntários judeus eram minoria entre nós, apesar de numerosos. Muitos eram franceses, ingleses e suíços. Pouco afeitos ao calor e ao trato ríspido de regra, reclamavam da falta de politesse e, no desespero, sucumbiam ao ridículo de alegar que suas famílias contribuíam fartamente para as finanças do País. Nem assim os sabras abrandavam. Pelo contrário. No fundo, pareciam ver a Diáspora como parte devedora por se orgulhar de um País que a eles, os nativos, competia defender com a vida. Que purgassem, portanto, algum sofrimento e fizessem jus ao pertencimento tênue que os unia. Era uma forma de pagar royalties por uso de imagem. Na época, não se falava de direitos de arena.
Eternamente de bermuda e roupa leve, me aprazia viver um pouco como bicho, como gostava de dizer. Entrava nos chuveiros comunitários umas quatro vezes ao dia para uma ducha rápida que, bem entendido, respeitasse a escassez hídrica vigente. Não obstante, secava sob o sol enquanto comia uma fruta. Das vezes que trabalhava no estábulo – cuja fedentina é marca quase unânime na paisagem rural de Israel -, fazia meu turno coincidir com o de uma namorada e nos distraíamos nas madrugadas da ordenha mecânica. Nos céus, caças zuniam como se soprados por zarabatanas. Por duas vezes, tivemos festas de casamento e alguns dos nossos cogitavam virar membros residentes e se submeter ao Conselho. Não era meu caso.
Para quem quer que fosse, judeu ou não, as intenções para com o País eram avaliadas pela disposição em aprender o hebraico. Como fazem os catalães com seu idioma. Embora o kibutz não fosse ulpan, ou seja, voltado para o ensino da língua, muitos se empenhavam em estudar o idioma que Ben Yehuda ajudara a ressuscitar. Para mim, a prioridade era consolidar o alemão e alternava três ou quatro idiomas com os locais, compreendendo bem o iídiche germanizado que falavam. Aprendi hebraico para o gasto que, até hoje, me quebra galhos quando estou lá. Mas que cai em hibernação dias depois da partida. Menos mal que o falo e leio para o básico. Melhor do que a imensa maioria dos judeus que conheço, de qualquer sorte.
Nesse contexto, dificilmente nossos contatos com os locais iam muito além da relação de trabalho. No fundo, lhes invejávamos a frugalidade da vida e a aparente desambição material. Eu amava o de cada um segundo suas possibilidades para cada um segundo suas necessidades. Na prática, parece que eles tendiam a espichar um olho em direção a nosso estilo de vida. Será que podiam fazer o que nós fazíamos? A comunidade era solidária com algumas aspirações individuais, mas as limitações eram muitas. Mesmo porque os kibutzim eram geralmente deficitários. Não foi à toa que esse modo de vida perdeu adeptos a partir dos anos 80, quando o vetor do individualismo ganhou tração e, tempos mais tarde, quando o consumismo viraria pandemia.
Procedendo a essa rememoração, percebo que um laivo de desconforto me perpassa. Tantas viagens feitas a Israel depois dessa, em que medida algumas das impressões que resgato estão estritamente ligadas ao capítulo Ayelet HaShahar? Mas ora, não sendo homem da História e estando descompromissado em observar a verdade factual e cronológica, sei que esse fio condutor é aqui o que menos importa. Uma coisa é certa: a repetição da experiência de voluntário só voltaria a ocorrer anos mais tarde quando, já universitário, tentei reatar com o passado. Para efeitos desse arrazoado, contudo, importa que foram essas as reminiscências que resistiram ao tempo. Aquelas dos cem dias na Terra do leite e mel. Shalom.
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Obrigado a Norberto, Salomao , Marco, Ilana, Daniel e Suzana pelas mensagens enriquecedoras. Cada um de vocês e um mundo. Meu E-mail privado está com defeito dada a tempestade que caiu sobre REcife ontem. Priorizem endereço da revista. Beijos, Fernando
Que delicia de memórias, Fernando. Adorei!!! Beijos. Iara Czeresnia
Querida Iara, Esse relato e também parte de tua história Obrigado e um beijo, Fernando
Excelente como sempre. Saudades. Quando vier aqui, avise. Abraço , Lula Arraes
Obrigado, Lula. Também estou saudoso de uma boa conversa de veteranos de andanças pelo mundo, como com você. Abraço, Fernando
Querido Daniel., Recebi lindas fotos do kibutz no e-mail privado.Aguardo as demais. Um enorme abraço. Fernando Dourado
maravilha!
Querida,
Uma deferência e tanto que essa aventura toque o coração de uma de nossas mais brilhantes embaixatrizes. Mostre a suas filhas tão brilhantes para que elas se divertam e testemunhem um pouco da época em que éramos jovens e audazes.
FD
J’ AIME TON TEXTE JE T’ECRIRAI PLUS APRES L’AVOIR RELU
A BIENTOT
Bien Cher Ami Daniel,
J’ai bien reçu les dernières photos et je te remercie infiniment. Malgré la fin du rêve, il faut dire que tu es le tout dernier lien qui m’attache à cette époque dorée de ma vie. À part les doux souvenirs que je caresserai jour et nuit – tant que la mémoire me le permettra. Je suis en train de préparer une sorte de continuation de ce même article dans lequel je ferai des considérations sur nous tous, les kibutzniks, les valeurs et mes liens avec le pays et les juifs. Je suis certain que tu les aimeras aussi. A bientôt, donc.
FD
Admito até que Fernando tenha gostado muito dos tempos dele em Israel. Posso até não ter gostado de tudo o que li nesse artigo, apesar de muito delicioso de ler. Os detalhes é que são elas. Só acho estranho mesmo a natureza do tal do escritor, rótulo que ele abomina. E por que estranho? Ora, passamos na frente desse kibutz AH duas vezes entre o mar da Galileia e o Golã. Em nenhuma delas ele quis parar, por mais que eu insistisse que queria dar uma olhada. Hoje vejo que que talvez não pertencesse a esses tempos, seria intrusa. Mais uma para pensar.
Não se trata disso, Lavínia, você antecede o kibutz na minha vida. Era que eu tinha estado lá dois anos antes com Duca e tinha ficado um pouco triste em ver as ruínas do que tinha sido minha juventude. Achei mais interessante te levar para ver o Golã e adjacências. Mas da próxima eu te levo lá. Pelas fotos de Daniel, não sobrou quase nada de nossa casa de voluntários. Da próxima vez, reclame na estrada, não deixe para anos depois.
Beijo,
FD
Aos leitores e leitoras de Será,
É com muita honra que destaco a coluna da querida amiga Tânia Kaufman logo aqui ao lado da minha nessa edição. Assim sendo, me permito pedir aos leitores que lhe voltem a maior atenção pois, sem medo de errar, afirmo que Pernambuco deve a essa ilustre acadêmica – mãe de pessoa queridas como Rosana e Kurt, e esposa de Paulo – a maior contribuição individual que uma só pessoa poderia ter dado ao rico acervo judaico de nosso Estado. Há trinta anos, crescidos os filhos e em noites agradáveis no edifício El Greco -, eu já testemunhava da determinação de Tânia em levar a cabo sua missão de vida. Seus olhos brilhavam de determinação e nos dizia que o trabalho estava só começando. Fico feliz que esse meu Cem dias de na terra do leite e mel – cujas lembranças dividiria muito com seu sobrinho Silvio -, tenha tido a ventura de dividir espaço com suas fecundas reflexões de Ontem, hoje e amanhã – cuja leitura recomendo. Para você, Tânia, um abraço muito especial. Seu livro impressiona amigos meus de todo o mundo pela beleza iconográfica e pelo resgate excepcional que representou. Até os paulistanos ficam de queixo caído. Até breve, Fernando Dourado
Prezado Fernando,
Agradeço suas reminiscências do kibutz.
Como sempre interessantes e escritas maravilhosamente.
Leio-o no JC mas gostaria de conhecer seus outros escritos.
Abraço,
Tibério Tabosa
Tibério,
Fico honrado em tê-lo como leitor. Como você vê, no jornal tenho que ser mais sucinto – o que não é propriamente uma violência dada a natureza do veículo. Aqui posso me esbaldar mais e sair da raia convencional da prosa econômica e sintética. Ter leitores que navegam bem por essa dicotomia me enche de alegria, Tibério. Como recebi muitos e-mails sobre essa época de minha vida, ademais do estímulo de nossa editora para tal, vou dedicar algumas horas do feriado para escrever a segunda parte e última parte dessas reminiscências. Elas nos trarão aos dias de hoje, conforme sugerido por Teresa.
Um abraço,
FD
Delicia de relato! E que experiência. Ri muito na sua tentativa (desesperada!) de caminhar sobre as águas…
Pois é, minha querida, não deve ser por outro motivo que a Terra Santa é notória por seus milagres.
FD
Muito bom.
Abs.
Demerval
Caro Fernandinho,
Lembrete: lendo seu artigo e considerações estive quase lá….
É sempre bom lembrar que “os primeiros quarenta anos de vida dão-nos o texto; os trinta seguintes o comentário.” (Schopenhauer)
Primo Demervalzinho,
Nunca imaginei que um brilhante urologista combinasse com Schopenhauer. Pensando bem, por que não? Maravilha de citação, vou guardá-la com carinho. Uma pérola.
Abraço,
FD
Obrigado aos leitores que continuam me escrevendo nos e-mails privados. Aos que perguntaram se tenho Facebook, não, não tenho. Mas deixo um abraço para Bruna, Aaron, Vanessa, Boschi, Flávio, Leandro, Chico, Linda, Marisa (vai sair sim um segundo artigo sobre kibutz, a editora de Será? já me pediu), Luísa, Dóris, Jussara e Jacques.
Acato com respeito e humildade a ponderação de Dr. Katz de que poderia segmentar o texto por capítulos. Quanto à publicação impressa, não há horizontes porque não tenho tempo nem saco para vender um projeto. Já me dou bastante satisfeito em poder contar com essa plataforma digital e com os órgãos de imprensa escrita.
Quanto ao livro “Viajante de Corpo e Alma”, mande o endereço que ele seguirá pelo correio.
Abraço geral e obrigado pelo incentivo,
FD
Eu não ia comentar, só poderia repetir que Fernando Dourado escreve bem qualquer que seja o tema, e o Oriente Médio é uma confusão. Além de que não tinha encontrado nada sobre o papel dos kibutzim no desenvolvimento econômico de Israel. Mas , lendo os comentários, fiquei intrigada com a observação de Lavinia F. Costa, de que o memorialista não quis rever seu kibutz. Ora, o kibutz da sua experiência juvenil não existe mais, foi-se com as utopias fracassadas do século XX. Já o título sugere a utopia das promessas milagrosas. Aqui neste chão do caminhante, leite com mel continua sendo remédio p’ra tosse. Os kibutzim já declinavam na década seguinte, antes mesmo do desmoronamento de outras utopias que pretendiam a propriedade coletiva dos meios de produção. Não foi por seus kibutzim que Israel se tornou a potência econômica e militar que é hoje. E os kibutzim estão se transformando em operações comerciais do setor de turismo, algo como hotéis-fazenda bucólicos, museus do sonho igualitário em um país capitalista desenvolvido e exportador de tecnologia de ponta.
Helga,
Ainda bem que você mudou de ideia e escreveu um comentário pertinente. No dia que perdê-la como crítica e fomentadora do bom debate, desisto de escrever nesse espaço. São tantas as bordoadas que levo por escrever um texto longo que só mesmo leitores de fôlego como você me trazem o alento compensador pelas horas dedicadas à busca da palavra certa, do tom e do ritmo. Portanto, fico obrigadíssimo.
Efetivamente, em dado momento os kibutzim representavam não mais que 3% de PIB de Israel. No entanto, aquelas crianças criadas à margem das hierarquias acachapantes se tornaram, muitas vezes, os melhores quadros militares do país. Afeitos à vida comunitária como nenhum outro grupo, muitos se tornaram referência nas Forças Armadas. Sim, mesmo tendo vivido o período que antecedeu o esfarelamento da utopia, foi maravilhoso.
FD
“La nostalgie n’est plus ce qu’elle était” é o título de um livro autobiográfico de Simone Signoret, muito bem escrito.
Muito bom/interessante.
Gileno
Obrigado a Marcelo, Antonio, Mônica (2), Fernando, Sérgio, Marta, Heloísa, Guilherme, Pedro, Georges, Dov, Smagdar (acho que você compreendeu o bastante, viu?) e até a Ikeda, da longínqua Osaka. Prometo chegar com a segunda parte sobre Israel – talvez antes do que vocês pensem. Abraço geral, Fernando PS – Obrigado também a Ana cujo e-mail acaba de chegar.
Caro Fernando,
Essa sua experiência foi, sem dúvida, marcante e enriquecedora. Principalmente numa fase tão importante das nossas vidas, como a juventude.
Parabenizo-o pela coragem de enfrentá-la e agradeço pela gentileza de compartilhá-la com seus leitores e amigos.
Abraço. Gileno Barbosa
O grande prazer que ficou disso tudo é poder olhar para trás e conseguir reconstituir em detalhes tempos em que cada minuto foi fruído com intensidade. O senso de missão se completa com depoimentos como o seu. Sei que não é fácil navegar por um texto eletrônico dessa extensão. E, no entanto, você conseguiu e atestou. Muito obrigado e um abraço, Gileno.
FD
Parabéns, Fernando, belo texto
Abs,
Eduardo
Obrigado, Eduardo.
Ainda hoje os melhores comentários sobre a realidade contemporânea de Israel nos chegam pela pena de sue tio, na revista Shalom, com muito bom humor e nostalgia baiana. Adoro.
Um forte abraço,
FD
O relato de Fernando trouxe à tona minhas lembranças do tempo de voluntária no Kibutz Ein Hashlosha, na fronteira com Gaza, em 1977.
Ser voluntário num Kibutz é tudo isto que Fernando descreve, com toda a efervescência de um jovem sedutor aberto ao mundo e às diferentes experiências. Ser voluntário num Kibutz é um compromisso meio sem compromisso. Tudo muito intenso e compensador. Os arranhões que ficavam na pele após um dia de trabalho na colheita de pomelos, as mãos secas após lavar louça no refeitório, as costas doídas após um dia de trabalho na indústria de confecção de fichários, tudo isto era compensado no início da noite, quando se convivia com os jovens moradores em rodas em torno de uma fogueira ou na discoteca do Kibutz.
Os “kibutznikim” (habitantes dos kibutzim) nos recebiam com carinho porém com certo receio. Afinal de contas nós estávamos nos divertindo e eles, na batalha do dia a dia, se esforçavam para nos encaixar em trabalhos que pudéssemos realizar sem atrapalhar o bom andamento do Kibutz!
Tendo voltado muitas vezes a Israel, pude acompanhar isto que Fernando chama de “perda de adeptos”. Os Kibutzim cumpriram sua função na criação do Estado de Israel e depois foram perdendo um pouco o sentido. Dos 20 e tantos familiares que eu tinha em Bror Chail, fundado por brasileiros no início da década de 50, sobrou um casal de tios e um primo. Os kibutzim estão se reinventando e se transformando em pequenos condomínios residenciais, atraindo com baixos preços de terreno e construção os jovens que de lá saíram.
Belo artigo, como sempre, recheado de um colorido que as memórias nos trazem com o passar do tempo.
Fico no aguardo dos próximos!
Querida Tamara,
Todos os comentários são bem acolhidos pois são a evidência única para quem escreveu de que conseguiu tocar o coração do leitor. Isso porque a telepatia ainda não chegou ao ramo, especialmente fora das redes sociais. Contudo, em se tratando de kibutzim e de Israel, acho que ninguém está tão credenciada quanto você para fazê-los. Essa legitimidade transpira em cada linha e fico feliz e agradecido por você ter escrito. Acho que vamos ter outro artigo – espécie de sequência – a partir de 12 de fevereiro. Mas ele ainda está nas mãos de nossa editora à espera de luz verde. Nele pretendo detalhar alguns tópicos como o perfil heterogêneo dos voluntários – alguns até hostis a Israel. Pretendo também esmiuçar quem eram os kibutznikim que nos acolheram. E concluirei falando de minha relação pessoal com os judeus, Israel e como aqueles tempos transformaram minha vida para sempre. Você, mais do que ninguém, estará em boa posição para avaliar. Mas o que foi dito aqui acima já valeu todo o esforço de ter escrito Cem dias na Terra do leite e mel. Isso porque, com nossas vozes somadas, passamos ao leitor paciente um depoimento sincero e genuíno de tempos que não voltam mais.
FD
Dourado,
Digeri seu maravilhoso relato com emoção e saudades.
O ano era de 1975 e eu, juntamente com colegas do Colégio Israelita Moisés Chvarts – Arão, Marly e Raquel-, pudemos vivenciar essa rica experiência de passar um tempo, como voluntários, juntamente com outros jovens judeus do Rio de Janeiro e São Paulo, num kibbutz.
O Kibbutz Yechiam, ficava- assim como Ayelet HaShahar-, bem ao norte, só que mais próximo de Rosh HaNikra e mais ainda de Nahariya.
Os precários alojamentos, aquecidos com fogareiros alimentos por querosene – onde secávamos nossas grossas meias de lã, que eram parte da indumentária que usávamos para trabalhar-, e suportar o frio dos meses de janeiro e fevereiro, eram divididos com voluntários da Holanda.
Levantávamos sempre ainda antes do amanhecer e, após um rápido chá ou café com leite e biscoitos, seguíamos animadamente, embarcadas na caçamba de um pequeno caminhão, para os campos de plantações de banana, laranja e grape fruit.
Só depois da primeira hora de trabalho pesado – carregávamos cachos enormes de banana, que eram escolhidos e cortados nos talos, pelos golpes de um amoladíssimo falcão, por Ahmed – um árabe contratado pelo kibbutz -, seguíamos pendurados nos tratores para o refeitório do campo para um magnífico café da manhã -considerado em Israel a principal refeição.Depois ainda trabalhávamos mais um par de horas antes de regressar aos alojamentos.
Assim como você, passei por vários setores de trabalho- sempre me divertindo, apesar da dureza de algumas das atividades -, inclusive também, carregando frangos nas gaiolas, para outros criatórios onde engordariam até o abate – em Yechiam havia uma fábrica de embutidos “casher ” derivados de frangos.A diferença é que eu pegava cinco de cada vez, em cada mão, dois a mais que você…
Para não mais me alongar, posso aqui registrar e me juntar a você, para dizer que vivi meus “sessenta na Terra do leite e mel” e que pude sentir o cheiro do estrume, do orvalho e dos eucaliptos, nesse lindo lugar, à oeste da Alta Galiléia – 20 quilômetros do Líbano -, um período de muitas saudades e emoções, que você tão emotiva e realisticamente nos trouxe de volta com plena intensidade e forte nostalgia.
Shalom, Todá Rabá e até breve.
Tinha me esquecido dos aquecedores a querosene!!! Queimei um par de meias de lã neles!meu kibutz transportava perus!!
Amigo Hélio,
Eis outro depoimento que me desmonta – no melhor sentido da palavra. Com a diferença de meses e sem que ainda nos conhecêssemos, eis que eu, Tamara e você estávamos em pontos nevrálgicos do mesmo território – Alta Galileia, fronteira libanesa e Gaza -, curtindo simultaneamente as mesmas emoções indizíveis aqui registradas. Quantos mais?
Seu depoimento é também comovente e bem saberia, mais adiante, o quanto os kibutznikim da fronteira norte sofriam com o frio do inverno. Lembro bem de uma viagem que fiz pela velha estrada inglesa que liga Rosh Hanikra-Naharyia-Kiryat Shimona. Dela me ficou sobretudo a chegada à Galileia pelo alto em meio aos eucaliptos, com o monte Herrmon nevado no fundo.
Lá no alto, dois helicópteros patrulhavam a fronteira a grande altitude. Será que um dia seus filhos cruzarão aquela fronteira direto até Beirute, sem sequer mostrar o passaporte? E chegará o dia em que um casal saído de Biblos poderá vir passar a lua de mel em Tel Aviv e esticar até Eilat? Quando eu era jovem, eu achava que veria esse dia. Envelhecer é arquivar sonhos.
Forte abraço e obrigado,
FD
Prezado Fernando
Desde o primeiro contato que tive com seus escritos através das paginas do JC fiquei fascinando pelo poder de síntese e descrição vivida e transmitida por você, inclusive cheguei a enviar um e-mail para você felicitando e querendo comprar seus livros, não encontrei para aquisição, por feliz coincidência conheço o nobre e versátil Joao Rego, companheiro de natação na AABB, ele falou da revista literária Será? e para minha surpresa encontro você entre os colaboradores.
Prazer imenso em ler seus artigos e em especial os relatos surpreendentes e prazerosos das suas viagens.
Receba um forte abraço.
Glaucio Pessôa
Prezado Glaucio,
Efetivamente, localizei um e-mail seu de 7 de dezembro de 2014 relativo à crônica “Noites de Moscou” – publicada no JC – e minha resposta que então se seguiu. É portanto um enorme prazer lê-lo de volta e saber que os anos não apagaram este velho escriba de seu radar. Seja no formato minimalista do jornal, seja no espaço menos avaro da revista. Ademais, fico feliz que tenhas gostado de “Cem dias na Terra do leite e mel” e, mais ainda, que Será? propicie reencontros de qualidade, ensejando um contato mais profundo entre o escritor e o leitor slow food.
Muita gente tem dito, aliás, que os três últimos textos publicados esse ano – a rigor “As raízes de um desterrado”; o aludido “Cem dias na terra do leite e mel” e “Ó, Jerusalém” – uma continuação com leves sobreposições com o anterior posto que integrou o mesmo mergulho – compõem uma discreta trilogia sobre gente desenraizada ou em deslocamento. A que se poderia somar “Nas pegadas de Fiszel Czeresnia”, lá atrás – todos eles unidos pela mesma marca do pertencimento nebuloso. Será?
Sendo ou não, nada muda, Glaucio. Eu seria tudo na vida – salvo editor. O que permanece é minha renovada gratidão pela sua visita. Num tempo em que os memes da internet fazem furor – até hoje não aprendi direito o que é isso – os “escritores de reminiscências”, na definição de Clemente Rosas, são alvo fácil da indiferença e dos torpedos. É claro que a primeira é muito mais dolorosa. Mesmo porque, segundo reza a lenda, ela é o verdadeiro antônimo do amor. Ao passo que a artilharia hostil é simplesmente do jogo – já que seria descabido qualificá-la como um afago. Continuemos, pois, juntos e grato pela visita.
Abraço,
FD
Prezado Fernando
Lisonjeado por sua atenção e gentileza, Gostaria de saber a possibilidade de você enviar o texto “As raízes de um desterrado”.
uma pergunta de cunho pessoal, este Dourado da família é de origem da cidade de Garanhuns ?
Mas uma vez agradeço sua atenção.
Abraço,
GP
meu e-mail: [email protected]
Glaucio,
O texto está ao alcance de um click. Basta ir à pagina home de Será? e ir até meu nome, na nuvem ao pé da página, do lado direito. Depois é só assinalá-lo e verás “As raízes de um desterrado” já na antepenúltima opção. Sim, efetivamente, meu pai se chamava Fernando Souto Dourado e somos de Garanhuns – tema do artigo. Vou deixar teu e-mail privado anotado para futuras difusões.
Abraço,
FD
Amigo Fernando, também sou filho daquela agradável cidade, nasci no bairro da Boa Vista há 60 anos atrás.
Forte abraço.
Atenciosamente
Glaucio
Prezado Fernando
gostaria de saber a possiblidade do envio via correio dos seus livros, já que não encontrei nas livrarias, fato já comentado consigo.
Lógico que as despesas postais ficaram por minha conta.
segue os dados:
Glaucio Pessoa de Vasconcelos
Rua Antônio Novais 51 apto 1003
Graças – CEP 52050.280
Recife – Pe
mais uma vez, agradeço a atenção
Forte abraço
Glaucio
Glaucio,
Quando for ao Recife, mandarei alguém deixá-los na portaria. A cada três semanas, vou à terra. Logo será fácil. Não pense que lerás maravilhas. Mas agradeço o interesse e o endereço está anotado.
Abraço,
Amigo Fernando.
Se me permite, só tenho palavras de agradecimento por sua atenção e gentileza.
Tenho certeza que irei gostar dos livros.
A sua modéstia sempre presente.
Forte Abraço
Glaucio
Fernando,
Faz tempo não entro na Sera? Tempo… tempo…afazeres e faz tempo não escuto falar de Kibutz. Quanta saudade seu texto me deu ao me transportar a reuniões do MCP no Sítio da Trindade em Casa Amarela quando fizemos muitos encontros com Germano Coelho e Norma, muitas vezes também na casa do casal no Espinheiro, para nos contar sobre suas experiências nos Kibutz desde a década de 50. Na época era enorme o entusiasmo com o tema que embutia também questões tecnológicas como processos inovadores de irrigação em solo de seca inclemente, por exemplo, no momento em que se debatia o assunto na Sudene. Sonho lembra sonho, que levam a mais sonhos que ficaram pelo caminho junto com nossa juventude. Mas valeu a pena vive-los. E vale a pena contá-los. E nisso você é mestre. Abr
De fato, andavas meio sumida desse espaço. Efetivamente, desde o nosso almoço na casa de Teresa – que não é mais “a da praia” – que esse tópico de kibutz passou a gravitar em minha órbita. Bastou mais uma conversa com João Rego para que sentíssemos que havia muito o que dizer sobre a época.
Agora que você apareceu, lembrei de suas referências à experiência de Germano Coelho. Salvo engano, outro voluntário dos tempos pioneiros – portanto, anteriores aos meus – foi um irmão do publicitário Mauro Salles. Foi uma época e tanto para todos que tiveram o privilégio de viver a experiência. Apareça.
FD
Rosa,
O publicitário era Luís Salles – irmão de Mauro, filhos de Apolônio Salles.
Um kibutznik conhecido no Recife pelos projetos de irrigação era residente, salvo engano, em Bror Chail – acima aludido por Tamara Czeresnia -, e se chamava Jaime Averbuch. Ele era (ou é) pernambucano.
Sim, o kibutz ainda evoca saudades.
Veja o que acabo de ler: “Amos Oz, um dos autores israelenses mais respeitados e conhecidos em todo o mundo, teve uma vida tumultuada. Aos 10 anos de idade, testemunhou a fundação do Estado judeu; quando tinha 12 anos, sua mãe cometeu suicídio. Com 15 anos, se juntou a um kibutz e mudou seu sobrenome para Oz [força, em hebraico]. Posteriormente, deixou o kibutz para ir morar no deserto, por causa da asma de seu filho. No entanto, aos 74 ele ainda sonha – pelo menos uma vez por semana – com a vida no kibutz. Em sua mais recente coleção de contos, “Between Friends”, de 2012, [Entre Amigos], ele revisita os primórdios do kibutz, quando as fazendas coletivas eram uma profunda experiência social israelense”.
O livro é ótimo.
Abraço,
FD
Fernando,
Não conheci Mauro e Luís Salles pessoalmente. Também não Jaime Averbuch.
Amos Oz foi leitura de cabeceira por muito tempo. Não sabia de sua historia de vida tão sofrida.
O que eu queria te dizer aqui é que ao ler este teu texto e Jerusalem não busquei crítica política da atualidade nem maiores considerações da complexa questão palestina. Para isso acompanho desde as primeiras publicações de Sartre anos 60 até todo tipo de analises e debates especialisados da literatura e mídia. A riquesa de seus textos está no depoimento vivo e sensível de um jóvem de 18 anos embrenhado numa experiência rara para um brasileiro sobretudo não judeu, mas cheio de curiosidade de mundo. E ainda hoje, em Jerusalem, lembrando com argucia passagens marcantes vividas em determinado tempo naquelas plagas, digamos, dolorosas, palestinas/isrraelenses, sem solução à vista, mas cheias de descobertas prá quem está escrevendo.
O que conta e o que fica da leitura de seus textos é a doçura e a leveza do leite e do mel que vc bebeu numa aventura que a sua juventude escolheu viver.
Grd abr
Rosa
Fico contente que você tenha captado o espírito desse memorialismo de andanças. Como ele não é feito para galvanizar unanimidades, nem para substituir o jornal, vez por outra alguém vem em meu socorro para me reconfortar das bordoadas com que me agraciam.
Pois eis que Clemente escreveu recentemente e disse que esses textos se enquadram – no último degrau da categoria, por certo – numa rubrica denominada “literatura de reminiscências”. Cujo autor de referência é Álvaro Moreyra, autor de um certo “As amargas, não”. Estou atrás desse livro.
O que quer dizer que tenho companhia. E uma leitora com sua sensibilidade. Obrigado.
FD