Elimar Pinheiro do Nascimento (*)

Desculpem-me os leitores. Não consegui me conter. É demais. Dolorido, faço meu desabafo.

O Brasil chegou no fundo do Poço vencido por um mosquito e uma montanha de incompetência   e desrespeito à população. Estamos assistindo e veremos mais ainda centenas ou milhares de crianças nascendo com microcefalia. Não se trata de uma febre, um mal-estar ou um desconforto, mas algo que arrasa uma família e compromete o futuro de uma criança. Algo esdrúxulo porque bebe é, sobretudo, esperança, expectativa, futuro. Ter um filho ou filha com quem se sonha com uma deficiência desta natureza é uma facada no peito dos pais. Não significa a morte da criança, nem a impossibilidade de ser feliz. Mas, tolhe suas possibilidades de desenvolvimento de maneira extraordinária e, em alguns casos, levará ao falecimento ou a uma deficiência grave por toda a vida.

O mosquito aedes aegypti encontra-se entre nós desde 1980. Inicialmente transmitia apenas a dengue. Alastrou-se nos anos 1990, parecia que ia desaparecer e retomou com impetuosidade nos finais dos nãos 2010. A dengue somou-se ao ckicungunya, o ano passado e agora à zika. Uma médica de Campina Grande levantou a suspeita e levou a comprovação da relação do vírus da zika com a microcefalia. Faz três meses. E o governo não tomou qualquer providência de peso, assistimos apenas às bobagens do ministro da saúde – “não engravidem”, “peguem o vírus antes da gravidez”. Para finalmente declarar que era uma guerra perdida. Em qualquer país decente este senhor estaria demitido. Mas não pode, porque sem ele talvez a presidente sofra o impeachment. Pelo menos enfraquece sua base parlamentar na Câmara dos Deputados, onde tudo começa. É um absurdo uma situação semelhante. Crianças nascerão com deficiência por causa da incapacidade de o governo fazer frente à ameaça.

Evidente que tudo não é responsabilidade do governo. A nossa cultura é parte do problema. Poucos tem noção do que implica a sujeira, o monte de lixo nas ruas, os pneus jogados no quintal, os vasos cheios de água, e muita, muita sujeira por toda parte. Quando não é no rio é nas ruas que jogamos a sujeira, aquilo que não queremos mais.

A convivência com a sujeira nas ruas tornou-se banal, corriqueiro. Ninguém mais se assusta.  Ninguém se surpreende ou estranha. Estranho é alguém reclamar.

Soma-se, assim, pecados dos dois espaços essenciais da sociedade, a população e o governo. E não nos revoltamos. Esmagados pelo cotidiano e pelo sentimento de impotência, tais os desmandos e mal feitos de cada dia. Estamos submergidos pelo desemprego, pela violência urbana, pela inflação, pela corrupção, pela intolerância e, agora, pelo mosquito.

E na TV apenas teatro. Mais um nesta quinta feira última de janeiro. O Conselhão – Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social – reúne-se com a Presidente. Silencioso há mais de ano e meio. 92 duas pessoas, inclusive algumas amigas, saem de suas casas e trabalho para quê? Para nada. Puro jogo de cena. Nenhuma decisão importante, nenhuma iniciativa consequente.

Creio que devemos começar a dispensar os governos e começar a fazer as coisas por nossa própria iniciativa. Aos políticos, que “se vayan todos”. “Hay gobierno, soy contra”. Ou desistimos do Brasil? Desistimos de nós mesmo?

(*) Professor associado da UnB, Centro de Desenvolvimento Sustentável

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