Esta semana o cerco de ferro apertou um pouco mais o duque de Atibaia. Ou será o barão do Guarujá? Não importa o apelido. Pois quem, sendo ex-presidente da República, não se digna prestar informação à Nação sobre seu patrimônio, oculto ou não, pouco acrescenta o nome que se lhe dê. Trata-se de silêncio esquivo. Que não condiz com rigor ético exigido de alguém com tal medalha. Nem está à altura do respeito que se auto impõe qualquer senhor de cabelos de prata. Pois é. O Conselho do Ministério Público autorizou a continuidade da investigação sobre a cooperativa que construiu o edifício onde se localiza o triplex mais falado do país.
O outro fato, este na área econômica, ocorrido na semana finda, foi o rebaixamento do Brasil pela agência de classificação de risco, Moody’s. O terceiro rebaixamento, depois de igual medida adotada pela Standard & Poors e pela Fitch. Significa menos capital à disposição do Brasil. E mais caro. Pois o país foi confirmado mau pagador.
Na prática, estamos cuidando de governo que declarou autofalência. Porque submeteu ao Congresso Nacional proposta de orçamento deficitária para 2016. Nenhum país, até hoje, tivera a audácia mambembe de tomar tal iniciativa. Ou seja, confessar-se publicamente incompetente para administrar suas contas.
O que fazer? Se a presidente não lidera nem governa? Se o impeachment é miragem feita de recursos e prazos infindos?
Renúncia: uma arquitetura
Renúncia não é para qualquer um. É preciso ter coragem cívica. E, às vezes, arriscar cálculo político. Há dois tipos de renúncia:
1. O primeiro tipo de renúncia é feito de desprendimento pessoal, de desapego. É instrumental. Porque relaciona-se com valores mais relevantes. Valores ligados ao país, a princípios morais, à honra pessoal. Foram os casos dos ex-presidentes Getúlio Vargas e Charles de Gaulle;
2. O segundo tipo de renúncia é feito de cálculo. É de mérito. Porque refere-se a interesses concretos de uso de poder, de sobrevivência ou improbabilidade política. Foram os casos dos ex-presidentes Jânio Quadros e Richard Nixon.
Getúlio Vargas cometeu suicídio em 1954. Foi uma espécie de renúncia. Ele colocou o gesto extremo de morrer para exterminar a vida na política alheia. E conseguiu. Charles de Gaulle renunciou duas vezes: a primeira, em 1946, após ser eleito presidente um ano antes. E não conseguir maioria na Assembleia Nacional. A segunda, em 1969, depois de ser reeleito presidente em 1965, por ter sido derrotado em referendo nacional sobre a organização do Senado francês.
Jânio Quadros renunciou em 1961, aparentemente em jogada política para tornar-se ditador. Voltaria nos braços do povo e respaldo de tanques. Não deu certo. Richard Nixon renunciou em 1974, sob ameaça de impeachment, depois de processo sobre espionagem de sede do Partido Democrata, no edifício Watergate, em Washington.
O que há de comum em todos esses casos de renúncia presidencial? A existência de grave crise política. Do lado do governo, esgotamento das condições do presidente assegurar a governabilidade. Do lado do sistema produtivo, ausente confiança de agentes econômicos, paralisação de investimentos e aumento de inflação e desemprego.
Pois bem. No caso da presidente Dilma Rousseff, sobrepõem-se três crises: crise de liderança, crise política e crise de confiança. Crise de liderança de presidencialismo sem presidente. A presidente não governa efetivamente. Ela exerce mando formal. Ela não lidera nem sua própria base parlamentar. Crise política dentro e fora do governo. Dentro do governo porque o PT não subscreve os projetos de reforma previdenciária nem de reforma fiscal. Fora do governo porque as investigações sobre corrupção avançam. Com a prisão de João Santana e com o prosseguimento da investigação do Ministério Público de São Paulo sobre a cooperativa habitacional que construiu o tríplex do Guarujá. Crise de confiança como consequência das duas crises anteriores. As empresas não investem em clima de incerteza como esse. Os políticos acentuam a política do ganho imediato. Pensando em 2018.
Toda renúncia tem uma arquitetura, que seria construída ao redor da presidente. Arquitetura tecida em dois níveis:
- No nível de fatos reais, cujo contexto político e social é insustentável, em impasse político de governo e paralisia de decisões econômicas no setor privado;
- No nível de lideranças políticas, com reconhecimento da insustentabilidade da situação e coordenação de iniciativas suprapartidárias para superar o impasse.
Trata-se de cenário inspirado em choque de realismo político, constatando o óbvio: o país é mais importante que as pessoas. Cria-se o consenso de que é preciso agir. Então, por que as lideranças do país não se entendem para produzir a solução do impasse? E levar à presidente escritura política abolindo sua escravidão pessoal? E, logo, o ato de vontade ou a vontade dos fatos produzirá o futuro.
Encerremos a semana com a poesia do chileno Pablo Neruda. Dono literário da Ilha Negra e condômino do prêmio Nobel. Sua obra tem o tom rubro do lirismo e a lira prata do coletivo. Sendo lírica e social, é amplamente ética. Como neste trecho do soneto LXXXVIII de Cem Sonetos de Amor:
“O mês de março volta com sua luz escondida
E deslizam peixes imensos pelo céu,
Vago vapor terrestre progride sigiloso,
Uma por uma caem ao silêncio das coisas.
Por sorte nesta crise de atmosfera errante
Reuniste as vidas do mar como as do fogo,
O movimento cinza da nave de inverno,
A forma que o amor imprimiu à guitarra”.
Até a próxima.
Luiz Otávio Cavalcanti
Melhor ainda ler você nas páginas da “Será”
Abraço fraterno,
Maria Cristina
Obrigado, MC.
Prezado Luiz Otávio,
Não o conhecia até alguns minutos atrás e agora vejo que temos algo em comum.
Procurando o meu livro, que escrevi para minha filha – “Cartas para Valentina” encontrei o “Cartas a Valentina” livro do avô para a neta.
Não consegui ler o seu livro porque está indisponível na prateleira da livraria Cultura virtual.
Mas gostaria muito de ler o que você escreveu para sua neta e também que você lesse o que escrevi para minha filha.
Grande abraço,
Carmen Naves