29 de setembro de 2016
Deitada na rede no terraço da casa de Marília, em Tamandaré, posso escutar e ver o mais esmeralda de todos os mares que conheci. Sebastião fotografa sem parar. Reservo para ele uma surpresa ainda mais bonita para o último dia.
Conheci-a, como os de minha geração, deserta, longas areias, uma igrejinha perdida em imenso coqueiral. Os bares, sorrateiros, chegaram primeiro. Nós, pernambucanos, íamos descobrindo aquela joia rara de nosso litoral. Ali, é como se a cor de esmeralda, que eu vejo desta varanda em Tamandaré, se ornasse de uma natureza ainda mais deslumbrante.
Saímos cedo de casa. Aproveitar as várias claridades do sol, boas para fotografia. Uma placa improvisada, meio corroída pela ferrugem, anuncia o limite entre Tamandaré e Carneiros. Inicia-se aí o périplo de uma pernambucana, orgulhosa em mostrar a mais linda de suas praias ao carioca do mar que vive na montanha.
Apropriamo-nos dos lugares belos que fazem parte de nossa história pessoal com o mesmo orgulho que sentimos com qualquer feito vitorioso de nossos filhos. Queremos compartilhar.
Inútil tentativa. Todas, absolutamente todas as entradas para a Praia dos Carneiros estão com acesso exclusivo a proprietários de sítios, casas, pousadas, bares, restaurantes. Com horário comercial para entrada: das 9 às 16 horas. Num deles, uma cerca separa o lugar onde ficarão os carros e ônibus de turistas à sombra do coqueiral, e a entrada para o bar, único meio de chegar ao mar. Para atravessar a cerca, doze reais.
Módica quantia, comparada à fortuna que mexicanos, sul-americanos em geral, incluindo nós, brasileiros, pagamos ao “coyote” para atravessar a vergonhosa cerca de Tijuana, que há muito, nesses tempos de globalização do capital, está se espalhando pelo mundo, para impedir aos pobres chegar aos locais dos ricos.
Que isso se faz em todo canto não é novidade nem desculpa. Boissucanga, linda praia do litoral norte de São Paulo, foi pioneira. Só que lá existem pelo menos umas ruas, discretas, é certo, mas existem, que dão acesso público à praia. É inconstitucional vedar ao público o acesso à praia.
Convenhamos que aqui exageraram na dose. Em uma das barreiras, o guarda motoqueiro, embora jovem, lembrava, no tratamento grosseiro e prepotente, um feitor de antigos engenhos. Engenhos de paisagem tão bucólica, encontrados no caminho da praia, arrodeados dos cocurutos de cana que serviram um dia de motivo para o nosso poeta maior. Arrancassem todos aqueles pés de cana (agora que o poeta já se foi), a raiz daquele mal ainda perdura, espraiou-se pelas cidades em gestos, atitudes, comportamentos de mandos e subserviências.
Aliás, a Praia dos Carneiros, que não vimos hoje, nunca esteve tão encravada numa Casa Grande.
Que sentimento de distopia, Teresa. Quando você começa, imaginamos tudo menos que sua página de reminiscências acabe com uma constatação tão melancólica. Mas sempre gosto de seu tom.
Beijo,
FD
Beleza de crônica. Mas ao fim da leitura o que fica em mim é a revolta. Mais ainda do que em certas partes do litoral paulista e do litoral carioca, vejo que o fundamento da democracia, a igualdade perante a lei, não se aplica no acesso às praias mais verdes do nosso litoral. Por lei, a praia é pública, não pode se dar a apropriação privada. Conheço o pedaço de litoral paulista que Teresa Sales mencionou. Peguei, com amigos, uma dessas vielas estreitas que dá acesso à praia fechada por belas mansões: é verdade que há acesso livre, formalmente, mas é verdade que a gente não se sente propriamente à vontade em uma tal praia, observada pelos seguranças que guardam a parte de trás de cada casa que dá para a praia e o mar. Mas a praia que vi dali não era nem de longe tão linda quanto a da foto de Teresa. Benvinda de volta, com o lirismo envolvendo a denúncia.
Ah, Helga, adorei tua frase final: “benvinda de volta, com o lirismo envolvendo a denúncia”. Obrigada aos dois pelos comentários.
Bonito, Tessinha, gostei! Você mostra que a denuncia pode ser feita com elegância e talento da escrita. Bonito e sério….