Se sobreviver à onda de denúncias da Lava Jato e aos desmantelos e impropriedades de alguns dos seus auxiliares diretos, Michel Temer deve terminar o seu mandato como o presidente mais impopular da história do Brasil. Será péssimo para sua imagem e para sua biografia política. Mas pode ser muito bom para o Brasil. Por que? Porque parte da sua impopularidade decorre de decisões e iniciativas políticas que desagradam à população no curto prazo, embora sejam indispensáveis para tirar a economia brasileira do atoleiro, preparando condições melhores no futuro. A definição de um teto para os gastos primários – Emenda Constitucional aprovada nesta semana – e a proposta de reforma da previdência são medidas drásticas que, no entanto, enfrentam as causas fundamentais da dramática crise fiscal brasileira, que inviabiliza a execução de uma estratégia de desenvolvimento.
Claro que a impopularidade do seu governo é anterior e mais geral, tem a ver com a sua ascensão através do impeachment, com os seus próprios erros e suas fragilidades, e pelo envolvimento em corrupção de parcela não desprezível da sua base política (sem esquecer que os principais políticos acusados de corrupção teriam cometido os supostos crimes ao longo da gestão do PT-Partido dos Trabalhadores, do qual eram aliados próximos). O presidente Michel Temer não tem a menor chance de ser popular num curto mandato, tão tumultuado e com forte recessão e desemprego, e com a desestruturação dos serviços públicos, mesmo que estes problemas tenham sido herdados do governo anterior. Mas ele poderia ter escolhido o caminho mais simples e fácil, no seu limitado e incerto mandato: ignoraria as restrições fiscais, deixaria crescer as despesas primárias e evitaria as reformas mais controversas. Conseguiria assim moderar a sua impopularidade, mas levaria o Brasil a afundar de vez na crise fiscal, esperando as eleições e entregando um Estado falido ao novo governo que assumirá em 2019.
O Brasil precisa fazer reformas profundas para reequilibrar as finanças públicas, e nenhum presidente pode avançar neste terreno, se estiver preocupado com os índices de popularidade, e se não tiver um mínimo de competência política para negociar a adesão do Congresso. Se não avançarmos neste governo transitório de Michel Temer, a responsabilidade ficará para o próximo presidente. E teremos perdido dois anos dramáticos de desequilíbrio fiscal. O presidente parece ter feito uma escolha política, discutível, mas até agora eficaz: ignorar a enorme impopularidade e montar um governo com base parlamentar, para realizar reformas antipáticas. O governo tem sido totalmente incompetente para dialogar com a sociedade (ou simplesmente considera perdida a “guerra” da comunicação em torno das reformas), mas tem demonstrado grande habilidade na construção do apoio no Congresso.
A popularidade de um governo tem uma relação direta com os gastos públicos. Quem gasta mais, mesmo acima da capacidade financeira, costuma ser popular no imediato, mesmo quando desencadeia processos negativos na economia. Por outro lado, a contenção dos gastos no presente é sempre impopular, mesmo que seja necessária para recuperar a capacidade de gestão e investimento público no futuro. As consequências das duas escolhas – aumentar os gastos ou conter as despesas (resistindo à tentação do prestígio imediato e à pressão dos grupos de interesse) – são perceptíveis apenas algum tempo depois, quase sempre após concluído o mandato governamental. Quem gasta colhe os frutos imediatos, deixando o ônus para o futuro; quem aperta as despesas provoca a revolta da sociedade, mesmo que entregue as finanças públicas equilibradas. Essa é a escolha politicamente difícil, num momento de crise fiscal como vive hoje o Brasil.
Felizmente, até agora o presidente Temer escolheu o caminho da impopularidade. O seu governo será tão impopular quanto mais demonstre sua disposição e capacidade política para aprovar medidas de enfrentamento da gravíssima crise fiscal do país, que, no entanto, podem gerar resultados no médio prazo. Contudo, se tiver sucesso nas reformas e, como se espera, em alguns anos mais, a economia brasileira voltar a crescer com estabilidade, o impopular ex-presidente Temer poderá ter reconhecida, mais tarde, a sua contribuição para a recuperação das finanças públicas. Terá preparado o caminho para o novo governo que assumirá em 2019, e que terá capacidade financeira para a implementação de ações prioritárias que promovam o desenvolvimento e a melhoria da qualidade de vida da população.
Mais uma vez Sérgio Buarque você coloca o ponto no i, com precisão e clarevidência. Um governo frágil, difícil de defender, mas, absolutamente necessário. Parabéns!
O problema é que a impopularidade de Temer tem que ser datada., ou seja, até junho de 2018 ele tem entrar em um ciclo de recuperação, do contrário qualquer alternativa eleitoral que tenha tido algum contato com ele ser derrotada,abrindo, por conseguinte, a possibilidade da volta do populismo.
Arlindo
Dificilmente as políticas de Temer apresentarão resultados relevantes antes das eleições de modo que, como disse, ele deve terminar o mandato como o mais impopular da história do Brasil. Claro que esta impopularidade pode facilitar a emergência de um forte candidato populista nas eleições de 2018. Mas o governo Temer está deixando uma poderosa vacina contra irresponsabilidades populistas com a PEC do teto do gasto que impede que o futuro presidente quebre outra vez o Estado, talvez a grande herança do seu governo. Lula já estaria anunciando que vai se candidatar a presidente com a promessa de anular a PEC. Mas eu duvido que ele se eleja e, mesmo que consiga, duvido mais ainda que consiga reverter uma mudança na Constituição. Sergio
Parabens. Concordo em número, gênero e grau. Não em ênfase. O Michel é pior do que o pintado no quadro do Sergio. Mas não deixa de ser necessário.
Concordo com o comentário de Carlos Guido: Sérgio Buarque é a voz da sensatez, com coragem de abordar o que é difícil de defender porque impopular (como a reforma da Previdência ou o governo Temer), mas que é necessário defender olhando para o futuro e sem fanatismo, para que o país volte a encontrar o caminho da ordem e do progresso. Eu continuo defendendo a “pinguela”, mesmo com remendos aqui e acolá, para chegarmos a 2018 sem afogar.
Oi Sergio,
Aqui vou eu dar minha opiniao outra vez. Agora sobre a sua afirmacao quanto aa PEC que limita os gastos primarios.
Nao vejo como esta medida tomada pelo governo Temer possa ser considerada como ajudando a tirar a economia brasileira do atoleiro. Ela favorece unicamente ao setor financeiro que nao produz nada. Uma estrategia de desenvolvimento passa necessariamente pelo aumento da producao. Como atualmente mais de 45 % do orcamento do governo vai para o pagamento de juros e amortizacao da divida publica (DP), restam poucos recursos para incentivar o aumento da producao. A PEC recentemente aprovada limita unicamente os gastos primarios sem fazer nenhuma referencia aos gastos com o pagamento dos juros e amortizacao da DP, que sao de longe os maiores do governo.
Quando se compara as taxas de juros aplicadas aa DP do Brasil com as taxas que se aplicam no resto do mundo, se constata que as taxas de juros pagas no Brasil sao de longe as mais elevadas do mundo descontada a inflacao. Estas taxas de juros sao elevadas porque apenas um pequeno grupo de atores do sistema finaceiro, os dealers, podem comprar ao governo os titulos da DP. Um investidor que queira comprar um destes titulos, tera necessariamente que compra-los atravez de um dealer. E os dealers se recusando a comprar ao governo estes titulos se as taxas de juros nao forem tao altas quanto eles querem, eles impoem as taxas exorbitantes que se tem hoje no Brasil.
Nao se pode saber a quantidade de titulos da DP que ficam nas maos dos dealers. Nem mesmo durante uma CPI se conseguiu obter esta informacao de maneira detalhada. Os brasileiros pagam juros altissimos por esta divida mas nao podem saber a quem eles a pagam.
Se o governo quer tirar a economia brasileira do atoleiro, muito mais importante do que limitar os gastos primarios, seria limitar as despesas com a DP baixando as taxas de juros. Eh so permitir que qualquer investidor possa comprar diretamente ao governo os titulos da divida publica sem precisar necessariamente de passar por um dealer. De maneira geral, os investidores teem interesse em comprar estes titulos mesmo com taxas de juros bem mais baixas que as atuais, porque as taxas de juros de varias de suas aplicacoes pelo mundo sao de apenas alguns poucos % ao ano.
Por outro lado, com esta PEC aprovada, estes limtes de gastos se aplicarao por um periodo de 20 anos. Assim, nos proximos 20 anos, os diferentes governos nao disporao de flexibilidade para fazer grandes escolhas de programas que aumentem os gastos de um setor. Para isso terao que fazer uma nova Proposta de Emenda aa Constituicao.
Um abracao
Joao Baltar
Caro amigo João
Em nenhum momento eu estou considerando que a PEC é uma estratégia de desenvolvimento. Acho que a PEC cria um modelo de gestão fiscal para evitar a aceleração da degradação das contas públicas que, esta sim, impede a implantação de qualquer estratégia de desenvolvimento. Eu espero que até 2018 haja melhorias significativas nas finanças públicas que alimente um debate rico na campanha eleitoral sobre estratégia de desenvolvimento para o futuro governo. Se até lá não houver um reequilíbrio das finanças públicas, o futuro governo vai penar e vai ter que tomar medidas de ajuste fiscal talvez mais fortes.
Não concordo com você que a PEC “favorece unicamente ao setor financeiro” e que “atualmente mais de 45 % do orcamento do governo vai para o pagamento de juros e amortizacao da divida publica”. Nos anos mais recentes, o governo sequer tem tido recursos para pagar os juros da dívida. Precisamente porque não teve superávit primário. Em 2016, o orçamento da União fechou com um déficit primário de R$ 176 bilhões. Para 2017 também se estima um déficit primário elevado. Isso significa que o governo não pagou nenhum centavo de juros da dívida, nem vai pagar em 2017, e ainda tem que se endividar no valor do déficit. Como você sabe, só quando o Estado consegue ter um superávit primario (o que sobra da receita depois das despesas primárias) pode saldar compromissos da dívida. O orçamento tem que explicitar a dívida que vence no respectivo ano mas, quando não prevê superávit primário deve incluir apenas autorização para emissão de títulos da dívida para rolar o principal e os juros. Por isso, para 2017 está prevista autorização para emissão de títulos no valor total de R$ 946,40 bilhões aumentando o valor total do estoque da dívida. Isso não bom, claro. Mas mostra que, em vez de apertar os gastos para cumprir uma parcela desta dívida, o governo preferiu (ou foi obrigado pelas circunstâncias) rolar a dívida. Na verdade, o que a PEC fez foi definir que o Estado só pagará dívida quando tiver aumento real de receita (que depende da retomada do crescimento do PIB) que supere as despesas primárias. A PEC está longe, portanto, de favorece o setor financeiro.
São vários os fatores que elevam as taxas de juros no Brasil. Mas, com certeza não é porque “apenas um pequeno grupo de atores do sistema financeiro, os dealers, podem comprar ao governo os títulos da dívida pública”, como você diz. Que eu saiba, não existe restrição legal para qualquer cidadão comprar títulos da dívida, havando provavelmente, limitações operacionais. Na verdade, são milhões de brasileiros que têm qualquer aplicação financeira das suas reservas em um banco ou instituição finacneira que são efetivos credores do governo. Todos os brasileiros de classe média que têm aplicação financeira em bancos ou em Fundos de Investimento são portadores de títulos da dívida pública e recebem juros por esta aplicação. As operações são realizadas através das instituições financeiras e fundos de investimento, além dos fundos privados de previdência (estes detêm 23,6% dos títulos). Eu duvido que os milhões de brasileiros que estão aplicando suas reservas nestes títulos mantenham suas aplicações se a taxa de juros cair num patamar baixo. Vão, provavelmente, preferir retirar seu dinheiro do banco e destinar a outras aplicações ou mesmo ao consumo.
Esta é uma das razões que me levam a considerar irresponsável propostas de calote da dívida: a dívida é interna, o governo deve aos brasileiros. Além de acabar com a credibilidade financeira do país (e nenhum país pode viver sem crédito), o calote penaliza duramente a classe média e provoca uma profunda crise de liquidez e recessão econômica. Lembra do Plano Collor? Foi isso que ele fez. E, sabemos todos, foi um desastre
Abraços, Sergio