Continua circulando nas redes sociais uma simulação do cientista político Itamar Portiolli tentando demonstrar que, em vez de contribuir para o INSS, seria muito mais vantajoso para um trabalhador aplicar os mesmos valores da contribuição (incluindo a parcela do empregador) numa poupança individual. Após 35 anos de aplicação nesta poupança, o trabalhador contaria com ativos muito superiores ao que receberia de benefícios do INSS no restante da sua vida de aposentado. Mesmo considerando que a simulação esteja correta (depende das hipóteses e cálculos), o que emerge da demonstração do cientista político é uma pergunta, simples e direta: para que serve a previdência social, se cada trabalhador, fazendo sua própria poupança, garantiria um resultado melhor do que o sistema previdenciário está oferecendo? Não seria, portanto, melhor acabar com a previdência social? Nada de longas, intermináveis e apaixonadas discussões sobre reforma da previdência. Se o cálculo é tão perfeito, vamos extinguir a previdência, e cada trabalhador que faça sua própria poupança, ainda que complementada pela parcela do patrão. A simulação parece demonstrar que é preferível privatizar e individualizar a preparação de cada trabalhador para sua própria velhice (ou invalidez).
Simples assim. Todo trabalhador que entre agora no mercado de trabalho passaria a contribuir para a sua própria aposentadoria, e esqueceria a previdência social. Bom, se este trabalhador morrer depois de 5 ou 10 anos (ou mesmo 20) de poupança, os dependentes vão receber uma merreca, e não uma pensão vitalícia. Ou, se ele sofrer um acidente ou doença grave e ficar inválido depois de 5 ou 10 anos (ou mesmo 20) do início da contribuição vai ter que se virar no restante da sua vida (que pode ser longa) com esta merreca. O Estado que se vire para pagar as aposentadorias e pensões dos que já estão aposentados, ou devem se aposentar nos próximos anos. E como o Estado não cria dinheiro, o contribuinte vai terminar pagando a conta. Sim, porque se cada trabalhador faz sua própria poupança, quem vai pagar os benefícios dos que já estão aposentados, e daqueles estarão se aposentando no futuro (para não falar nos pensionistas)?
A falha dessa simulação é que ela esconde o fato de a previdência social ser um sistema de solidariedade dos trabalhadores ativos com os inativos, seja porque estes envelheceram ou porque ficaram inválidos. Ou seja, os que estão trabalhando e os que entrarem agora no mercado de trabalho contribuem para pagar o benefício dos que já se aposentaram, ou vão se aposentar nos próximos anos. Da mesma forma que, quando eles se aposentarem (mesmo com apenas 5 ou 10 anos por invalidez), os outros trabalhadores ativos vão garantir a sua pensão ao longo da vida. O que é injusto com os trabalhadores ativos (especialmente os que estão entrando agora no mercado de trabalho) é que estes contribuem desde agora, e vão contribuindo durante toda a sua vida útil, para pagar aposentadorias de milhões de pessoas que já se aposentaram, ou estão prestes a fazê-lo com apenas 58 anos de idade (média das aposentadorias) e com pouco tempo de efetiva contribuição. Para não falar nas aposentadorias integrais dos servidores públicos que, muitas vezes, incorporam gratificações e outros penduricalhos, e na duplicação de aposentadorias e pensões, que geram altos benefícios. Isto é injusto. Mas, como não se pode mexer nos direitos adquiridos (mesmo em alguns que são bastante discutíveis), é necessário mudar o sistema radicalmente, com uma idade mínima de 65 anos e um tempo mínimo de contribuição mais elevado.
O cálculo do professor leva, como conclusão, à defesa do sistema privado de previdência, que calcula o benefício a que cada aposentado tem direito com base no valor e no tempo da sua contribuição ao longo dos anos, e na expectativa média de vida da população (cálculo atuarial individual). Nada mais liberal que isso. Cada um por si. Fim da solidariedade e grande risco no caso de invalidez. Porque os planos privados não incluem esta alternativa, a não ser com uma inviável contribuição? Este modelo de capitalização privada tem grande mérito e tem sido defendido (já foi criado para os servidores públicos), mas apenas como um sistema complementar, e desde que mantido o sistema público, com solidariedade entre trabalhadores ativos e inativos. O que o cálculo do cientista político omite.
(*) Sérgio C. Buarque é economista e escritor.
O cientista político mencionado por Sergio Buarque confunde Previdência com plano de poupança individual para a velhice, e ignora que podem acontecer imprevistos que inviabilizem essa poupança individual. Tem um outro grupo que confunde Previdência com política salarial, acha normal o aposentado sair com aposentadoria igual ao salário, um absurdo que só existiu para funcionário público no Brasil. A reforma que coloca todos no mesmo teto do RGPS só vale para quem entra no sistema após a aprovação da reforma, e assim continuamos a ter milhares de funcionários com aposentadorias superiores a 20 mil e até 30 mil pagas pelo estado. Há até casos de quem está recebendo mais de 100 mil pagos pelo estado, por acúmulo de pensões por morte e aposentadorias. A tese dos direitos adquiridos, adotada sem nuances, prolonga iniquidades nas aposentadorias, como já mostrou Brian Nicholson em seu livro “A Previdência Injusta”.
Não vi essa proposta de Itamar Portiolli em favor de uma privatização da previdência. Mas pelo seu exposto, ela não se sustenta. É old fashion também. O futuro aponta na direção da solidariedade. Sejamos otimistas.
Faz algumas semanas lembrei a proposta, que faz parte do programa do candidato socialista francês Benoit Hamon, a Renda Básica Universal, aplicada atualmente como teste na Finlândia num grupo de cidadãos.
O motor dessa opção considerada utópica para muitos (como era utópica a aposentadoria para todos, ao ser proposta na Alemanha e na França)é a realidade da crescente automatização nas atividades humanas, nas indústrias, o surgimento dos robôs e do numérico.
Ou seja, aqui na Europa mas logo também aí no Brasil, haverá cada vez menos trabalho, com o consequente aumento incontrolável do desemprego.
Toda e qualquer reforma da previdência tem de levar em conta essa realidade, sob pena de provocar uma grave crise social.
A solução está na ordem inversa do pretendido pela direita francesa e pelo atual governo brasileiro – não se deve aumentar a idade da aposentadoria porque o desemprego, de uma maneira geral, começa aos 55 anos. Além do fator automatização, as empresas preferem renovar seus quadros com a chegada de jovens ganhando salários menores, além de se etar impondo o trabalho temporário.
A essa diminuição da idade de cessação do trabalho, deve-se juntar jornadas menores de horas de trabalho. Esse o futuro, não vai mais se poder se continuar as mesmas fórmulas do passado para a nova sociedade em formação, na qual as pessoas viverão mais, num mundo com novas tecnologias reduzindo os tipos de postos de trabalho, favorecendo um outro tipo de vida no qual o lazer terá maior destaque.
No fundo esse processo de novo futuro já começou com a juventude criando novos hábitos alimentares, básicos para um vida mais longa e sadia.
A Finlândia como o próprio Thomas Pikety, que apoia Benoit Hamon, na França, já trabalham com esses novos componentes sociais.
Por isso, se discutir – como também aqui na Suíça – reformas previdenciárias no esquema antigo não terão soluções duráveis. Nesse novo mundo que está surgindo, a solidariedade social levará à criação da renda básica para todos, integrada com um sistema de previdência do qual participarão os que, durante sua vida ou parte dela, tiverem exercido atividades profissionais (o que ocorrerá com a quase totalidade da população). Os jovens terão uma renda durante seus estudos e os idosos uma aposentadoria digna e suficiente.
Por isso, agora que a utopia de Thomas Morus vai tomando corpo, acho que as energias dos economistas deveriam se direcionar nesse sentido, seria melhor para o progresso social. Mesmo porque estamos vivendo um momento no qual as utópicas ficções científicas vão se tornando realidade no nosso cotidiano.
Rui Martins, do Direto da Redação.
Caro Rui
O Itamar Portiolli não propõe privatização. Ele apenas usa o artificio de uma poupança privada e individual para dizer que sobra dinheiro e, portanto, não é necessária nenhuma reforma da previdência. Eu conclui daí que, quem concorda com esta vantagem da poupança privada e individual deveria defender que cada trabalhador prepare seu futuro e esqueça a previdência o que sim é ignorar a solidariedade do sistema de previdência.
Em relação à sua análise do impacto da revolução tecnológica no trabalho que, a seu ver, deveria levar a manter ou mesmo diminuir a idade de aposentadoria, entendo que isso pode ser viável na medida em que haja um aumento significativo da produtividade do trabalho o que está muito longe de ocorrer no Brasil: menos gente trabalhando para mais inativos, jovens entrando mais tarde no mercado de trabalho para estudar e idosos saindo mais cedo para “viver a vida”. Nas últimas décadas, a produtividade não cresceu quase nada no Brasil. A sua proposta tem outro problema, a dinâmica demográfica com duas características: primeiro que a população idosa (seja qual for a idade de corte utilizada) cresce em ritmo acelerado (mais de 3% ao ano para quem tem 60 anos e mais) enquanto a população ativa vai começar a declinar; segundo, a expectativa de vida que aumenta também muito com a formação de uma geração que, com saúde e capacidade intelectual, já não pretende parar de trabalhar e ainda pode contribuir muito para o desenvolvimento do país. Claro que podemos pensar num trabalho criativo e não remunerado. De qualquer forma, desconfio que, a não ser que seja proibido trabalhar, depois de aposentada a maioria dos “idosos” vai querer continuar trabalhando e disputando espaço no mercado de trabalho. Essa é uma boa discussão. Gostaria muito que você escrevesse um artigo para a Revista Sera para promover este debate.