Editorial

Os fatos políticos parecem indicar que Michel Temer não pode mais continuar na presidência da República. A suspeita de tentativa de obstrução da Justiça pelo presidente, comprando o silêncio de Eduardo Cunha, acabou com o que lhe restava de respeitabilidade e condições para governar. A renúncia ao mandato seria o mínimo a fazer, para poupar o Brasil de uma traumática transição política e institucional. Um gesto de dignidade política, mesmo reconhecendo-se o risco de o país entrar em perigoso vazio político, que pode empurrá-lo para o abismo.

É lamentável que tenhamos de entrar em outra delicada instabilidade institucional, precisamente no momento em que a economia brasileira mostra sinais consistentes de recuperação econômica, depois de dois anos de profunda recessão. E quando avançavam as negociações e os acordos no Congresso,  para aprovação das reformas estruturais – Previdenciária e Trabalhista – fundamentais para o reequilíbrio das finanças públicas e a estabilidade econômica. Até quarta feira, a expectativa dos agentes econômicos (Pesquisa Focus do Banco Central) apontava para uma inflação inferior a 4% este ano, bem abaixo da meta, e uma taxa de juros Selic em torno de 8,5% até o final do ano. Refletindo estes sinais, pesquisa da FGV-Fundação Getúlio Vargas mostra um aumento significativo da confiança do consumidor, em relação a abril de 2016.

Com seu entendimento promíscuo com empresários, o presidente Temer compromete a sua biografia, e empurra o Brasil para o risco de ruptura do processo de recuperação econômica e de aprovação das reformas estruturais. Este momento delicado da vida política do Brasil exige serenidade e responsabilidade dos homens públicos, e pede um amplo entendimento entre eles, para evitar aventuras e quebras institucionais que possam agravar a crise  e ameaçar os fundamentos da nossa democracia.

De imediato, deve ser firmado compromisso coletivo de respeito à Constituição. De tal modo que, com a renúncia do presidente da República, a transição siga rigorosamente as normas e os procedimentos previstos na Constituição para a vacância do cargo: posse imediata do Presidente da Câmara e realização de eleições indiretas em 30 dias, com escolha, pelo Congresso Nacional, do presidente que assumirá o governo de transição até as eleições de 2018. Além disso, o acordo político pela estabilidade e pela democracia deve convergir para a eleição de um novo presidente que esteja acima de qualquer suspeita, que tenha a confiança e o respeito das grandes forças políticas do Brasil, e que seja aceito pelos principais partidos políticos do Congresso. Com tal perfil, acima dos conflitos partidários, o presidente de transição poderá quebrar a radical e fanática polarização político-ideológica que domina o país nestes últimos anos.

Por último, e não menos importante, o acordo político para a transição institucional até as eleições de 2018 deve envolver apoio decisivo à manutenção da equipe e da política macroeconômica atuais e a continuidade das negociações para aprovação das reformas estruturais. Desta forma, o novo governo pode avançar na recuperação da capacidade fiscal do Estado e, portanto, na retomada dos investimentos públicos, fundamentais para confirmar os sinais de equilíbrio e de reanimação da economia. Os brasileiros não suportam mais tanta instabilidade e tanta recessão econômica, que atingem principalmente os mais pobres, vítimas do desemprego e da inflação.