Paulo Gustavo

Marcel Proust (1871-1922).

Em seu livro “Proust, os horrores do amor” (não traduzido no Brasil), o filósofo Nicolas Grimaldi nos lembra que na “Busca” o amor é sempre “evocado como uma patologia”. Segundo ele, “Três teoremas regem todas as experiências do amor em Proust: 1) Só se ama o que não se possui; 2) Devemos nossos amores a nossos sofrimentos e nossos sofrimentos às nossas angústias; e 3) Cessa-se de desejar o que se crê impossível de se perder”.

Na origem do amor, como diz Grimaldi, há sempre uma ilusão, o que de certa forma ecoa as palavras do próprio Proust: “Em amor, qualquer que seja a escolha, é sempre errada”. O amor nasce da falta, do desejo exclusivo de conhecer uma pessoa, embora a presença da pessoa amada não nos complete como sonhávamos em nossa imaginação. E isso porque a imaginação — cuja lei maior, segundo Proust, é nunca poder imaginar o que está presente, mas apenas poder imaginar o que está ausente — é sempre desilusionante. No caso da paixão amorosa, é como se criássemos uma pessoa diferente da real para objeto de nosso afeto. É de dentro de nós mesmos, de nossas carências mais secretas e inconscientes, que o amor nasce e nos dilacera. É por nos espreitarem de dentro que o amor e o ciúme alteram, como uma droga, a nossa percepção da realidade. A imaginação será um fluido mágico por onde escorre o próprio encantamento do amor. Mas, diretamente proporcional a esse encantamento, surge a angústia que o amor nos causa, o embaraço que nos faz mudar de hábitos e de atitude.

Embora ciúme e amor percorram toda a “Busca”, três volumes destacam-se por cenas e reflexões sobre esse tema crucial da obra: No Caminho de Swann, A Prisioneira e A Fugitiva. Este último, segundo Jean-François Revel, em “Sur Proust”, “uma verdadeira ilustração prática, mesmo nos menores detalhes” do estudo de Freud em “Luto e Melancolia”. Por sua vez, o amor de Swann por Odete de Crécy — todo ele atormentado pelas angústias do ciúme e por um cortejo de signos que se colam aos amantes como marcas peculiares de sua própria história amorosa — seria o principal “estudo” onde Proust, com um prazer perverso, nos mostra todo o equívoco causado pelo “mal sagrado”.

Originário de forças poderosas e inconscientes, o amor propõe desafios e enigmas ao amante. Não traz a paz, mas a espada que corta e fere, que nos faz perder a inocência e a calma. Para Proust, o ser amado é uma espécie de duplo, pois “amar é uma espécie de criação de um indivíduo suplementar, distinto daquele que usa no mundo o mesmo nome e que formamos com elementos na maioria tirados de nós mesmos”. Por isso, não há amor sem ciúme, sem essa sombria projeção do amor próprio de cada pessoa.

Para o crítico italiano Pietro Citati, Proust percebeu que “o ciúme é o mais filosófico dos sentimentos”. Ele nos acicata a curiosidade. Ele nos instala em pleno labirinto da insegurança. Ele quer conhecer de uma forma absoluta e presumivelmente clara. Para o francês, “O ciúme nada mais é muitas vezes do que uma inquieta necessidade de tirania aplicada às coisas do amor”. O paradoxo é que o ciúme se apresenta como fiador do amor e ao mesmo tempo como seu terrível algoz. Tão profunda é a sua infiltração no imaginário que nem mesmo após a morte do ser amado o ciúme nos dá sossego.

Como se sabe, o drama de Swann se projetará no drama do amor entre o herói e Albertine. Esta, como Odete para Swann, é um “ser de fuga” (Para Freud, um ser narcísico e inacessível). Daí, pela lógica do despotismo amoroso, é inevitável ela tornar-se uma “prisioneira” numa tentativa desesperada e ilusória de um controle da situação. Mas Albertine, como a própria Odete, são várias mulheres ao mesmo tempo e, além do mais, sua sexualidade e sua identidade variam, oscilam e fascinam. O recurso à mentira sistemática e a ficções sobre si mesmas não são mais que uma nuvem sobre uma obsessão homossexual que se quer oculta e dissimulada.

Assim, o ciúme é uma terrível busca pelo incognoscível, pelo que nunca de fato está presente, e por isso mesmo sempre fadada ao fracasso. Num trecho de “A prisioneira”, o narrador refletirá que “O desconhecido da vida das criaturas é como o da natureza, que a cada descoberta científica recua, mas não se anula”. No caso da paixão amorosa, esse desconhecimento essencial se transforma em ressentimento, frustração e culpa. O amor e o ciúme, nascidos de uma mesma potência perturbadora, são fios da mesma lâmina e não têm outra função senão a da negatividade: ensinam pela dor e pelo sofrimento. De todas as desilusões, será essa a mais dura, porque, ao que parece, nos faz perder a nós mesmos, mostrando toda a inanidade do nosso desejo.

É sobre o desejo e seus avatares que comentarei no próximo Encontro. Até lá.