Toda vez que há uma crise no Brasil a classe política se apressa em passar a ideia de que o problema do nosso sistema político é o modelo de voto, o proporcional de lista aberta.
A partir dessa falsa premissa, o corolário natural é trocar de modelo, por qualquer que seja, qualquer mesmo, a julgar pelo que circulou na Câmara Federal nas últimas legislaturas. Consoante as propostas apresentadas, o país seria transformado em um imenso laboratório experimental de sistemas eleitorais.
De fato, apareceu de tudo: distritão, distritão misto, proporcional misto, proporcional misto flexível, proporcional misto em dois turnos, distrital proporcional, distrital puro, distrital misto, lista fechada, lista fechada flexível, e diversas variantes desses modelos. Uma festa!
Quase nenhuma energia foi gasta por suas excelências em diagnosticar os problemas do modelo atual (vigente no país desde 1945) e fazer proposituras para seu aperfeiçoamento.
E agora os nobres deputados tumultuam o percurso da PEC 282/2016 na Câmara, que mira acabar com a deformação mais gritante do sistema brasileiro de lista aberta, as coligações proporcionais, ao tentarem ressuscitar o famigerado distritão, um sistema já derrotado no plenário da própria Casa, que foi abandonado pelo Japão em 1993, a única democracia relevante que o adotou, e que hoje se circunscreve à Jordânia, ao Afeganistão e a duas pequenas ilhas: Pitcairn e Vanuatu.
O distritão é uma variante magnificada do distrital puro. Pelo mecanismo, a circunscrição eleitoral seria um grande distrito (o estado, o município). Pernambuco, por exemplo, seria um grande distrito com 25 cadeiras de deputado federal em disputa, cuja ocupação dar-se-ia pelos 25 candidatos mais votados da eleição.
E esta é a característica distintiva do sistema majoritário-distrital, tanto o do modelo puro quanto a da sua versão aumentada: a vontade do eleitor é respeitada e os candidatos mais votados do pleito são os eleitos (a chamada “verdade eleitoral”), independentemente de que partido provenham.
O sistema é também enaltecido pela sua simplicidade (inteligibilidade) e ainda por impedir spillover de votos de puxadores para candidatos de pouca dimensão eleitoral. Sendo um sistema majoritário, não há quociente eleitoral e as coligações proporcionais não fazem sentido. Seus méritos param por aí.
O rol dos deméritos é apreciável:
(a) Reduz o pluralismo político do Parlamento; (b) as minorias perdem influência e diminuem participação; (c) há pouca renovação da representação devido ao recall dos atuais eleitos; (d) os partidos grandes concentram mais votos e, por conseguinte, mais representação; (e) há supervalorização de pessoas famosas (extra partidárias) em detrimento da qualidade da representação; (f) aumenta a personalização da representação; (g) há pouca ligação entre o parlamentar e as bases eleitorais (baixa accountability); (h) os partidos são relegados a plano secundário; (i) reduz, mas não impede competição entre os correligionários de um mesmo partido e (j) o custo de campanha é elevado, favorecendo a influência do poder econômico.
Nunca é demais insistir em alguns pontos:
- a) As crises ética, econômica e política que devastam o país não são fruto do sistema eleitoral vigente.
- b) Todos os sistemas eleitorais têm vantagens e desvantagens. Não existe sistema eleitoral perfeito e não há nenhum método de divisão proporcional justo.
- c) Considerando os atributos desejáveis dos sistemas eleitorais (Jairo Nicolau), alguns atributos são satisfeitos por certos sistemas, mas não o são por outros, e nenhum sistema satisfaz a todos os atributos.
- d) É inapropriado falar-se de superioridade de um sistema de voto sobre outro. De onde se deduz que a mudança de um sistema para outro envolve ganhos e perdas.
Suas excelências deveriam parar com essas reiteradas e infrutíferas tentativas de inventar modelos de voto para experimentação no país e concentrar seus esforços na depuração do mecanismo vigente, lipoaspirando-o de suas deformações mais gritantes, começando com a extinção das coligações proporcionais.
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Maurício Costa Romão, é Ph.D. em economia pela Universidade de Illinois, nos Estados Unidos.
Concordo com o autor que a reforma política, a reforma das normas eleitorais, na verdade, não é a salvação da pátria e que todo regime politico tem vantagens e desvantagens, nada é perfeito neste campo. Mas sugiro que o mal maior de nosso sistema é o seu caráter antidemocrático refletido nos custos eleitorais. Movimento para reduzir custo aumenta a possibilidade de maior participação e menor influência do poder econômico no processo. Redução e não eliminação, digo. Por exemplo, a extinção da parafernália televisa e a definição de circunscrições eleitorais menores que um Estado podem baratear o custo das eleições e permitir uma maior participação. Parece-me que este pode ser um caminho, dentre outros. Contudo, as presentes regras mostraram-se incipientes e precisam ser melhoradas, não por parafernálias milagrosas mas mudanças que favoreçam a democratização do processo.
De toda forma, também concordo, que qualquer propositura de mudança deve estar embasada em um diagnóstico do mal a ser evitado. E entre estes encontra-se o alto custo eleitoral, assim como o desvio do voto do eleitor. Quais os principais males e as propostas de superação do autor?
Menos do que quererem nos transformar em laboratório de experimentação política nossos representantes estão buscando as regras eleitorais que lhes sejam mais favoráveis, em vista do desastre que pode ser para eles as próximas eleições. Instigo o autor: quais os principais males que deveríamos combater em nosso sistema eleitora? Quais as propostas para superar ou pelo menos reduzis estes males?
Maurício, seja bem vindo à nossa revista. Agora temos um especialista em sistemas eleitorais.
Concordo com tudo o que você diz, e não faço cerimônia de apontar minhas prioridades nessa matéria: proibição das coligações na eleição de parlamentares, cláusula de barreira e proibição de financiamentos públicos ou de empresas. Para mim, só deveria haver doações de pessoas físicas para as campanhas eleitorais.
Um abraço.
Concordo com o que disse Clemente Rosas. Além disso, democracia não é apenas eleições livres, transparentes e em equilíbrio de oportunidades. Inclui respeito do governo e dos cidadãos a uma lei básica (Carta Magna ou Constituição), domínio da lei (“rule of law”), proteção dos direitos das minorias contra a “tirania da maioria”, proteção da liberdade e dos direitos individuais, inclusive direitos de propriedade e de contrato, cujo cumprimento seja garantido por um judiciário imparcial, um sistema de controles (“checks and balances”) que evite excessiva concentração de poder. Assim, a construção da democracia é um lento processo, ainda há muita coisa por fazer antes que o Brasil se torne uma democracia plena.