Editorial

As revelações recentes da CIA, confirmando que Ernesto Geisel, quando presidente do governo militar, autorizou pessoalmente a eliminação física e sumária de militantes que lutavam contra a ditadura, mostram a face mais cruel dos anos de chumbo. E desmontam a ideia de que Geisel teria sido um ditador brando, que preparava a transição para a democracia, tendo, inclusive, punido alguns aloprados generais que “exageravam” na repressão. Na verdade, o período mais repressivo e violento do regime militar do Brasil foi o do governo de Garrastazu Médici (1969 a 1974), com forte censura à imprensa, repressão aos movimentos de esquerda, prisões em massa e intensificação da prática da tortura. Pelo que se depreende das informações da CIA, o que parece distinguir o governo Geisel do seu antecessor é a intensidade da repressão, a forma seletiva e cirúrgica de eliminação dos dirigentes dos grupos e partidos de esquerda, execuções sumárias para liquidar a organização. Esta política de eliminação seletiva tornou obsoleto um instrumento jurídico criado pela Lei de Segurança Nacional, de 1969, que autorizava pena de morte para crimes de natureza política que tivessem vítima fatal. Esta violência jurídica era pouco para Geisel e Figueiredo, porque a eventual condenação à morte teria que passar por um julgamento, mesmo que fosse pelo Superior Tribunal Militar. O governo militar tinha pressa. Ignorou os próprios instrumentos jurídicos e autorizou execuções sumárias, com ou sem tortura, independentemente das atividades e das ações praticadas pelos prisioneiros. A ditadura não pode ser avaliada pelo perfil do ditador, mas pelas circunstâncias políticas e pelas relações de força que podem levar a acentuar a repressão, ou ceder diante da pressão social. Os últimos governos da ditadura militar no Brasil combinaram os dois movimentos: eliminaram os líderes das organizações de esquerda, enquanto eram empurrados nas cordas pelo movimento civil e pelas instituições internacionais de direitos humanos.