Ah… não tem jeito! Mesmo sem a expectativa e a alegria de antigamente, basta a Copa do Mundo começar e me enfio numa bolha onde me isolo das encrencas do mundo: Lava-Jato, Donald Trump, Guerra às Drogas, Atlas da Violência, Jair Bolsonaro – tudo isso, e muito mais, fica de fora. O único inconveniente é a companhia, dentro da bolha, de Galvão Bueno! É a muriçoca dentro do cortinado. Mas, pôxa! Querer o quê? A perfeição, segundo alguns, só no céu; que, segundo outros, sequer existe. Então, vamos que vamos!
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A grande novidade nesta Copa é o árbitro de vídeo. Sou, por natureza, um misoneísta, alguém “que tem horror ao novo”, como define o Houaiss. (Olhaí um bom exemplo de misoneísmo: em vez consultar o Google, consultar o Houaiss!). Mas podemos todos, num esforço de honestidade, submeter nossa natureza a princípios. A verdade é um deles, e o árbitro de vídeo, conjugado com o velho slow motion(cada vez mais slow, aliás), permite que a arbitragem de um jogo de futebol corresponda, tanto quanto isso seja humanamente possível, ao que de fato acontece em campo. A ressalva vai por conta de que, sendo o futebol um esporte de velocidade e de contato, haverá sempre situações em que a “verdade objetiva” dependerá de interpretação. Naqueles enervantes “agarra-agarra” e “empurra-empurra” que se dão em escanteios, por exemplo, há lances que continuarão sendo motivo de acalorados debates por mais que os tenhamos visto, revisto e trevisto em várias velocidades e ângulos diferentes. Mais: a própria velocidade em que o lance é visto influi no nosso julgamento sobre ele. É o caso da falta de ataque que o jogador suíço teria cometido ao empurrar Miranda no jogo Brasil X Suiça: em velocidade “real”, nada se vê além de um Miranda pregado no chão enquanto o atacante Zuber salta e faz o gol. No momento do lance, o nosso impagável Galvão, tendo visto apenas o que todos vimos, diz num tom lamentoso: “deu bobeira na defesa brasileira…”; e Casagrande completa: “ninguém subiu, a defesa toda ficou parada…”. Imediatamente, porém, assim que surge na tela o lance em closee slow motion, o velho Galvão dá a volta por cima: “ôpa… Arnaldo!”.
Não há como negar que houve o empurrão. Mas foi um empurrão leve – tanto que Miranda, mesmo empurrado, não caiu! Teria sido suficiente para caracterizar uma falta de ataque, ou não? As dúvidas, todas legítimas, persistirão per omnia saecula saeculorum– se posso me permitir usar o latim tão caro ao nosso amigo Clemente com tão irrelevante assunto. Por outro lado, pensem na tentativa feita por Neymar de cavar um pênalti no jogo Brasil X Costa Rica. No bico da pequena área, ele dá um corte com o pé esquerdo na bola para livrar-se do zagueiro e ajeitá-la para o pé direito. O jogador costarriquenho deixado pra trás tenta travar o brasileiro enlaçando-o pelo peito, mas no mesmo movimento retira o braço e desaba no chão. Neymar cai de costas logo após ele. Na hora, vendo o lance em velocidade “real”, não contive a vibração: “pênalti!”. Mas bastou a primeira reprise em closee câmera lenta para mudar de opinião. A queda para trás de Neymar foi tão desproporcional ao rapidíssimo contato de braço do costarriquenho no seu peito que não restou dúvida: foi simulação! Não conheço ninguém – salvo, claro o impagável Galvão de novo – que tenha continuado a insistir na tese do pênalti não marcado. Viva o VAR!
A verdade é que, na vida como no esporte, detesto vitórias com golpes abaixo da cintura. É também da minha natureza… Lembram do famoso “la mano de Díos” de Maradona na Copa de 1996? Pois bem: nunca gostei da glorificação que desde então se faz daquele gênio da bola naquele jogo contra os ingleses. Se a safadeza tivesse sido contra o Brasil (ou o Senegal, ou a Nigéria, ou Camarões…), tenho a impressão de que não acharíamos tanta graça naquilo. Como nunca me senti muito confortável com a mais que famosa “malandragem” supostamente cometida por Nílton Santos (logo ele!) na Copa do Mundo de 1962, no Chile: ao fazer uma falta dentro da grande área no jogo Brasil X Espanha, junto à linha demarcatória, deu dois passinhos para a frente, de modo a enganar o juiz – que, efetivamente, marcou a falta, mas fora da grande área, livrando o Brasil de um pênalti provavelmente fatal àquela altura, pois o Brasil perdia de 1 X 0 (jogo que ele terminou ganhando por 2 X 1). Faz algum tempo, navegando pelo Youtube(mais uma demonstração de que nem tudo que é novo é ruim), encontrei a íntegra daquela partida, e me pus a vê-la. Olhando atentamente o lance (e revendo-o uma, duas, três vezes…), me convenci de que a malandragemde Nilton Santos, ao dar dois passinhos para a frente, foi por uma boa causa, porque não houve pênalti! Houve, isso sim, uma simulação do jogador espanhol…
Convido o leitor a ir ao Youtube. Se não desejar ver a partida inteira, basta digitar “nilton santos malandragem”, e terá acesso diretamente ao lance, apresentado ao som de uma música de Bezerra da Silva que tem um refrão famoso: “malandro é malandro / mané é mané”. Sintomático, não? E, claro, indutor da tese do pênalti. O que vi – e continuo vendo –, entretanto, leva-me, antes, à tese da simulação. O atacante espanhol como que tenta dar um drible à laGarrincha: jogar a bola para a direita e escapar, correndo rapidamente atrás dela, do zagueiro à sua frente. Só que, no lance em questão, o atacante, em vez de seguir a bola – ou seja, desviando-se para a direita –, praticamente vai de encontro à perna esquerda de um Nílton Santos que quase não se mexe, caindo consequentemente. Derrubado! Qual nada… Para mim, ele mesmo “se derrubou”. O que acha o leitor?
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