Fernando Dourado

Faces – Ney Cardoso.

“Puxa, cara, estou genuinamente sentido por voc?. Nunca tive ilus?o de que n?o est?vamos em lados opostos do espectro pol?tico. Sempre soube que sim. Menos mal que isso quase nunca abalou nossa amizade. Agora fico triste de te ver assim, cabisbaixo, desmotivado, quase desmoralizado. Teu candidato n?o ? santo, acho que isso agora est? claro para todo mundo. E dos golpistas, eu diria at? que ele foi dos mais discretos. Mas essa turma tinha mesmo que pagar um pre?o, e acho que chegou a hora. ? tempo de at? voc? admitir. Olha que nem vou te perguntar em quem voc? vai votar no segundo turno porque pelo respeito que tenho ? sua intelig?ncia, sei que nem voc? nem o seu pessoal votariam?naquilo. E tem mais. Se antes voc?s podiam se queixar – at? com certa raz?o, n?o nego – de que nossa turma era meio radical e sem instru??o, tudo bem, posso concordar. Mas dessa vez a gente acertou em cheio. At? um xar? arranjamos para voc?, rapaz. Esse a? ningu?m vai poder apontar na rua e acus?-lo de dizer “menas laranjas”. Agora ??n?is?de novo”.

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“Minha gente, quem adivinha onde eu estive ontem? L? mesmo, na linda avenida Paulista, mais bela do que nunca. E adivinhem quem eu fotografei assim, como diria, bem de pertinho? Ele mesmo. E n?o ? que o homem impressiona quem v? de perto? ? lindo com aquele sorriso de gente do bem e os olhinhos rasgados. Deve ter nas veias sangue de ?ndio com liban?s. Brasileir?ssimo, portanto. O que mais me chamou a aten??o foi que ele andava bem r?pido, dava umas passadas enormes, dessas de quem n?o tem tempo a perder. Eu estava louca para tirar uma?selfie, mas a? pensei: quem sou eu para deter o avan?o da democracia, n?o ? mesmo? Ainda toquei o cotovelo dele com a ponta dos dedos e disse: “estou contigo, e falo em nome das mulheres pernambucanas, viu? Estamos firmes contra o feminic?dio, a favor do empoderamento e pela den?ncia do genoc?dio dos negros”. Ele olhou, fez um aceno e acho que ia fazer uma pergunta quando a esposa se colocou no meio. Ai, que ?dio. Para n?o deixar barato, eu ainda gritei: “voc? ? lindo. E nossos nomes come?am com a mesma letra, viu?” A futura primeira-dama n?o sorriu. O que importa? Ali faz?amos hist?ria”.

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“O recado que eu tenho a dar ? simples: vamos ficar quietinhos e caminhar pela sombra. Vamos tratar os advers?rios muito bem e elogiar todo mundo at? o segundo turno. ? burrice cobrar do companheiro uma posi??o sobre o Indulto, ou qualquer coisa que possa colocar em risco a imagem de estadista que ele vem conseguindo construir. A gente sabe que o Indulto vir?, mas ? importante fechar a boca e fazer coro com o candidato quando ele diz: o ex-presidente quer sim sair da cadeia, mas pelas vias do Judici?rio. Pronto, isso basta. Assim, a gente evita a antecipa??o de qualquer pol?mica. Tratem com carinho especial o cearense porque ? ele quem vai nos dar a vit?ria, se a coisa apertar. A mulher-gafanhoto do Acre tamb?m tem que ser afagada embora a gente saiba que ela vai chegar an?mica ao final do primeiro turno. Quem tiver amigo tucano – ou?conhecido?tucano, porque dessa ra?a s? sobra interesseiro e oportunista -, argumente. A maioria deles treme s? de pensar em ter que votar?naquilo. Com um pouco de insist?ncia e sorte, eles na ?ltima hora v?o mesmo ? votar com a gente. De qualquer forma, eles s? v?o se decidir na cabine e olhe l?”.

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“Pessoal, estou meio sem saber como agir e preciso de uma orienta??o de voc?s, pode ser? Quem me conhece, sabe que n?o gosto de bloquear ningu?m no Facebook e que sou radicalmente a favor da inclus?o e do direito ? palavra, at? a dos mais reacion?rios. Coisa de jornalista da velha guarda, n?o ?? Mas tem horas que a coisa fica puxada. ? um tal de receber insulto, de ter a p?gina invadida por militantes daquela?coisa, enfim, acho que vou ter que bloquear um bocado de gente. ? claro que tem tamb?m aqueles malucos beleza que j? est?o se antecipando ? vit?ria. A eles, tenho dito: devagar, companheiros, o andor ? de barro. Mas voltar a sonhar ? mesmo uma maravilha. N?o ? mero acaso que essa semana assinale justamente a chegada da primavera. J? pensaram nisso? Ah, mas me digam agora o que fa?o com os que me xingam? Vamos l?, quero ideias. N?o ? porque estamos voltando com for?a total que devemos perder a humildade. Mas que tem sido divertido, l? isso tem. Miriam Leit?o j? est? fazendo o?mea culpa?dos arrependidos. Como faz “The Economist” e at? o biltre do Delfim Netto, sempre esperto. Os fascistas est?o se rendendo e este ? bom sinal”.

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“Nossa bandeira come?ou pequena e agora ? um pavilh?o, minha gente. O afro-empreendedorismo ? uma forma de inclus?o que faz um bom complemento ? pol?tica de cotas, e talvez seja a forma mais eficaz de refrear o genoc?dio de nossos irm?os de ra?a, para os quais a elite tem fechado os olhos, e at? secretamente aplaudido.?J? v?nhamos pedindo a abertura de linhas de cr?dito nos bancos p?blicos para que o afro-empreendedor tenha um lugar digno no mundo empresarial. Chega de vender alisador de cabelo e de comprar diploma em faculdades que consomem a aposentadoria de nossas av?s e n?o garante emprego algum. Mas agora tudo mudou. Temos uma chance concreta de ir muito al?m. Gra?as ao companheiro que est? chegando l?, vamos frear as reformas anti-povo que vinham sendo maquinadas pelo capital internacional. E vamos retomar o projeto discutido com o companheiro Celso de abrir uma embaixada em cada pa?s da ?frica, sem qualquer exce??o. Nomeando alguns de voc?s como nossos embaixadores e c?nsules, o empreendedorismo de nosso povo j? come?a a ficar evidente. Vamos l?, sem revanchismo nem oba-oba. Essa parada j? ? nossa”.

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“Voc? acha que eu tripudiei o filho da puta? Coisa nenhuma. Pelo contr?rio, fiz tudo como nos velhos tempos. Deixei o celular na entrada, como quem deixava o cintur?o com o rev?lver, e abri o sorriso de sempre. “C? t? b?o?” Ele apontou o tornozelo e riu. Eu fiz o mesmo e ent?o rimos os dois. O anfitri?o continua pensando em tudo, como voc? deve imaginar. Conversou mole por cinco minutos, disse que precisava sair e que a gente estivesse em casa. Este sabe do riscado, mas tamb?m est? de coleira l? embaixo. Deixou uma garrafa de selo azul na mesa, um balde, e ainda disse: “j? v?o trazer uma linguicinha boa?proc?s. Adivinhem quem voltou a fornecer?” Quando ele saiu, fui direto ao ponto. Disse que tinha dado um trabalho virar aquele jogo. A direita estava na tempestade perfeita e ia perder. Mas ele sabia que mais do que antes, n?o ia dar para a gente governar sem apoio. E que a bancada ia querer combust?vel. “Diz a ele que a casa est? aberta. Tanto ele pode voltar para a Integra??o, se quiser, quanto pode botar algu?m l?, de prefer?ncia Deputado. A turma do Paran?, aquele h?spede que ainda est? l?, n?o descarta dar a Educa??o ou a Sa?de. A gente n?o vai bater nele, mas o apoio em novembro tem que ficar claro. Agora precisamos de grana em 3 estados”. Ele s? disse: “vou anotar tudo, Z?”. Vamos voltar a respirar, meu. Quem caiu, caiu. Quem n?o caiu, n?o cai mais”.

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“Nossos objetivos s?o outros. Pois agora voltamos a ter de nosso lado a energia, a esperan?a e muita, muita m?sica. O obscurantismo vai levar uma surra. Nosso candidato est? enfrentando a Globo, est? embalado pelo carinho do povo a quem d? ternura e simpatia, como voc?s t?m visto. Desde 1989, n?o h? uma campanha assim. E me digam: poderia haver vice melhor do que a nossa? As mulheres por tr?s do?hashtag?dela pressionam os maridos conservadores e pedem espa?o para a afirma??o e o respeito. O mundo LGTB fechou com a gente e vai dar um cala-boca nessa justi?a canguru que vai ter de achar argumento para tir?-Lo da cadeia. J? os tucanos, estes s?o fregueses antigos. Eles n?o t?m candidato a presidente, eles acharam que iam ganhar com um mediador idiota. E o cangaceiro do Cear?? Afagos, afagos e mais afagos. Os demais candidatos s?o tudo coc?. Agora tem gente que n?o me ligava h? tr?s anos e que come?ou a aparecer, a querer marcar almo?o. “C??t? sumido, cara. A gente precisa conversar” Eu disse, “t??aqui, uai”. Eu acho que vou explodir de alegria. Quer saber? Vamos tentar levar j? no primeiro turno, pode ser que d?”.

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