Clemente Rosas

Dom Pedro II.

Amigos, já haviam ouvido falar de uma cidade chamada Piumhy?  Confesso, eu também não.  Mas ela existe, perdida nas montanhas de Minas Gerais.  E nos idos de 1827, editou uma publicação: “O Almanach de Piumhy” (à semelhança daqueles ainda produzidos, nos meados do século XX, por fabricantes de remédios, como o “Capivarol”).  Os responsáveis pela edição foram Custódio Augusto Pereira da Veiga e Evaristo da Veiga.

Os personagens desta historieta são, em primeiro lugar, além dos senhores já citados, o ilustre escritor José J. Veiga, seu provável descendente, autor dos romances “Sombras de Reis Barbudos” e “A Hora dos Ruminantes”, belas contribuições do nosso país à corrente do “realismo mágico” latino-americano.  E mais, o imperador brasileiro D. Pedro II e o presidente americano Woodrow Wilson.

Sabemos que D. Pedro II foi uma figura notável em muitos aspectos, além da dignidade e do seu espírito democrático.  Falava vários idiomas, conhecia línguas mortas, como o latim, o grego e o sânscrito, mantinha relações de amizade com escritores, como Victor Hugo, e cientistas, como Alexander Graham Bell.  Em visita à exposição comemorativa do centenário da independência americana, no ano de 1876, na Filadélfia, foi o responsável por chamar a atenção do público, inclusive do renomado físico inglês Lord Kelvin, para o invento do telefone, que jazia esquecido a um canto.  E Lord Kelvin, alertado por ele, levou o invento para Londres, e acabou por promovê-lo, apesar do ceticismo generalizado com que foi recebido.  (Nesse episódio, o nosso imperador é descrito pelos historiadores Henry e Dana Lee Thomas como “um homem imponente”). E para finalizar, é autor de dois magníficos sonetos, perfeitos na forma, tocantes no conteúdo, sobre a abolição e o seu exílio, que li na infância e guardo na memória até hoje.

Sobre Woodrow Wilson, direi apenas que foi presidente da grande nação norte-americana ao tempo da Primeira Guerra Mundial.  Os presidentes dos Estados Unidos não precisam de apresentações.

Pois é, o romancista José J. Veiga, talvez em homenagem aos seus ancestrais, publicou em 1987 uma edição do “Almanach de Piumhy” restauradopor ele (não avalio o alcance da expressão restaurado).  E nela divulgou duas mensagens: uma do nosso imperador, em 1864, no auge da Guerra de Secessão Americana, dirigida ao presidente Abraham Lincoln; outra do presidente dos EUA, em 1917, dirigida às potências beligerantes da Primeira Guerra Mundial.  Convido à leitura desses dois documentos históricos.

Do Imperador D. Pedro II:

Falo em nome da humanidade e dos neutros da América do Sul, cuja indústria e comércio estão sendo seriamente afetados por essa guerra sem sentido.  É inconcebível que o poderoso Estado do qual sou imperador não represente papel algum nesse acontecimento.  Nenhuma paz que não inclua o Império brasileiro poderá manter o futuro a salvo de uma retomada dessa guerra indesejável.

Garantem-me os estadistas dos Estados Confederados que não têm intenção de esmagar os Estados Unidos da América.  Deve haver uma paz sem vencedor.  A base da paz é a igualdade dos Estados.

A humanidade busca a paz, e os Estados escravistas estão lutando pela liberdade, pelo sagrado direito de empregar os braços que trabalham à sua própria maneira.  Falo pelos amigos da humanidade em todas as nações.  Minha voz é a da verdadeira liberdade no mundo inteiro.

Estes são os princípios do Brasil, a política do Brasil.  E são também os sagrados princípios da humanidade

Do Presidente Woodrow Wilson:

Falo em nome da humanidade e de todas as nações neutras, como a nossa própria, muitos de cujos interesses a guerra põe em perigo.  É inconcebível que o povo dos Estados Unidos não represente papel algum nesse acontecimento.  Nenhum acordo de paz que não inclua o povo do Novo Mundo conseguirá manter o futuro a salvo da guerra.

Garantem-me os estadistas dos dois lados agora em luta, em termos que não permitem erro de interpretação, que não têm intenção de esmagar o antagonista. Eles deixam entender que deve haver uma paz sem vencedor.

A humanidade está buscando a paz, e não um equilíbrio de forças.  Talvez seja eu entre todos os povos a única pessoa investida em alta função com liberdade para falar sem nada ocultar.  Acredito estar falando pelas massas silenciosas do mundo inteiro.

Estes são os princípios americanos, a política americana.  São os princípios da humanidade, e devem prevalecer.

Que lição podemos extrair desse fato extraordinário?  É ponto de honra para o nosso imperador, que teve o mérito de ser plagiado pela autoridade máxima da nação mais poderosa da terra (por um bom tempo, pelo menos).  Mas, necessariamente, não faz do presidente W. Wilson um pilantra.  Ele cometeu apenas a imprudência de confiar demais no seu secretário particular e “ghost writer” Joseph Patrick Tumulty.  E este, por excesso de trabalho ou por preguiça, safou-se do encargo plagiando um texto de boa qualidade, cuja autoria imaginou que, decorrido mais de meio século, jamais seria descoberta.

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(*) FONTE: Arquivos implacáveis de Joaquim Inácio Brito, conterrâneo, amigo, e apreciador da boa literatura e da história recente do Brasil.