“Sr. Presidente, recebi com desolação a notícia de que Vossa Excelência infelizmente não vai poder vir à posse do novo presidente brasileiro. Quando atinei para a data do evento, e na qualidade de vosso humilde Embaixador em Brasília, julguei que era chegada a hora de mostrar a Lady Kwanza a propriedade de que havíamos falado. Trata-se de uma excelente casa num prestigioso condomínio do Rio de Janeiro, na medida exata para quem busca qualidade de vida, privacidade e segurança. Mas essas oportunidades estão sempre se renovando e acredito, com o devido respeito, que Lady Kwanza, nossa honrada Primeira-Dama, ainda esteja bastante ocupada em decorar o apartamento de Monte Carlo, segundo os padrões de bom gosto pelos quais é reconhecida em toda a África e que tanto nos honram. Minha preocupação hoje, Sr. Presidente, se prende mais à natureza protocolar do evento que acontecerá em 1 de janeiro. Confirmada sua ausência, imagino que nosso representante máximo venha a ser o Chanceler, pessoa de sua confiança e afeição, como é de todos os cidadãos de nossa briosa república. Ocorre que, se me permite uma observação, colhemos tanto pela imprensa brasileira quanto da boca de nossos oficiais de chancelaria que falam bem o português, que o Presidente Jair M Bolsonaro tem sabida aversão por quem é, simultaneamente, negro e obeso. Não me pergunte Vossa Excelência de onde se origina essa reserva, mas é um fato contra o qual não podemos nos insurgir. Como é impraticável que o Chanceler perca nas próximas semanas o peso que vem acumulando há 20 anos, à base de pratos fundos de pap três vezes ao dia, pediria encarecidamente a Vossa Excelência que intercedesse para que em seu lugar, viesse um de vossos filhos – observo que Mombo tem simpatia especial por este país -, ou então que eu mesmo represente solitariamente nossa alegre bandeira. O Brasil tem se revelado um país estratégico como plataforma de negócios e muito tem feito para construir vossa merecida prosperidade, se me permite dizer. Aceita ou não a recomendação, relatarei em outro informe o estado da arte de nosso fértil comércio”.
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“Respondendo, portanto, às pertinentes questões acima formuladas, resta-nos ponderar na linha que segue: a) Sergei Viktorovich, em audiência reservada com o MRE brasileiro, cujo novo titular é um durak, daria a entender que uma declaração genérica de simpatia do novo governo vis-à-vis a posição russa no Donbass, poderia ser contemplada com o abrandamento dos controles fitossanitários, o que destravaria a agenda bilateral das importações russas de proteína animal brasileira; b) Por ocasião das próprias reuniões dos BRICS, o presidente Bolsonaro certamente seria sensível a uma conversa reservada com Vladimir Vladimorovitch em pessoa, em que este tentaria disseminar o fato de que os blocos econômicos estão fadados ao colapso, e que o Mersosul não deve buscar acordos bilaterais com a União Europeia, mesmo porque seriam mais representativas as sinergias a ser tiradas no âmbito dos BRICS, inclusive no regime automotivo; c) Em instância cabível, convém colocar que Moscou vê com desagrado as rodadas de entendimento entre Brasília e Kiev com vista à retomada de um programa aeroespacial a partir da base de Alcântara, no Brasil; d) Não será difícil sondar os humores das autoridades com respeito ao acordo de venda da Embraer para a Boeing, e ainda que não tenhamos uma posição conclusiva a respeito, nada que possa evoluir para a cooperação na aviação militar é de nosso interesse; e) Dado nosso intento de reforçar presença na África subsaariana, com o fito de marcar posição diante de Pequim, Brasília pode ser uma plataforma sinérgica, dadas as afinidades culturais entre o Brasil e alguns dos países de lá; f) Alertar o novo Presidente de que a reeleição de Trump é quase inviável, pode desestimular uma aproximação excessiva, nos moldes da que se dá com Israel; g) Isso dito, em complemento ao item “a”, boa parte do contingente eleitoral de Bolsonaro está lotado em estados produtores de proteína animal, tanto no chamado Centro-Oeste (bovina) quanto no Sul (aves e porco). Qualquer retaliação comercial nossa, será duramente sentida por Brasília e ecoará no agronegócio. h) Por fim, o momento é propício para tudo o que diga respeito à indústria da defesa e, no curto prazo, de armamento leve. Saudações. A.K.Sokol”.
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“Assim, atendendo à solicitação explícita do palácio de Belém, na pessoa de Sua Excelência o Sr. Presidente Dr. Marcelo Rebelo de Souza, informamos que o cenário político do Brasil evolui rapidamente rumo a uma situação que aqui é tida como de normalidade. As semanas que antecederam a consagração do Presidente eleito Jair Bolsonaro foram, efetivamente, marcadas por grande tensão e por algumas incertezas. Dois de nossos consulados deram conta do recebimento de pedido de asilo e foram diversas as consultas sobre os trâmites a ser observados por interessados na emigração, mormente da parte de indivíduos que se sentiam visados pelo discurso do novo mandatário, no caso homossexuais e até alguns pretos. Embora incomum na paisagem cotidiana de qualquer uma das grandes democracias do mundo, no Brasil vige a prática de homens e mulheres sentirem grande necessidade de expor publicamente, em gestos e adereços, sua preferência sexual, o que vem causando marcada resistência a condutas tidas por ostensivas no seio dos segmentos mais conservadores, por assim dizer. No que tange às inclinações eleitorais de portugueses e descendentes que vivem no Brasil, já que Dr. Marcelo levantou a pertinente questão, reafirmamos que sondagens informais atestam a opção eleitoral pelo então candidato e hoje presidente eleito Jair M Bolsonaro. Atribuímos tal preferência não à identificação com quaisquer juízos radicais no plano dos costumes, o que que seria contrário à nossa realidade. Faz sim mais sentido, creditá-la ao engajamento da colônia nas atividades ditas produtivas – indústria, comércio e serviços -, mais sensíveis aos abusos sistematicamente perpetrados pelo antigo governo, que também passava a imagem de leniência para com as inúmeras modalidades de crime, neste país de repertório vasto em virtudes e em desditas. Nada indica que devamos experimentar um recrudescimento de taxas de emigração de brasileiros para Portugal no bojo dos últimos acontecimentos. Mas recomendamos atenção às nossas empresas às novas oportunidades que parecem se abrir no país-irmão. Longe da euforia, o ambiente de negócios é propício como poucas vezes esteve na última década”.
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“A desavergonhada propaganda anti-revolucionária tem pintado nosso país com as piores cores junto à opinião pública brasileira. A demonização de vizinhos é, como sabemos, a forma mais efetiva a que recorre o Fascismo para amedrontar seus governados e lhes incutir o medo. De nossa parte, temos envidado esforços para demonstrar que o que é conhecido como a crise venezuelana, decorre na verdade de uma grotesca atitude belicosa para com os rumos da Revolução Bolivariana e que somos também atingidos pela crise sistêmica que vem assolando o Capitalismo em todos os quadrantes do planeta. Nesse contexto, dada a tensa situação diplomática que se configura entre o Brasil e a Venezuela, em que não é descabido esperar pelo pior, sugerimos a criação de canais alternativos de interlocução com os focos de resistência ao novo governo que vão se formando no país, e que ganharão corpo com o passar do tempo. Sem embargo, convém atentar para o sugerido por nossos irmãos cubanos com respeito ao contingente de venezuelanos que têm aportado aos países vizinhos, tangidos pela poderosa propaganda anti-revolucionária. Nesse diapasão, à medida que colecionarmos atos de hostilidade para com Caracas, podemos emular o exemplo cubano e de seus marielitos, que foram desovados nos Estados Unidos nos anos 1980. Ou seja, poderíamos aliviar as pressões por que passa nosso sistema penitenciário e simplesmente abrir as cadeias, mandando comboios de detentos para o Brasil. Dessa forma, estaríamos gozando de benefício duplo ao ver-nos livres da escória de nossa população, e ao presentearmos o vizinho rebelde com uma camada adicional de problemas de segurança interna, que somar-se-á aos que já têm. Se a ninguém desservirá a morte dos delinquentes, que sejam eles trucidados pela bala alheia, com todo o ônus social e moral que a violência sistemática acarreta. Certo é que com a lamentável derrota eleitoral do PT, fecha-se mais uma porta de acolhida para o Presidente Maduro, na estratégia da criação de um segundo domicílio no continente, restando-nos, por enquanto, o domicílio do Altiplano, franqueado pelo camarada Evo, e o havanês, sempre mais perene”.
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“Embora tal manifestação de desejo não tenha sido vocalizada de forma explícita, parece claro que o presidente eleito torce intimamente pela presença do presidente Trump por ocasião de sua posse, em 1 de janeiro de 2019. Na impossibilidade desta prestação cordial, disse fonte familiar, Bolsonaro se contentaria com a presença de ninguém menos do que a do vice-presidente Pence. No entanto, a mesma fonte manifestou que uma visita de estado do presidente Trump ainda no primeiro trimestre de 2019, reforçaria a imagem do governo que entra, e atestaria cabalmente o alinhamento entre ambos os países. Ao que tudo indica, Jair Bolsonaro abraça o mesmo estilo despojado de rapapés, tão caro a Trump. Para desdramatizar os aspectos protocolares que tanto engessam a espontaneidade de certos mandatários, sugerimos ao Departamento de Estado substituir o chamado state dinner por um evento de confraternização mais informal, sem as esposas. Assim, organizaríamos na embaixada de Brasília um brunch a que ambos poderiam comparecer em trajes informais. Longe de ser um desafio para o catering, poderíamos providenciar os hambúrgueres que são da predileção de Trump e fazer Bolsonaro degustar um, o que não deve ser difícil. Já o contrário talvez não seja recomendado. É voz corrente na imprensa brasileira que o café da manhã preferido do brasileiro é uma fatia de pão – aqui dito francês -, recoberta por uma fina camada de leite condensado, uma espécie de skim milk muito doce, enlatado por uma empresa suíça, e que se coaduna bem com o paladar infantil do estreante. Para dita ocasião, já ouvimos a manifestação do desejo brasileiro de que se assine um memorando de entendimento dando conta de que consultas mútuas serão feitas periodicamente, com vistas a impor conjuntamente sanções comerciais e diplomáticas a países como a Venezuela, Cuba, Nicarágua e Bolívia. Recomendamos ao DE estudar os termos do programa Calha Norte, caro a alguns segmentos das Forças Armadas, que poderia ensejar manobras conjuntas na região amazônica, como forma de sinalizar nossa sintonia”.
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“Diante do acima exposto e valendo-me da prerrogativa inalienável de antecipar o período aquisitivo de férias, venho mui respeitosamente informar ao Ministro-Conselheiro e amigo que me afasto do CPP – Comitê de Preparação da Posse -, por entender que tenho coisas mais urgentes de que cuidar. Outrossim, gostaria que ficasse patente e registrado meu desagrado que a nosso Departamento tenha cabido organizar a atracagem em Brasília do que, internamente, até o sóbrio Embaixador Sarmento qualificou de NH, ou Nau de Horrores, para bom entendedor. Bem a propósito, se a família presidencial tem todo o direito de acolher quem quiser, é lamentável que a posse ganhe um viés de evento privado. Como justificar, dessa forma, a presença de um certo Sr. Steve Bannon, personagem âncora da Direta mundial, e tido por repulsivo até pelo presidente Trump? De que direito poderemos propiciar-lhe uma acolhida mínima, se ele é o primeiro a ignorar as hierarquias e as liturgias inerentes a esses eventos? O mesmo vale para a dirigente Giorgia Meloni, que integra um certo “Irmãos da Itália”, outra fachada para acobertar gente sinistra e que não ousa ver a luz do dia. Se nada podemos fazer contra a eventual presença de Viktor Orban, chefe de estado húngaro, causa-nos desagrado a presença do belga Mischaël Modrikamen e do abominável holandês Geert Wilders, uma mancha no currículo de um país onde já servi e onde passei os melhores anos de minha carreira. Confesso que não estaria tomando a decisão que tomei – de abandonar a NH para quem tem mais estômago -, se o único desafio fosse acolher Marine Le Pen, uma saudosista da França profunda, que não causa desconforto maior. Aos que ficam, desejo todo sucesso e estarei torcendo para que tudo corra bem. Em 26 anos de carreira, nunca me permiti emitir juízos de valor sobre os rumos de nossa diplomacia, caudatária em última instância das vontades que emanam do Palácio do Planalto. Mas se vivemos o inferno quando da governança compartilhada do Chanceler Amorim e do aposto do Presidente, tudo parece indicar que a diplomacia voltará a ser instrumento de raivas e caprichos. E já nem falo do bisonho Chanceler, o mais fraco da História de nossa Casa. Se não voltar da licença, estarão claras as razões. Ser rico dá regalias a que não posso ser indiferente numa hora dessas”.
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“Olá, Jeff, este comunicado fica só entre eu e você, ok? Logo aqui nada vai de blablablá geopolítico e das firulas caras a nossos amigos de Camberra. Mas o fato é que tenho uma boa nova para as exportações aussies. Em coquetel ontem na embaixada de nossos vizinhos kiwis, o adido comercial argentino acenou para nosso Peter com a possibilidade de aumentarmos o perfil exportador para o mundo árabe. Como Peter vem de boa experiência na Turquia, outro potencial interessado no butim, ele conhece como poucos o mercado de proteína animal. Ora, se o novo governo brasileiro continuar a fazer acenos muito eufóricos para Israel, e se o Itamaraty – agora sob liderança bisonha – não tiver a habilidade esperada em criar limites (e tudo indica que não terá), Peter acha que podemos ter boas chances junto às grandes redes de distribuição do Magreb e no Golfo. Você que gosta de memorandos, informe que está na hora de recrutar na Malásia ou na Indonésia uns tantos abatedores halal para que os bichinhos sejam sacrificados como prescreve Alá. Falando agora de coisas críticas, veja bem como anda a dança das cadeiras por aí porque estou precisando voltar para casa ainda neste verão. Alice está se distanciando cada vez mais e tenho quase certeza de que já não conto muito em sua vida. Por aqui também estou em fim de relacionamento e o importante agora é focar nas crianças que ainda não estão em idade de ver o pequeno mundo delas desmontar. Você está autorizado a falar com Maughan a respeito disso. Acho que ele vai entender bem. Se eu conseguir voltar até março, peço uma licença e vou tratar de botar a cabeça no lugar. Quanto ao Brasil, se você quiser rechear bem seus informes, diga que o clima de negócios é bom e que eles teriam tido guerra civil se o tal PT tivesse ganhado a eleição presidencial. Isso não quer dizer que o novo presidente vá funcionar bem, pois já vimos alguns sinais truncados na largada. Mas quem o botou lá, está pronto para qualquer sacrifício, pronto para fechar bem os olhos a todo tipo de merda, só pelo fato de saberem que os oponentes estão alijados do poder. Bote isso na linguagem que você gosta e me pague um vinho quando for promovido. Cheers, mate”
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