Fernando Dourado

Apóstolos – autor desconhecido.

“Que seja portanto registrado junto à Sua Majestade Real, Aquela que tem sob Sua Iluminada Custódia as Duas Mesquitas Sagradas, que a presença de Sua Alteza o Príncipe Herdeiro Mohammed bin Salman bin Abdul Aziz bin Abdul Rahman bin Faisal bin Turki bin Abdullah bin Mohammed bin Saud, por ocasião da posse do novo Presidente do Brasil, constituiria palco propício para marcar seu retorno à ribalta internacional, depois do malfadado episódio de Istambul que, Inshalah, logo estará apurado, deixando comprovada a total inocência do Trono em torno dos fatos ignominiosos que vitimaram o ativista Khashoggi, pois só Alá pode penitenciar os difamadores. É dever desta Embaixada, contudo, reforçar que o Presidente brasileiro nutre declaradas simpatias pelos nefandos sionistas e que a Palestina Ocupada, seja sob que nome for, deverá constar de um périplo de visitas oficiais de Sua Excelência à região já em 2019, segundo fontes internas da confiança desta Missão. Se de momento tal detalhe parece de somenos à Chancelaria Real – pois muito mais grave seria se ganhassem força as relações com a Pérsia, e queira Alá punir os que atentam à Casa de Wahab -, impõe-se prodigalizar atenções ao novo Presidente, quanto mais não seja por ser ele um anteparo confiável contra a degradação dos costumes que tanto mal podem trazer à juventude. Sendo o que aqui chamam de um conservador, o que em nossa acepção só integra mais um infiel à beira da depravação, merece nota congratulatória e torcida íntima que ele continue a coibir a pederastia como modo de vida, e a equiparação da mulher ao homem em deveres e obrigações, reduzindo-as a hetaras e mercadorias. Como presente para a ocasião, sugerimos substituir a cimitarra de ouro, praxe do Trono. Objetos cortantes não nos parecem adequados dado um episódio de campanha que envolveu o homenageado. Sugerimos assim um falcão com olhos cravejados de diamante, numa alusão ao olhar arguto que, Inshalah, guiará seus caminhos”.

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“Assim sendo, Sr. Presidente, como vosso Embaixador e, quero crer, também como amigo, redijo esta carta a título pessoal para enfatizar as linhas mestras que devem nos orientar até a posse do Presidente do país vizinho. Em primeiro lugar, o mentor econômico do Presidente eleito não chega a ser um homem versado na linguagem de Estado. Egresso do mercado financeiro, para onde acorreu toda manhã durante anos como uma fera que sai à caça, sua truculência no falar só instiga o proverbial descuido do novo mandatário com as simbologias do verbo. Pois nem bem eleito, já assacou contra a Argentina uma colocação oblíqua, que a ninguém passou despercebida, ao dizer que determinado parceiro do Mercosul não tem estado à altura dos deveres de reciprocidade para com o Brasil. Em segundo lugar, a marcada promiscuidade dos mandatários que antecederam o amigo Macri na Casa Rosada com entidades soturnas e proscritas do Partido dos Trabalhadores, cria um vetor de risco potencial e de armamento dos espíritos, posto que o ex-Deputado Bolsonaro não hesitará em agir instintivamente contra tudo que lhe parecer concupiscente na ordem antiga. Daí a necessidade de Vossa Excelência secundá-lo na repulsa ao populismo do casal que o antecedeu. Em terceiro lugar, ainda que com alguma insinceridade, sugiro ao Presidente Macri que, quando a sós com Jair Bolsonaro, louve-lhe a coragem em vir a público defender o legado militar. Por essa ocasião, conviria admitir que também faremos o mesmo na Argentina, e que ambos deveriam concitar o Presidente Piñera, do Chile, a agir em sintonia. Em quarto e último lugar, é recomendável que avivemos nosso passado de união, talvez aludindo a uma comemoração conjunta em 2020 do transcurso dos 150 anos do Tratado da Tríplice Aliança, quando lutamos contra o inimigo comum, o Paraguay. Por fim, sugerir um exercício militar conjunto de forte efeito midiático agradará a nova cúpula, na pessoa do Vice-Presidente, General Mourão”.  

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“Por oportuno, convém louvar a clarividência do companheiro Evo, a quem Pachamama já tinha confidenciado que depois dos mandatos dos irmãos Lula da Silva e Dilma Vana, teríamos o advento do tiyabulu da tradição aimará, o que vem a ser o próprio Lúcifer de olhos verdes de que falam os brancos. Isso posto, ao Presidente Evo teríamos a sugerir rever o desejo justo de fazer ao ex-Presidente Lula uma visita de cortesia, pela aproximação das festas, como forma de esvaziar a posse do governante hostil. Muito embora nos pareça ardiloso e bem pensado que Evo se apresente como mero emissário de Manuel Sillerico, o alfaiate oficial dos coletes de alpaca presidenciais, para lhe portar uma prenda, é grande a possibilidade de que o pedido de visita seja rechaçado. E a renitência pode ser tomada como provocação pelo entorno do Señor Bolsonaro. Como fizemos historicamente afim de manter nossa identidade, convém adotar um discurso conciliador e laudatório. Tanto quanto possível, devemos buscar aliados confiáveis no Congresso de forma a que não sejamos surpreendidos por quaisquer medidas revogatórias no que tange os acordos pactuados com a Petrobras no passado, e que resultaram em nosso justo benefício. Não se pode tampouco abdicar de ganhar a simpatia da poderosa classe média brasileira, mais afeita a se condoer da sorte de nossos irmãos que trabalham a soldo de miséria nos socavões têxteis do centro de São Paulo, muitas vezes sob o jugo de coreanos. Repatriações e caça ao imigrante ilegal seriam fatais a nosso equilíbrio. Colocarmo-nos como a parte vitimizada e pobre do Continente pode nos livrar de represálias ditadas pela truculência, que é como o novo Governo quer tratar os aliados históricos do antigo. Sem perspectivas de que venhamos a ter a libertação do companheiro Lula num prazo razoável, consultemos as repúblicas irmãs da Venezuela, Cuba e Nicarágua para que cheguemos unidos em torno de uma posição, inclusive quanto à forma de lavrar um protesto”.

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“Nenhum interesse vital da República Popular da China está ameaçado no curto prazo pelo novo presidente do Brasil. Tampouco deve causar espécie que ele próprio tenha ecoado o chavão de que a China não compra do Brasil, mas que compra sim Brasil. A necessidade de criar um discurso interno nos moldes do adolescente Trump é, portanto, tributária tão somente da retórica. O que evidência oportunidade a considerar passa por aproveitar as brechas que se abrirão com o esfacelamento do que o Brasil até certo tempo chamava da diplomacia Sul-Sul. Nesse contexto, o protagonismo subtraído ao Mercosul e o fim do assistencialismo a países do continente que se sentirão órfãos de um Brasil generoso, constituem chances evidentes para que a China possa continuar a lhes estender facilidades, a exemplo do que foi feito na África. Quando os imperativos do pragmatismo ficarem mais evidentes para Brasília, haveremos de captar os sinais e só então organizaremos uma vista de Estado do Presidente Bolsonaro (Bor-cho-na-lo) à nossa capital, sem alusão pública ao Partido nem à sua simbologia. São boas as perspectivas que se abrem no agronegócio, na exploração de madeira, e não deve sofrer solução de continuidade nossa cooperação com a empresa Vale. É vital que o acordo entre a Embraer e a Boeing seja questionado, quando não repudiado pela opinião pública dominante. Um gesto de boa vontade poderia ser a oferta de um casal de pandas para o Jardim Zoológico da capital. A República Popular pode também ajudar com uma doação para o acervo de um importante museu sinistrado, levando em conta que algumas das peças perdidas ali eram chinesas. O Presidente tem filhos parlamentares, o que abre um bom canal de abordagem como forma de se desconstruir um discurso hostil à nossa Nação, e de se apresentar evidências de nosso ideário de cooperação mútua, amizade entre os povos e não-interferência em assuntos domésticos. Pode estar se formando bom mercado para armamentos leves.”   

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“Se por um lado é perfeitamente compreensível que Madame Macron queira se valer da ocasião para positivar certo desagrado para com as práticas preconizadas pelo novo governo – embora não realizadas -, entendemos que é importante sensibilizar a Comunicação do Elysée de que há formas mais sutis de fazê-lo, sem que para tanto ela precise envergar um foulard Hermès com as cores do arco-íris, para marcar sua simpatia vis-à-vis o público homossexual. Outrossim foi a própria Maison que demonstrou desconforto em confeccionar a prenda e haveremos de entender-lhe as razões. Primeiro porque o jogo cromático parece pouco original e quase vulgar. Em segundo lugar, a Maison teme que suas clientes tradicionais vejam no gesto uma afronta ao novo mandatário brasileiro, o que poderia gerar um calamitoso boicote à marca, sabendo-se que na chamada direita política concentra-se boa parte da clientela da grife. Nesse contexto, seria o caso de aduzir-se junto à Primeira-Dama à afinidade espontânea que a ligou em amizade a Melania Trump, a despeito das posições do marido, concitando-a assim a fazer o mesmo com Madame Bolsonaro. Se nenhum argumento se provar sólido, não seria despropósito algum que a França fosse representada na posse pelo seu Primeiro-Ministro, ficando uma visita oficial do casal Macron para quando o perfil do novo governo estiver bem delineado. Sendo a data da posse uma provação para a maioria dos chefes de estado, aqui temos um pretexto impecável para justificar a ausência do casal, alegando compromissos de família na Picardia. Nossa embaixada em Brasília reporta, por relevante, o nível de proficiência do general Mourão em inglês, o que nos concita a identificar focos de francofonia de algum prestígio nos novos gabinetes. Sendo esta uma pauta cara ao casal Macron, que a vê como parte de seu legado, que não se descarte, em caso de comparecimento, uma visita em caráter privado ao ex-Presidente Cardoso, amigo assumido da França”.

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“Eis uma das poucas vezes ao longo dos 70 anos de história de nosso país que temos um governo ainda não empossado que assume retórica escancaradamente favorável a Israel. Entusiasta de nossos feitos militares, das expressivas vitórias no campo da agricultura, do desenvolvimento de técnicas de dessalinização da água marítima e do combate à desordem e ao terror em suas mais variadas formas, o Presidente Bolsonaro é um aliado a ser cultivado com carinho e atenção desde a hora zero, a despeito de termos resistências à sua pessoa na comunidade judaica de São Paulo, a mais forte do país. Sugerimos acionar todas as entidades coligadas para pedir aos setores recalcitrantes que deem um indulto ao novo governo como forma de evitar reverter uma situação que nos é favorável, ainda que não seja pelo controle de focos de terrorismo na chamada Tríplice Fronteira, em Foz de Iguaçu. Desde já, está anunciada a mudança da Embaixada do Brasil para Jerusalém, sem que tenhamos tido que exercer pressão. Nos negócios, um país que tem a alavancagem de mais de 210 milhões de pessoas, não importam aqui as disparidades de renda, propicia à nossa economia possibilidades inéditas. Embora esse particular não seja de relevância, há de se salientar o desejo de Jair Bolsonaro de fechar o escritório de representação da OLP, o que configura um progresso com relação à orientação prevalecente em Brasília durante todo este milênio. Consideradas as afiliações religiosas que o Presidente professa, tendemos a ver um recrudescimento do chamado turismo evangélico a Israel. Como já expresso em outros documentos, o turista brasileiro em visita a lugares santos permanece em média uma semana em nosso país, aqui incluídas as áreas de Jerusalém, Galileia, Judeia e Samaria. É meta aumentar esse prazo para 11 dias, o que acarretaria sensível incremento de receitas. Israel se fará representar na posse com força máxima, conforme já enunciado pelo próprio Primeiro-Ministro”.    

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“Acreditamos, contudo, que a Itália pode ajudar a desdramatizar a agenda da repatriação do terrorista foragido, com gestos bem calculados de amizade e simpatia. Para tanto, a título de sugestão desta Embaixada, Roma poderia organizar uma visita do novo Presidente, esposa e descendentes, às cidades de Rovigo, Anguillara e San Martino de Venezze, onde estão nucleadas as origens da família Bolzonaro, tal como o nome é grafado no Vêneto. Por ocasião de uma viagem de natureza sentimental a ter lugar de preferência num sábado de meia estação, passados os encontros formais na capital e, eventualmente, depois de uma rodada empresarial na Lombardia, tiraríamos uma grande foto em que figurariam os integrantes do clã de ambos os lados do Atlântico. Para tanto sugerimos que se rastreiem nas ditas comarcas a existência de integrantes deste tronco que professem, aberta ou discretamente, inclinações homossexuais. Se assim ocorrer, sugerimos a virtual exclusão dessa pessoa do comitê de recepção como forma de preservar o visitante de dissabores, posto que, a crer-se nos comentários, Sua Excelência tem, manifestamente, revelado-se pouco simpático às bandeiras dessa população, sob a alegação de que não se pode submeter a maioria ao que chama de ditadura de minoria. Outrossim, por grande que seja nossa aspiração de trazer o cidadão Cesare Batistti para cumprimento de pena na Itália, acautelemo-nos quanto a espetáculos midiáticos fora de propósito, como os enunciados por um dos filhos do Presidente, que acenou com o que poderíamos chamar de uma carnavalização fora de época de um trâmite jurídico sóbrio, o que poderia colocar a opinião pública italiana a favor do delinquente. Dada a natureza cambiante da política em nosso país, ainda é prematuro fixar detalhes de protocolo por ocasião da posse, mas acreditamos que o Dr. Matteo Salvini seria o expoente político contemporâneo indicado para comprazer os anfitriões, com os quais tem relações de amizade”.