Luiz Otavio Cavalcanti

Brutus the Bodies of His Sons - Jacques-Louis David

Brutus the Bodies of His Sons – Jacques-Louis David

Há uma tela de David, de 1789, que retrata o cônsul romano, Lúcio Bruto. Ele governou a República de Roma no século IV A.C.. No quadro, ele aparece lamentando a morte de seus filhos. Os dois rapazes haviam conspirado para restaurar a monarquia dos Tarquínio, depostos anos antes. Pelo crime, o próprio pai condenou os filhos à morte. A pintura acentua o choro de mulheres, os dois corpos estendidos sobre uma mesa. E, à frente, o pai, calado, ressaltando, na face rígida, o sofrimento de uma vida inteira.

O sentido republicano venceu o vínculo familiar. Algo a ver com o familismo tropical ? A luta entre o antigo e o novo.

O duelo entre o antigo e o novo, na política brasileira, é ferrenho. Três episódios, pelo menos, certificam isto. O primeiro deles configura-se na Revolução de 30. Os tenentes de 30 traziam a bandeira do novo, do moderno. Opondo-se às oligarquias que produziam eleição a bico de pena.

Pois bem. Passa-se o tempo e os revolucionários acostumam-se a governar sem Constituição. Sem o documento que atestaria a modernidade jurídica de um país: a Carta Magna. Os paulistas não se conformam e revoltam-se em 32. E, em 1937, Getúlio Vargas institui o Estado Novo, aprovando, por decreto, uma Constituição. A chamada Polaca, escrita pelo jurista Francisco Campos. O presidente Vargas, que pode ser tido como fundador do Brasil moderno, neste capítulo, permitiu que o antigo vencesse o novo.

O segundo episódio ocorreu com o ex presidente, Juscelino Kubitschek. JK portava estandarte com a ideia do moderno. Inaugurou um ciclo de industrialização no país. Trazendo as primeiras montadoras de veículos. Descortinou etapa de maciços investimentos em infraestrutura, hidrelétricas e rodovias. Encheu a alma dos brasileiros de reconhecido otimismo. Foi a época da Bossa Nova e do Cinema Novo.

Mas, Juscelino patrocinou forte descontrole orçamentário. Ao mesmo tempo em que investia em infraestrutura, construía Brasília. Sem dispor dos recursos fiscais necessários para financiar tantas obras. Atendia pedidos de parlamentares. Para que estes aprovassem orçamento que viabilizaria a construção de Brasília.

Autorizou o Ministério da Fazenda a emitir seguidamente dinheiro. Provocando espiral inflacionária cujos efeitos danosos à economia nacional duraram décadas. Nessa parte, JK deixou que o antigo vencesse o novo.

O terceiro episódio aconteceu com o ex presidente Lula. Que entronizou a bandeira da ética na política. Desfraldou o emblema do combate à desigualdades social com o bolsa família. Alcançou certidão internacional de benfeitoria. Consolidou perfil de líder político admirado.

Mas, na outra face, em sombra de insondáveis bastidores, conviveu com o improvável. Mensalão. Comprando votos parlamentares. Admitiu o inadmissível. Petrolão. Deixou-se seduzir por certo perfume de burguesia que embriaga o mais sólido chão de fábrica.

Então, o que seria o cara, contemporâneo, novo, mostrou-se antigo.

O que há em comum nesses três episódios? Um poderoso movimento subterrâneo, fluvial. Correndo por baixo do antigo. Sob práticas clientelistas, costumes costurados no repugnante dar para receber. A que se chama governabilidade. Outro nome para trocar favores. Dê- me uma diretoria e eu te dou voto.

Chega-se, agora, ao governo Jair Bolsonaro. Mais uma vez, o discurso do novo. À exceção de Ônix Lorenzoni, não convidou nenhum parlamentar para compor o governo. Até esta data, não consta ter pedido a deputado ou senador nomes para o segundo escalão.

Ocorre que a PEC da reforma da Previdência começou a tramitar no Congresso Nacional. O governo tem, contados, 200 votos para aprovar a PEC. Faltam 108 votos. Três grupos de parlamentares começam a ganhar nitidez no Congresso: um, apoia a PEC. Outro grupo, é contra. O terceiro grupo quer negociar. A briga entre o antigo e o novo vai continuar.

The Lictors Bring to Brutus the Bodies of His Sons – Jacques-Louis David