Clemente Rosas

LOVERS IN THE PARK — PALETTE KNIFE Oil Painting On Canvas By Leonid Afremov.

Verba volant, scripta manent (as palavras voam, os escritos permanecem).  No nosso caso, as minhas palavras não apenas voam e se perdem: suscitam outras, suas, muitas vezes duras como punhais.  Por isso resolvi deixar por escrito o que tenho a lhe dizer hoje, quando completamos trinta e cinco anos de casados.

Pois é, não esqueci.  E embora não possa fazer uma grande festa, como seria razoável, felicito-me pela vida vivida até agora, e pela que ainda espero viver, ao seu lado.  35 anos não são 35 dias.  Com tanto tempo de convivência, ficamos impregnados um do outro, ainda mais pelo traço de união que é a nossa filha, fruto sazonado de tão longo amor.  Como diz o velho bolero mexicano:

Tanto tiempo desfrutamos nuestro amor

            Nuestras almas se acercaram tanto así

            Que yo guardo tu sabor

            Pero tu llevas también

            Sabor a mi

Sei bem que o desgaste da rotina, da vida doméstica, faz o coração cansado.  E que a vida não pode ser só para nós dois: é cheia de intercorrências, que não podemos desconhecer nem rejeitar.  Mas é a que temos, e nos cumpre vivê-la bem, esforçando-nos para não perder a ternura, como recomendou Guevara, o poeta-revolucionário que soube morrer por sua causa.

Concordar com tudo não é prova de amor, mas de pusilanimidade.  Ou de hipocrisia.  E estes não se contam entre os meus defeitos.  Jamais concordaremos em tudo, nem isso é necessário.  Havendo um substrato de ternura, sempre haverá campo para o entendimento.

Já não espero ver nos seus olhos aquele deslumbramento dos primeiros tempos.  Guardarei dele as melhores lembranças, como guardo a visão comovida, ao fundo do vale verde de Goiana, daqueles coqueiros, daquelas mangueiras em tom mais escuro, das torres das igrejas, que escondiam a dona do meu coração, no tempo de um amor ainda sem esperanças.  Hoje, basta-me apenas um pouco de carinho e de compreensão para aquilo que não puder fazer por você.

Trinta e cinco anos.  E a mesma disposição minha de amar, com o corpo e com o espírito, agora e sempre com uma teimosa esperança de retribuição.  É bom sonhar.