Luiz Otavio Cavalcanti

Jânio Quadros e Ernesto Che Guevara.

Há um cheiro de contrassenso no ar.

25 de agosto de 1961. Apenas seis meses depois de eleito, o então presidente Jânio Quadros renunciou ao cargo. Após participar de solenidade militar, celebrando o Dia do Soldado, Jânio faz chegar ao presidente do Senado Federal, Auro de Moura Andrade, carta renúncia.

O senhor Jânio Quadros tinha três características principais: primeira, como pessoa, era imprevisível. Tomava decisões abruptas. Já havia renunciado à candidatura presidencial. E retomado a campanha.

Segunda característica, como político, acentuou perfil populista. Gostava de se dirigir à massa. De produzir um discurso criando narrativa épica. Dispensava apoio de Partidos Políticos maiores e mais organizados. Foi lançado a presidente pelo PTN. Embora depois apoiado pela União Democrática Nacional – UDN, o Partido da classe média urbana brasileira.

Terceira característica, como presidente, mostrou seu temperamento autoritário. Não conseguiu estabelecer com o Congresso Nacional um diálogo institucional estável. Eleito pelo voto da direita, escandalizou seus eleitores: concedeu a medalha do mérito Cruzeiro do Sul a Che Guevara.

Na carta renúncia, Jânio mencionou a existência de forças ocultas a dificultarem seu governo. Nunca explicou de que se tratava. Por outro lado, seu vice presidente, Jango Goulart, era político visto com desconfiança pelo Exército. Desde os episódios de 1945. Quando Vargas, padrinho político de Jango, foi deposto pelos militares.

Acrescente-se detalhe relevante: no dia da renúncia de Jânio, o vice, Jango, encontrava-se na China. Naquela época, voltar da China para o Brasil envolvia tempo precioso.

Resumindo: Jânio, impulsivo e autoritário, imaginou que o Congresso recusasse sua carta. E, de joelhos, aceitasse as imposições que o renunciante fixasse. Falhou no cálculo. O senador Auro colocou na carta: “Ciente. Arquive-se”. E o presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, assumiu interinamente a presidência. Tendo, atrás de si, quepes de quatro estrelas.

O resto está na história: Tancredo Neves sugere a emenda parlamentarista. E os militares aceitam a posse de Jango. Presidente, no parlamentarismo.

18 de maio de 2019. O presidente Jair Bolsonaro, eleito com vantagem de 10 milhões de votos sobre o concorrente, incorpora, como estilo de governo, surpreendente agressividade. Ressaltando três características: a primeira, como pessoa, um confuso comportamento familiar. Introduzindo incompreensível mistura entre os papeis de presidente e de pai. Familismo abissal.

Segunda característica, como político, apresentou, sempre, no Parlamento, desempenho discretíssimo. Pontuado por atos de violência gestual e verbal. A ponto de exaltar a figura de reconhecido torturador. Na campanha para presidente, empunhava a mão sob forma de arma. Seu discurso abrigou improvável virulência contra grupos sociais. Especialmente os ligados à diversidade cultural.

Terceira característica, como presidente, acentua estilo populista e autoritário. Não estimula a formação de base parlamentar de apoio no Congresso Nacional. Traz, para dentro do governo, questões relativas a costumes que somente ampliam o conflito político. Toma estranha distância do projeto mais importante do governo: o da reforma da Previdência.

Ora, quem tem alguma experiência pública sabe que, para governar, é preciso gerar pactos com três setores: os políticos, no Congresso; a burocracia, no serviço público; e os militares, nos quartéis. O presidente Bolsonaro faz questão de desafiar e provocar desencontros com todos três. Desentendeu-se com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia; declarou guerra ao mundo acadêmico; e deu razão a ideólogo de Virgínia contra os ministros militares que aceitaram servir ao governo.

O conjunto desses fatos me leva a pensar que o atual presidente poderá estar na trilha do ex presidente, Jânio Quadros. Ele produz meticuloso e sistemático esforço para desestabilizar o próprio governo. Ora, o alcance de tal esforço não se esgota no governo. Atinge o regime.

Chego a imaginar que, em tal senda, o presidente espera contar com o apoio dos ministros que o cercam. Assim como Jânio calculou mal, Bolsonaro, se devotado a igual propósito, também errará. Por uma razão: a lealdade essencial do soldado brasileiro é à Constituição.