Teresa Sales

Feira na Praça Alexandre de Gusmão – SP.

24 de julho de 2019

Agora estou em dúvida se já não escrevi há pouco mais de um ano, nesta revista, uma crônica com o mesmo cenário e quase as mesmas personagens. Preguiça de entrar no site pra ver. Bom, talvez a questão agora seja outra.

Dessa vez, estou hospedada em outro flat, porém na mesma vizinhança com a Praça Alexandre de Gusmão, uma bela praça na Alameda Santos, vizinha ao Parque Trianon. Aqui se parece muito com a Feira de Caruaru. De tudo o que “hái” no mundo tem no quarteirão da Alameda Santos com a Alameda Casa Branca, com a Avenida Paulista, com a Rua Pamplona.

Hoje, quarta-feira 24 de julho de 2019, pelas três horas da tarde, o sol paulistano de inverno, quente, bom (se estamos embaixo dele), tomou conta da praça. Fui pra lá a passos lentos de quem é desocupada; maço de cigarro e isqueiro num bolso, chave do ap no outro. Na praça, saí à cata de algum lugar mais isolado onde minha fumaça não incomodasse a ninguém. Achei perto de um poste, e me senti um vira-lata.

Depois sentei num banco de cimento com recosto, um alívio para minhas costas. Sentados a meu lado, um casal de velhos discutia alto sobre o cachorrinho da neta. Queria ouvir o desfecho da história; afinal, ficariam ou não com o cão no apartamento deles, em vez de deixarem o filho divorciado assumir? Mas já estava cansada de ficar naquele banco e já eram horas da próxima compressa gelada.

O melhor lugar para usar essa compressa gelada na região lombar é sentada na mesa do computador. Medi no celular os vinte minutos, e, como estou desocupada, comecei a escrever, tomei gosto, acabou o tempo regulamentar dos vinte minutos, tirei a compressa e voltei a escrever.

Meus queridos leitores, eu deveria estar agora em um dos museus que vim programada para ver em São Paulo. Vim tratar de negócios, mas, em aqui estando, faço o turismo cultural, claro. Afinal, São Paulo é a capital cultural do país. Imaginem, vou perder uma nova encenação de “Roda Viva”, pelo mesmo maluco que eu adoro, José Celso Martinez. E no Teatro de Arena!

E sabem por que? Porque o desejo é um danado. Como o danadinho não tem idade, pensa que todo mundo é feito ele. Então uma mulher velha, setenta e quatro anos, acha que pode viajar no voo da madrugada, despertar da cama desde as duas, chegar ao flat alugado, deixar as malas, descer a pé mais ou menos um quilômetro até o Carrefour, fazer todas as compras, do zero, para alimentar o flat por uma semana, comendo em casa; e depois, deixar as compras guardadas no supermercado e ir comer a melhor comida árabe; e só então, depois do check in ás duas horas da tarde, só então entrar no apartamento para espichar as canelas?

O pior é que essa extravagância toda nem foi assim, de supetão. Antes de viajar Recife-São Paulo, já planejara exatamente o percurso que fiz. Por que será que a gente guarda essa mania de olhar o passado? Isso piora, quanto mais vamos ficando velhos. A Rosima era apenas uma porta de garagem, quando inauguraram essa loja de comida árabe, pouco antes de nossa chegada a São Paulo, Zé Hamilton e eu, bem dizer recém casados, em 1972. A gente podia comer lá mesmo, em pé, no balcão, como os bons e velhos cafés de São Paulo. Ou levava pra casa. Agora tem pequenas mesinhas com duas cadeiras. Na outra calçada, quase chegando na rua Estados Unidos, o velho restaurante Camelo, onde se dizia que, antes de ser ministro, era muito frequentado por Delfim Neto. Hoje é mais conhecido como pizzaria. Mas naquele então, a sobre-coxa de frango acompanhada de palmito, ervilha e purê de batata… hum …

Enquanto fiz o périplo sentimental, não senti cansaço algum. Quando me apossei do ap, não deitei logo na cama, pois havia os itens de geladeira do mercado. Aí tomei gosto em brincar de casinha. Bom, pra encurtar a história, que já vai longa e sem graça, só fui dormir tarde da noite, nesta mesma segunda feira 22 de julho, pois à noite ainda fui a um evento de poesia.

Ontem, terça feira, depois de um sono reparador, acordo, e o corpo não responde ao meu desejo de me levantar. Dói daqui, dói dali. Tento me virar para o outro lado. Nada. Fui lembrando os alongamentos, respirando fundo, tentando devagar… Ufa, consegui. No chão forrado, completei os alongamentos aguentáveis.

Tinha consciência de todos os sobrepesos na coluna nos últimos tempos, com a aventura do Brejo em Gravatá. E, como se isso não bastasse, do excesso de horas digitando, o stress natural do fim de um livro, quando você já não pode mais segurar o filho só para você e tem que jogá-lo no mundo.

Pois foi justamente ontem que estourou a bomba. Porem, mesmo sabendo que  vou perder uma bela programação cultural, além de almoços e jantares com amigos, ainda me considero uma pessoa de sorte. Pois, justamente ontem, tinha uma consulta pré-agendada com a minha fisioterapeuta de há mais de vinte anos, apenas para revisão de quilometragem. Ela sairia de férias no dia seguinte. E ela sabe de mim. Sentenciou que vou sarar em mais ou menos duas semanas. Mas terei que ficar confinada nesse flat nesse tempo, justamente meu tempo em São Paulo. O filho quis me levar pra casa dele, no arrabalde, Alto da Lapa. Porém, já que, além das compressas, do repouso, devo dar umas voltinhas, que seja aqui, na Feira de Caruaru.