No Brasil, os processos políticos recentes foram forjados por um movimento pendular, partindo da esquerda fascinada com seu líder Lula – alguns cegos diante das provas irrefutáveis da corrupção em que a cúpula do PT se envolveu, outros, por não terem onde sustentar suas utopias, a negar a realidade de que o projeto do PT naufragou, conspurcando o histórico significante “esquerda” – para outro extremo, de forma irracional, caracterizado pelo antipetismo, caindo nos toscos braços da direita e de um novo mito: Bolsonaro.
A isto chamo de “Pêndulo da Irracionalidade”. Um processo da nossa recente história democrática, que tensiona ao máximo as instituições e a visão de mundo do cidadão comum, dividindo a sociedade em dois grupos, com suas certezas radicais, onde a intolerância é o filtro embaçado através do qual eles percebem a realidade.
Existe, entretanto, um enorme segmento de cidadãos – políticos, intelectuais, empresários e trabalhadores – que se recusam a ser capturados por essa histeria coletiva, guiada e manipulada pelos dois extremos: lulistas e bolsonaristas. Socialistas progressistas, humanistas e liberais progressistas encontram-se hoje em uma ravina da História, que, embora suas correntes de pensamento tenham sido construídas por caminhos antípodas, veem hoje o futuro das sociedades como um amplo vale, onde a democracia se impõe como um valor universal.
A este grupo defino como o Polo Democrático. Alguns o definem como Centro Democrático, mas, para evitarmos a sujeição do velho esquema de esquerda, direita e centro, prefiro Polo, pois nele continuam atuando pessoas de esquerda, de centro e de centro-direita , ou até de direita, desde que suas práxis sejam moldadas pelos princípios fundantes da democracia, onde as ideologias (destas ninguém escapa) sejam abertas à crítica, e suas visões de mundo reconheçam a impossibilidade de certezas estáticas, aprisionadoras do espírito humano, como foram o nazismo, o fascismo, setores radicais do comunismo e as religiões fundamentalistas.
A democracia como valor universal não é um estado a que se chega, e sim, ao contrário, um árduo e contínuo processo ad infinitumde aperfeiçoamento do convívio em sociedade, onde a tolerância e a abertura para o outro, que pensa, vive, e é diferente de você, é o veio central das relações humanas. A liberdade do indivíduo e suas expressões têm que ser garantidas pelo Estado e suas leis. Democracia é, na história da humanidade, a instância final de todo o nosso processo civilizatório.
Ser movido pela tolerância implica necessariamente ser aberto às mudanças de valores e costumes da inclusão social, religiosa e de gênero. Enfim, entender que democracia é espaço para acolher o humano e sua rica diversidade. O único óbice à cultura democrática é abrir espaço para a intolerância.
Este segmento, no Brasil, rechaça a divisão ideológica que lulistas e bolsonaristas insistem em alimentar, mesmo encerradas as eleições, num esforço estratégico de manter tal divisão, e a fustigar a raiva irracional do seu eleitorado, a cada “post” nas redes sociais, a cada pronunciamento destemperado de seus líderes.
Consideramos a Operação Lava Jato o mais importante evento na área jurídica da nossa história, voltada à contenção da corrupção – traço atávico, desde que as sociedades começaram a organizar-se – rompendo um elo da poderosa, e ainda atuante, cadeia de promiscuidade entre o grande capital, o Estado e suas elites políticas. Ela preparou um terreno onde uma nova ética política deverá impor-se. Claro que isto é só o começo, pois a corrupção e o corporativismo de Estado estão vivos, e reagindo às mudanças.
Nós nos sentimos também livres, mesmo sendo oposição ao atual governo, para enaltecer e apoiar qualquer política pública que venha a promover a modernização da economia, hoje globalizada e altamente competitiva, e a consequente correção das desigualdades sociais, retirando-se o ineficiente peso do Estado do setor produtivo.
Colocamo-nos também firmes na implacável crítica a qualquer retrocesso que o bolsonarismo conservador queira adotar, em detrimento das liberdades individuais, conquistadas arduamente pela sociedade civil, nestas três décadas de democracia.
Entendemos por fim que, embora instituições e cidadãos estejam tensionados pelo irracional movimento pendular das ideologias radicais, transformando nosso cotidiano num interminável processo de angústia e incerteza, nossa democracia poderá sair fortalecida desta experiência, como síntese de um doloroso processo dialético, onde, por fim, compreendamos que todos os mitos são nefastos à cultura das liberdades democráticas, e têm, em sua prática, apesar dos seus fascinantes discursos histéricos, frágeis “pés de barro”.
Recife, 06 de agosto de 2019.
Me considero democrata e apoio tudo o que modernizar nosso país; chega de extremismo estranho…
Parabéns ao editorialista!
Inteligente crítica ao “Pendulo da Irracionalidade” e lúcida identificação de um “Polo Democrático”, o qual nos concede fundadas esperanças no porvir.
O texto é uma boa reflexão e estou de acordo que é preciso ir além do antipetismo e não ficarmos (não estou) refém do suposto mito Bolsonaro. Também concordo com os autores do livro “Como as Democracias Morrem” (LEVITSKY e ZIBLATT, 2018) quando afirmam que “o retrocesso democrático hoje começa nas urnas”.
Mas o que fazer? Para que deve servir a democracia e o seu polo democrático?
Não basta termos eleições regulares a cada dois anos. É preciso ir além e avançamos para a Reforma do Sistema Político Brasileiro, conforme apontado em http://www.reformapolitica.org.br
Compreendo e defendo que a defesa da democracia deve ter atenção com superação das desigualdades sociais por gênero, geração, cor/etnia, pessoas com deficiências, população LGBT e pelo local de nascimento ou moradia.
Excelente texto, um resumo bem feito da situação atual da nossa política, onde nossa democracia está em risco.
Mais do que na hora de separar o joio do trigo, desmistificar os salvadores da patria, e aproveitar o que realmente está fazendo a diferença!!
Caro João,
Seu texto reune, democraticamente, elegância na crítica e profundidade da análise.
A meu modesto juízo, a mudança de direcionamento e viés político que o país passa de fato percorre caminhos sombrios. Mas ao mesmo tempo, a Operação Lava Jato vem diariamente fortalecendo as nossas instituições. E assim sendo, entendo como consequência direta a presunção de garantia da democracia.
O tom debochado, os comentários nada polidos e a ausência de sensibilidade são, lamentavelmente, marcas do atual Presidente, indesejáveis – é claro – a um Estadista.
Mas sejamos otimistas, na medida em que o combate à corrupção, que efetivamente vem sendo levado a cabo, alidado à condução da economia para uma rota de desenvolvimento econômico, deixará um legado importante ao país, superando os pontos negativos do Bolsonaro
Eurico, Tomara a LJ seja maior do que os individuos e torcemos que a Sra Dodge autorize a renovacao. A corrupcao por sua vez e sintoma e nao causa representando a fraqueza das instituicoes e o “assim mesmo” da populacao inclusive do clan do executivo.
Toda polarização se encerra em si mesma em divisões, enfraquecimento as forças que movem o País pois que não as conseguem mobilizar construtivamente. O atual governo foi tomado como alvo por aqueles que politicamente se posicionam do lado oposto. O mais interessante disso tudo é que o alfa e o ômega terminam juntos, isto é: passam a adotar práticas assemelhadas, pois que necessárias considerando os fundamentos desta República Federativa do Brasil, onde jabutis convivem com jabuticabas na mesma árvore. Parabéns ao articulista.