Eurico Pincovsky

Fernando de Noronha

A praia da Conceição é uma baía de razoável faixa de areia, sem dúvida a melhor pista de caminhadas à beira mar da ilha. Limitada por morros, um deles o mais alto do arquipélago de Fernando de Noronha, o Morro do Pico. Do outro lado, uma pequena formação rochosa que a separa da Praia do Meio.

Era apenas uma despretensiosa caminhada à beira mar. Não consigo lembrar o dia. Sei apenas que era um belo final de tarde de setembro de 2006. Emoldurava o cenário o imponente Morro do Pico, ao fundo da praia.

O dia estava belíssimo, em rara combinação de mar de almirante e céu de brigadeiro. Uma leve brisa acalentava o rosto, convidando o caminhante para se deliciar no passeio e contemplar a natureza ao redor. A trilha sonora restringia-se ao som das ondas, em frequência cadenciada de graves estrondos, agradáveis aos ouvidos, com algum efeito calmante.

A expectativa da caminhada era fotografar. Tentar registrar um pouco daquela magia, daquele cenário encantador. Missão imediatamente abortada. Seria sacrilégio desperdiçar qualquer segundo daquele tempo com outra atividade,  a não ser contemplar a paisagem.

E assim foi.  No céu, variações de laranja no horizonte, conflitando com “degradé” de azuis, anunciando o pôr do sol e a chegada da lua. Outra paleta de tons azuis escuros, prenunciando o anoitecer, avistava-se no mar. Seguramente, um brinde da natureza ao poeta Carlos Pena Filho. Nenhuma foto registrada, apenas imagens gravadas em alguma parte do córtex cerebral.

O passeio estava sendo agradável. Naquele momento, não me ocorria qualquer lampejo capaz de melhorar a caminhada. Até que avistei, vindo em minha direção, deslumbrante moça, dona de uma beleza “latifundiária”, vestida apenas com composto biquíni branco. Cabelos dourados soltos, balançando ao bel-prazer dos ventos, generosamente enviados por Eolo para tornar ainda mais marcante aquela miragem.

Por alguns momentos, aquela imagem desnorteou o caminhante. Imediatamente lembrei da eterna Garota de Ipanema, que em 1962 inquietou o “Poetinha” e inspirou Tom. Mas não imaginava ela que, ao agraciá-los, o presente era nosso: o hino da Bossa Nova.

Perdoe-me, Helô Pinheiro, mas se Tom e Vinícius, naquele momento, estivessem ali, nasceria a “Garota da Conceição”.  E, seguramente, belíssima carta anunciando a gestação da nova obra prima lhe seria enviada.  Com a devida permissão da Praia de Ipanema, a Praia da Conceição teria justa homenagem.

Não sei se em ritmo de samba, mas sem dúvida Tom encontraria, no piano, perfeita melodia a ser dedilhada por João Gilberto, com rimas delicadamente arranjadas pelo Poetinha.  Indubitavelmente, não seria funk, que em nada expressa a riqueza da música popular brasileira.

Foi um breve momento, não sei se um par de minutos, mas que me pareceu uma eternidade. A diva da beleza, materializada à nossa frente, caminhando em suaves e despretensiosos passos, talvez a caminho do mar, merecia ser respeitosamente admirada.

Eram passos tão suaves a ponto de se questionar as teorias de Newton…era tanta leveza naquele doce balanço, sendo perfeitamente aceitável qualquer ceticismo sobre a lei da gravidade.

Criou-se, naquele instante, um “encantamento descontente”, como poderia ter dito Camões, se tivesse avistado aquela moça, de quem nunca se soube nome, idade e naturalidade.

Mas, como a vida sempre nos reserva surpresas, não poderia essa passagem ficar em branco. Uma senhora, antítese da beleza, já com muitos anos vividos e uma gordura circular bem aderida ao relevo do corpo, contemplando também a moça, já distante, dirigiu-se, com duas cordiais tapas ao ombro do caminhante, de forma surpreendente, e, com a isenção de pudor que a idade lhe permitia, bradou:

– É boa, não é?

Sem titubear, com sorriso no rosto, respondeu o caminhante:

– É ótima”!

 

Eurico Pincovsky – novembro/2019