Abraham Sicsú

Boy playing guitar – autor desconhecido.

Como sempre, acordo cedo. São quatro e meia da manhã. Para não perder o costume, abro o celular, esperando receber alguma notícia alvissareira. Por incrível que pareça, hoje, aconteceu.

Um amigo, empresário e músico em horas vagas manda três pequenos vídeos. Resolveu mandar para os amigos em isolamento. Bossa Nova. Dindi sempre me fascinou. Escuto com alegria e tenho certeza que meu dia será diferente. Ao tomar o café com minha companheira, repito as músicas, em silêncio, aos goles do líquido negro.

Com a quarentena, as pessoas começam a se mostrar no que são. Os sonhos de que a vida nos afastou, passam a ser nosso dia.  Eu, por exemplo, gosto de escrever pequenos textos, nada da chatice acadêmica e dos rigores metodológicos, apenas sentimentos e momentos. Muito me agrada. E os distribuo por um grupo de amigos crescente, para que passem seu tempo, até criticando.

Saí duas vezes de carro nestes dias. As ruas desertas, mas finalmente vejo movimentos solidários. Os carros param para comprar de ambulantes algumas frutas. Os pobres venezuelanos, tão sacrificados, recebem donativos, de comida e dinheiro.

Vejo também, pessoas preocupadas em garantir o mínimo de qualidade de vida ao próximo, levando ensinamentos e práticas que acalmam a mente e diminuem o sofrimento. Em casa, minha mulher se preocupa com seus alunos de Yoga, criando uma comunidade de Zap e, com um esforço imenso e a solidariedade de meus filhos, à distância, aprendendo como manejar a tecnologia para videoconferências.

As poucas vezes em que desço, normalmente para pegar alguma encomenda na portaria do prédio, tenho reparado pequenos envelopes que, imagino por ter falado com o vigia, guardam ajudas para ex-funcionários e amigos que estão necessitados.

Nas comunidades de Zap de que participo, várias são as chamadas para ajudar comunidades carentes, ou mesmo para comprar algo dos mais necessitados. O mais bonito é que esses apelos são correspondidos e efetivamente têm crescido as ajudas dadas.

Tem-se claro que são meros paliativos, com limites claros para profissionais liberais em quarentena, mas são importantes. O melhor desse movimento é notar que ainda existe um sentimento de união, que as pessoas sentem que somos uma comunidade com dificuldades para sobreviver, mas que, a seu modo, procura ser solidária.

Não se tem a ingenuidade de que esses exemplos venham a resolver uma situação tão crítica, ou mesmo minorá-la. Não é disso que se trata. Também não creio que sejam feitos para os outros, ou para uma falsa aparência. Não são meros paliativos para mentes que se sentem culpadas. São atos que mostram que todos, ou uma grande parte, querem dizer que a dignidade humana dos nossos semelhantes é o que realmente interessa na vida. Pelo menos, neste momento de aflição.

Espero que permaneçam no Day After, que o egoísmo diminua, que a solidariedade prevaleça.