O embate foi declarado. Mesmo antes de um plano consistente ser apresentado. Após o anúncio do Pró-Brasil, plano de investimentos, a situação ficou clara. Os monetaristas, capitaneados pelo Ministério da Fazenda, com um séquito de jornalistas e economistas acríticos e bem doutrinados, veem no ajuste fiscal a única saída para a retomada. Os desenvolvimentistas, que acreditam que o Estado tem papel fundamental para impulsionar os investimentos, têm neste caminho a real geração de empregos e a saída da crise.
Se, para enfrentar a crise, nos seus momentos mais agudos, houve, em parte, a possibilidade de um acordo em torno de medidas keynesianas, isto agora está descartado.
Digo em parte, pois lembro que o auxílio emergencial, proposto inicialmente pelo Governo, era para três meses e 200 reais, totalmente insuficiente. O valor foi modificado, mas o prazo não, que tem ficado claro para os analistas sérios que deve ser expandido. Mas há muita resistência forte do lado monetarista do Governo. Também os empréstimos para as micro e pequenas empresas, a duras penas aprovados, têm tido na burocracia um empecilho real de implementação. Ainda, nada se avançou na tributação de grandes fortunas e capitais, que olham a crise passar sem muito ter que colaborar. Mas o servidor público continua sendo o “vilão”.
Nesse debate, cabe relembrar alguns princípios básicos de Economia.
Aquilo que move a sociedade para um processo virtuoso são as expectativas. Se elas são positivas, retoma-se o investimento, geram-se empregos, e a sociedade pode se desenvolver. Se não, ela estagna ou cai.
Mas o que condiciona as expectativas é a confiança, ou, em outra palavra, a fidúcia. Não havendo confiança, não há retomada de crescimento.
Ao apostar basicamente em ajuste fiscal, não se aponta caminhos claros para a retomada do emprego, o que geraria confiança no desenvolvimento. Pode-se contra-argumentar que o capital privado seria o responsável por isso. Mas, descapitalizado pela crise e não vendo clara a retomada da demanda interna, ou mesmo externa, pergunta-se: que estímulo teria para se arriscar nesse cenário?
O papel do Governo Central pode ser fundamental. É o único agente econômico que emite moeda, que pode gerar meios de pagamento instantâneos, que viabilizem o surgir, em volumes significativos, investimentos estruturadores, como os de infraestrutura, ciência e tecnologia, saúde, educação e alimentação.
Pode-se argumentar que isso traria inflação. Alguma, talvez, mas que não comprometa o processo. Voltemos à confiança. André Lara Resende, baseado na moderna teoria monetária, nos fala de “moeda fiduciária”. Aquela que é vista como possível solução para os problemas de crescimento e as mazelas sociais. A moeda que, ao ser emitida, gera um ambiente propício ao investimento.
Evidentemente, se essa moeda adicional for usada para gastos predatórios, ou mesmo perdulários, não trará confiança, não será meio de reativação. Mas, se houver a clareza de que é para gastos fundamentais para a competitividade dessa sociedade, para aumentar a produtividade e para diminuir o desemprego e gargalos estruturais da sociedade, sem dúvida gerará um fluxo de investimentos, que mais do que justificará esses gastos.
Não estar aberto a esse ponto de vista parece um erro estratégico dos nossos dirigentes. Agora advogam que o país crescia antes da crise. Os dados não são bem esses. Em janeiro e fevereiro houve um decréscimo significativo dos indicadores. Mesmo a projeção de 2,5% de aumento do PIB era pífia, e não resolvia nosso problema de emprego, muito menos de distribuição de renda.
É fundamental que se volte às premissas básicas da Economia, que se evite a polarização em apenas dois modelos, que se abra a cabeça para soluções mais inventivas e menos convencionais. É isso que se pede.
Sou totalmente leigo em Economia. Vejo que necessitamos pensar em outro patamar. Economia menos matéria exata mais ciência humana, afinal retomar o que foi antes é suficiente?
Muito bom!! Mas, como garantir a Boa aplicação dos recursos?? Nós, nordestinos, conhecemos muito bem as barragens que não aguentava a primeira chuva.
Não cabe discutir aqui as ideias econômicas da ala Luiz Gonzaga Belluzzo da UNICAMP ou as estranhas novidades de André Lara Resende, que não têm acolhida entre os principais economistas do país. Vou me limitar a uma frase com que autor Abraham Sicsú, aqui, ao abraçar aquelas ideias, se posiciona na discussão bem concreta da atualidade, sobre o direcionamento do gasto público que foi necessário aumentar, e muito, durante a pandemia da Covid-19. E sobre a distribuição dos sacrifícios ou contribuições para que se possa aumentar consideravelmente tal gasto. Meio que en passant lançou a frase “Mas o servidor público continua sendo o ‘vilão’.” A frase é uma distorção do atual debate político: há dados empíricos contundentes que mostram quanta injustiça existe no Brasil na sua condição de “república de funcionários”. Não sei de economista que esteja fazendo funcionário público de vilão, isto é, culpando os funcionários pela recessão. O aumento do gasto público dirige-se principalmente à emergência sanitária e à ajuda emergencial aos que ficaram sem renda pela paralisação ou redução da atividade econômica. Mas isso não quer dizer que o gasto público possa aumentar sem considerar limites do lado da arrecadação. É nesse contexto que muita gente passou a repetir dados que a gente conhece há tempos, bem antes da pandemia: o salário médio dos empregados do setor público é mais alto que a média dos salários do setor privado, os funcionários públicos têm aposentadoria muito mais alta que os aposentados do INSS, o índice de desigualdade das aposentadorias é igual ao índice de desigualdade da renda familiar per capita em geral, o sistema de transferências de renda do estado brasileiro cria desigualdade ao invés de reduzi-la, há uma transferência de renda da população em geral para as aposentadorias mais altas do funcionalismo público. A lista dos privilégios absurdos de nossa “república de funcionários” é imensa, há relatos na grande imprensa toda hora. A última, a mais recente, é a mais chocante, refere-se ao aumento do desemprego, em vários setores da economia. Qual a categoria em que aumentou o número de empregados, nesta recessão da pandemia? O funcionalismo público! Se for mais médicos e pessoal de saúde contratado, aleluia! Mas não foi só isso. Enfim, o assunto já foi tratado aqui na “Será?” quando se discutia a reforma da previdência finalmente aprovada, que reduziu apenas um pouco a desigualdade no tratamento das aposentadorias do serviço público (a proposta original de Paulo Guedes nisso era até um pouco melhor que aquela que o Congresso finalmente aprovou). A questão atual é: é mais que justo que, no pacote de ajuda federal aos estados e municípios se exija o congelamento dos salários dos funcionários. Que governadores resistam a isso é pura demagogia. No setor privado está havendo muito mais que congelamento, está havendo cortes de salários ou perda total de salários. E mais: é claro que agora o estado tem que gastar, para salvar vidas. Mas isso não quer dizer que a dívida pública possa aumentar indefinidamente sem que comece a aparecer a desconfiança de défault. Expectativa/confiança é algo muito mais amplo e complicado do que o que está no artigo.