O benefício financeiro do auxílio emergencial (AE) fornecido pelo governo federal para enfrentamento da crise do coronavírus se destaca de pronto pela grandiosidade dos números.

O total de gastos autorizado para o Programa é de R$ 254,6 bi, sendo que até o dia 18/08 foram pagos R$ 161,0 bi para 66,4 milhões de beneficiários (quase um terço da população brasileira).

Naturalmente que um auxílio dessa magnitude, envolvendo trabalhadores informais, os já beneficiários do Bolsa Família e os que compõem o Cadastro Único, deve ter sido o grande responsável pela melhoria recente na avaliação do governo Bolsonaro detectada por vários institutos de pesquisa.

Como tal avaliação vinha em vertiginosa trajetória de baixa, face ao descontentamento de grande parte da população com a escalada autoritária e antidemocrática do presidente, a par da gestão temerária da crise sanitária e de suas frequentes declarações belicosas, essa inversão de tendência passou a ser tributada exclusivamente ao advento do AE, no grosso das análises sobre o assunto.

Uma investigação mais aprofundada, por exemplo, nas duas últimas pesquisas do Datafolha, as de junho e agosto, sugere que se faz necessário algum reparo nessas análises.

Um primeiro registro é o de que em todos os segmentos socioeconômicos e demográficos pesquisados o presidente melhorou sua avaliação de junho para agosto: sexo, cor, idade, escolaridade, renda familiar, região geográfica, natureza do município (região metropolitana e interior) e ocupação principal.

À guisa de ilustração, extraia-se do segmento socioeconômico a renda familiar – variável mais diretamente ligada ao contexto do AE – e se observem seus estratos constitutivos, em salários mínimos – SM: (até 2 SM), (+ de 2 até 5 SM), (+ de 5 até 10 SM) e (+ de 10 SM).

É lícito inferir que se a melhora da avaliação do governo do presidente se devesse exclusivamente às manifestações emanadas dos beneficiários do AE, os estratos de maior renda não registrariam nenhum avanço nesse sentido.

Não foi o que aconteceu. A aprovação (ótimo + bom) cresce 7 pontos entre os que ganham de 5 a 10 SM e 6 pontos no grupo de + de 10 SM. Simultaneamente, a reprovação (ruim + péssimo) cai 10 pontos no primeiro estrato e 5 no segundo.

O mesmo raciocínio se aplica a outra variável estritamente associada ao AE, a ocupação principal (assalariado sem registro, autônomo/prof. liberal, desempregado, aposentado, estudante, assalariado registrado, funcionário público e empresário, etc.).

Desse conjunto, separem-se os assalariados registrados, os funcionários públicos e os empresários que, por definição, não se habilitam ao AE. A julgar pela análise narrativa da exclusividade, estes grupos não deveriam expressar sentimentos incrementais de apoio ao desempenho do presidente no governo, de uma pesquisa para outra.

Não foi o que aconteceu. Neles, a aprovação aumenta e a reprovação diminui.

Essas constatações suscitam uma pertinente indagação: desde que a mudança para melhor da avaliação de governo do presidente não foi fruto tão-somente do AE, então que outros fatores foram intervenientes nesse processo?

Os investigadores sociais saberão responder com propriedade essa questão. É bem possível que eles incluam na melhoria do humor do brasileiro com presidente, à parte do carro-chefe, o AE, a flexibilização do afastamento social, a retomada de algumas atividades econômicas, certas perspectivas de reformas estruturais e que, como disse Eliane Cantanhêde,

“… houve também uma guinada estratégica que estancou a sangria na classe média e entre os escolarizados: Bolsonaro parou de prejudicar Bolsonaro. Pôs de lado a metralhadora giratória contra tudo e todos, saiu das manchetes e reverteu a curva: deixou de cair, passou a subir”. 

Algumas análises teimam em modificar os fatos para que se encaixem nas suas narrativas. Conviria, pelos números mostrados nas pesquisas citadas, que modificassem suas narrativas para se encaixarem aos fatos.