A julgar pelo número de suas obras traduzidas no Brasil, o filósofo e crítico literário britânico Terry Eagleton(1943) é bem conhecido no nosso país. Agora mesmo, em 2021, mais um ensaio seu, originalmente publicado em 2007, vem de aparecer pela Editora Unesp. Refiro-me a “O sentido da vida: uma brevíssima introdução”, que, naturalmente, muitos dos leitores pátrios confundirão com um livro de autoajuda.
Segundo os neurocientistas, nosso cérebro sempre está procurando um sentido, inclusive onde muito bem pode não haver sentido algum. Daí tantas narrativas fantásticas que tomamos como um chá benfazejo nas xícaras da filosofia, da literatura e das religiões. Nesse sentido, que não se subestime a prateleira de autoajuda, pois é uma alegria para os que vendem e não menor alegria para os que a leem.
O ensaio de Terry Eagleton é, de fato, brevíssimo para a vastidão do tema. É um livro que tem pressa, embora não seja um livro apressado. Um trabalho instigante de um intelectual que fala de cátedra. Instigante e breve, e talvez por isso mesmo (permitam-me o queixume) difícil de resenhar.
De saída, à própria pergunta “Qual o sentido da vida?”, o autor já nos lança em pleno segundo Wittgenstein, o das “Investigações filosóficas”. Como se sabe, o gênio austríaco, como bem reporta Eagleton, apontou que a principal tarefa do filósofo não é resolver questões como a do sentido da vida, “mas suprimi-las, ‘dissolvê-las’, mostrando como elas surgem junto a outras numa espécie de ‘jogo de linguagem’”. Em suma, não faz muito sentido ou sentido algum uma pergunta sobre o sentido da vida. Numa bela imagem das “Investigações”, que o autor não cita, Wittgenstein sintetizou: “Minha missão é mostrar à mosca a saída do vidro” (subentende-se que o vidro está sem tampa), embora muita gente continue a zumbir dentro dele… Mas Eagleton parece querer escapar…
Em seu sobrevoo pela filosofia moderna, o mestre britânico também lembra, dentre outros, Karl Marx, que, de alguma forma, ilumina a questão central do ensaio.
“Marx disse uma vez, de maneira algo elíptica, que os seres humanos só formulam problemas que eles mesmos são capazes de responder, querendo dizer com isso, talvez, que, se temos o aparato conceitual para formular a questão, então temos, a princípio, os meios para respondê-la”. Salvo engano, um verdadeiro achado, considerando-se uma entrevisão de resposta.
Nesse sobrevoo filosófico, Schopenhauer, Nietzsche e Freud, num mesmo eixo de pensamento, comparecem para nos apontar que a vida segue como vontade e desejo, e que estes são completamente cegos, embora possam fazer algum sentido.
Com grande erudição tanto em literatura quanto em filosofia, Eagleton nos garante que os antigos e “os pré-modernos” em geral não costumavam exatamente meditar tanto sobre o sentido da vida. Isso ficou para o século 20. Qual a razão? Ele responde: “Uma das razões pelas quais o século 20 tanto meditou sobre o sentido da existência é que em nenhum outro período a vida humana valeu tão pouco. Foi de longe a época mais sangrenta nos anais da História, com milhões de mortes desnecessárias”.
Baixando a bola, ou melhor, colocando-a no campo do nosso tempo, nosso autor nos diz que é o futebol que dá sentido à vida de um bom número de pessoas. Referindo-se à sua Grã-Bretanha natal, ele enumera o quanto esse esporte de lá oriundo “representa as mais nobres causas: fé religiosa, soberania nacional, honra pessoal, identidade étnica […]”, o que o leva a esta provocante tirada: “O esporte, e não a religião, é o verdadeiro ópio do povo”. Inescapável dizer aqui que essa observação cai como uma luva no caso do Brasil, o que levou nosso genial Nelson Rodrigues a dizer o óbvio numa imagem forte: “A Seleção é a pátria em chuteiras”. Embora Eagleton não se detenha na religião como fonte de sentido para a vida, reconhece que a fé religiosa é uma grande razão para se viver, mas não sem apontar que, em nossos dias, a “espiritualidade se tornou flácida” ao cair “nas mãos de gurus e massagistas espirituais, tecnólogos de satisfação em cápsulas, quiropráticos da psique”, um tipo de gente para quem “o espiritual não passa da outra face do material”. Fato, como se sabe, que vem sendo estudado por historiadores, sociólogos e antropólogos.
Já a literatura em si mesma nada tem de ópio. Pelo contrário. Eagleton nos lembra nomes como Kafka, Conrad, Beckett, Tchekhov, Virginia Woolf, Joyce, que chama, não sem razão, de “autores desorientados pela falta de sentido”. É nela, na literatura, em sua negatividade moderna, que mais pulsa a angústia e o anseio pelo sentido da vida. Mas o sentido da vida, concluirá nosso filósofo, “não é a solução para um problema, é uma questão de viver de certo jeito. Não é metafísico, mas ético. Não é algo separado da vida, mas aquilo que a torna digna de ser vivida”. Enfim, Eagleton nos traz a questão para a própria existência cotidiana e nos diz, com bom humor, que amor e felicidade são “dois dentre os mais fortes candidatos ao sentido da vida”. Sem sentido, ao que parece, é que não dá pra viver.
Alem dos livros de autoajuda, o texto me lembrou do filme O Sentido da Vida do grupo inglês de humor Monty Python. Através de pequenos quadros hilariantes e sem aparente relação entre si, argumenta-se que não há qualquer sentido a não ser viver e tentar encontrar um sentido para isso. O filme é da década de 1980.
Muito bom texto, Paulo.
Obrigado, Montenegro.
Ele cita o Monty Python…
Abraço
Paulo Gustavo
Caro Paulo Gustavo,
Meus cumprimentos por mais este rico texto.
Alguns anos atrás, escrevi aqui na Será? sobre o mesmo tema, e com o mesmo título. E me alegro por ver que eu e o renomado filósofo Eagleton, resenhado por você, não divergimos, no essencial. Assim, convido você a ver o meu trabalho. Está no bloco de editores da Revista, no meu nome, no grupo nº 5 dos textos relacionados no pé da página referente às minhas colaborações.
Grande abraço.
Clemente
Mestre Clemente,
Seu texto é encantador e, de fato, está em plena sintonia com o de Terry Eagleton.
Meus parabéns pela afinidade, com que modestamente compartilho.
Aceite, com minha admiração e meu agradecimento, um fraterno abraço.
Sou bacharel em filosofia (antes de virar economista) e talvez por isso mesmo já não tenho qualquer fascinação por filosofia. Esgotou-se no curso, lendo Hegel ou Sartre no original. Mas gostei de ler suas considerações a respeito, a propósito de Terry Eagleton. Aos filósofos da atualidade sobram as elocubrações que não exijam muito recorrer a dados e fatos, então buscam “sentidos”, atuam no nicho que sobrou, pois explicar como é mundo e a natureza (inclusive suas doenças) hoje em dia está a cargo dos cientistas, e ser físico, químico, astrônomo, médico, biólogo exige mais preparo e capacidade de pensar e pensamento lógico do que o dos “filosofantes”. Os gregos no século V a.C. ainda estavam procurando do que é constituída a Terra e hoje já chegamos ao bóson de Higgs. A vida assim em geral não tem sentido, ela é um dado, e sua evolução já foi explicada por Darwin. O sentido é o que cada pessoa lhe dê. Até para o indivíduo a vida é um dado e como pelo instinto básico, o da sobrevivência, as pessoas não tendem a se matar, devem continuar vivendo da melhor maneira possível, podem até fazer da busca do amor e da felicidade o sentido da vida. “Religião é o ópio do povo” é uma descoberta revolucionária: sim, é o ópio de qualquer um que desistiu de pensar, achou a resposta para todas as suas dúvidas e curiosidades e não precisa mais pensar, achou seu imutável argumento, a imutável narrativa e aceitação de tudo que acontece. Será que futebol é um opióide assim tão forte? Eu concordo com um filósofo pop, Alain de Botton (ou quem sabe é mais psicólogo de autoajuda que filósofo) quando diz que qualquer um que acredite em deus, esse deus antropomorfizado, é “slightly demential”, ou “tem ao menos um tiquinho de doença mental”. Talvez dito assim seja exagero, mas que necessariamente tal pessoa adquiriu alguma preguiça de pensar me parece óbvio.
Obrigado, Professora Helga,por seu lúcido comentário.
Abraço
Parabéns pela resenha. Excelente.