Michael Fassbender em Macbeth, filme de Justin Kurzel.

 

“Pobre pátria,

Revela medo até de conhecer-se.

De nossa mãe não pode ser chamada, mas nossa sepultura. Porque nela só ri ainda quem ignora tudo”.

Shakespeare, em Macbeth, Ato 4, cena 3.

As tragédias não são exclusivas de reis. Nos regicídios. Mas se estendem a outros senhores de poder. Nas deslegitimações. E, como dizem alguns, a vida imita a arte, fui buscar o modelo de Shakespeare. Chamado de Bardo, em referência a poetas e contadores de história, assim referidos, no século 16.

O autor inglês investigou profundamente, nos meandros da política, a questão da legitimidade do poder. Na contemporaneidade, fora exceções como a do Haiti, tiranicídeos ocorrem no plano simbólico. Como consequência de gradual e perseverante auto desconstrução da imagem pública do governante.

A perda de legitimidade é consequência de incompetência, de estímulo à desagregação social, de populismo vão, de estilo violento, de política fundamentalista. O modo reles de falar e agir vai semeando a vulgarização da autoridade. Desgastada na ausente solenidade inerente ao cargo. Como se o próprio titular não fizesse questão de respeitar seu grau. Tomando o mau exemplo, a população passa também a perder reverência a quem a dispensou.

Conforme análise do filósofo alemão, Walter Benjamin, da Escola de Frankfurt, os dramaturgos barrocos se apropriaram dessa circunstância que tinha uma leitura em seu tempo. A representação de antítese entre o poder do soberano e sua efetiva capacidade de governar.

Ora, diante de desleixos e desrespeitos regulamentares de governante, a conjuntura política vai se estiolando. Na interferência na Política Federal; na escolha, a dedo, fora de lista, do Procurador Geral da República; na proteção descabida a general da ativa que serve ao governo, a seu convite; no olvido a questões orçamentárias que alcançam impensável descontrole, inaceitável em gestão que preze responsabilidade política. Alimentando esconsa mitificação. Pois, como sabem os modernos, mitologização na política retrocede a busca de legitimação cujas raízes estão na Idade das trevas. O poeta português, Fernando Pessoa, escreveu que mito é “o tudo que é nada”.

O mais grave, institucionalmente, ocorreu esta semana. Não se tem notícia de ministro da Defesa, em nenhum país do planeta, que opine sobre lei eleitoral. Foi o que ocorreu no Brasil. Aprofundando uma distorção (ou propósito, não se sabe) que confunde órgão de governo e órgão de Estado. A questão é que o episódio configurou prática grave: o chefe de Instituição militar alinhou um órgão de Estado a projeto político de governo. Parece haver escalada em curso. Em direção ao obscurantismo. Manifestado reiteradamente por palavras e atos.

Militar não fala sobre voto. Militar aborda a Política de Defesa Nacional. E a Estratégia de Defesa Nacional. Documentos já submetidos, por este governo, ao Congresso Nacional. Mas o militar não deu uma palavra sobre eles. Para abordar tema que não é de sua seara.

Lembro Shakespeare: “Loucura nos grandes exige vigilância”, em Hamlet, Ato 3, cena 1. Está na hora de defender a democracia.