Cena do filme “Não Olhe para cima”.

 

O roteiro do diretor Adam McKay é pouco inspirado. Cenas gratuitas e diálogos fracos se multiplicam ao longo do filme. É melhor não se olhar muito para “Não olhe para cima”, pois a produção é uma série de lugares-comuns, salvando-se talvez pela pergunta que se oculta ou se imbrica na história: a quem servem ciência e tecnologia? 

A impressão que temos é que o roteiro patina ao embaralhar muitas cartas, quando o aprofundamento de poucas cartas teria bastado para tornar o filme melhor. Só a carta do negacionismo, a mais irracional e imediatista para se fugir dos problemas, quer venham do céu ou não, valeria o jogo. Como quer que seja, é por essa carta que os brasileiros vêm simpatizando ou antipatizando com o filme. Afinal de contas, o negacionismo é uma conveniência do poder e, nós, brasileiros, estamos sofrendo na pele a imposição de uma visão de poder contaminada pelo irracionalismo mais extremo.

Nem Di Caprio nem Meryl Streep salvam o filme. Nem eles convencem que estamos diante de um bom cientista e de uma midiática presidenta dos Estados Unidos. Eles, malgrado o desempenho profissional de cada um, esquiam na mesma superficialidade de todo o resto. Não podia ser diferente. Com diálogos que ficam a dever à verossimilhança de uma real hecatombe, no caso o monstruoso cometa que ameaça a Terra, o filme avança entre catastrofismo, comédia e algumas pitadas de sátira e até de melodrama. Enfim, brincando um pouco com as palavras, pode-se dizer que o filme não sabe se olha pra cima ou para baixo, ou para os lados, e essas hesitações desconcertam os que esperam uma direção e um entretenimento mais consistentes. 

Apesar de suas inconsistências e de ser um produto sob medida para plateias medusadas por simplismos, “Não olhe para cima” distrai e, um tanto à sua revelia, cria uma metáfora ou uma imagem (ou um irônico grito de catarse?) para um tempo medíocre que simbolicamente não olha para cima, quando, pelo contrário, o que precisamos é de olhar para cima e encarar com mais sabedoria os desafiantes problemas do destino humano sobre a Terra, quer o “alto” represente o poder político ou os perigos do cosmo. Sobre a instabilidade deste último, vale sempre repetir estes versos de Camões, que soam como uma lírica e oportuna oração: “Que não se arme e se indigne o céu sereno / Contra um bicho da Terra tão pequeno”. 

O que dói é que, numa época de exacerbado populismo, na qual fanatismos são enfrentados com outros fanatismos, o homem comum se vê sem esperança, sujeito a simples palavras de ordem, já sem saber olhar para lugar nenhum, terminando por flertar com o fanatismo e a morte. Eis porque se torna tentador romper com as normas, ignorá-las e transgredi-las. Assim, para concluir, lembramos que uma das cenas mais emblemáticas do filme, em nossa opinião, é aquela em que a presidenta dos Estados Unidos (Meryl Streep) acende seu cigarro junto a um aviso de… “inflamável”. Cena, aliás, bem familiar a brasileiros de todos os quadrantes… Enfim, o mau exemplo também vem “de cima” e grita pra gente: violem ou desprezem a lei, tenham agora a sua individualista e prazerosa gratificação. Resta-nos um lamentável e antissocial “carpe diem”. Não é de hoje que imediatismo e individualismo ameaçam o mundo. A diferença é que agora são programados e contam com piruetas digitais e algoritmos que nos fazem olhar pra onde querem…