O Papa e Mussolini - mural de Diego Rivera

O Papa e Mussolini – mural de Diego Rivera

 

De alguns anos para cá, candidatos ao Legislativo levantam a bandeira da defesa da família. Confesso que tenho dificuldade de entender o que pregam. Não consigo vê-la sob ataque ou simplesmente enfraquecida. Mas os assumidos candidatos conservadores insistem numa “defesa da família”. Estaria a família, sob nossos olhos estupefatos, com os dias contados? Seria a família o alvo secreto de traiçoeiros inimigos? As pautas um pouco mais progressistas seriam projéteis destinados a fraturar a família, eliminá-la, deixando, enfim, a humanidade livre dessa milenar instituição? Parece que as ruas estão cheias de cartazes com ameaçadores dizeres: “Abaixo a família!”, “Morte às famílias!”, “Pelo imediato fim da família!”. De fato, seria de se tremer de horror diante desses subversivos cartazes! Até Caim e Abel ficariam alarmados!

“Advogar sempre desacredita”, escreveu Kierkegaard em algum lugar de sua obra. Claro, a ênfase é sempre encobridora. Os advogados sabem disso instintivamente. Será o caso. E o caso, como diz Guimarães Rosa, “tem mais dúvida”. Logo vemos um dedo e por ele descobrimos uma gigante teoria conspiratória. Ah, querem menos família? Querem mais Estado? Por via das dúvidas, a defesa é desde já um bom ataque! Como é fácil e prático defender o que não está ameaçado!

Enfim, defender a família supostamente ameaçada é um bom truque para conquistar as massas órfãs de proteção social. Sugiro a tais “advogados” que recorram, pra ilustrar o discurso, a uma metáfora rosiana: “Num ninho nunca faz frio”. Enfim, a família é sólida: pais, mães, irmãos, tios, avós formam uma rede protetiva e íntegra até, pelo menos, se desconhecerem nas varas de família. Não sem razão, Peter de Vries, o famoso jornalista holandês, escreveu com alguma graça: “Quando já não suporto pensar nas vítimas dos lares desfeitos, começo a pensar nas vítimas dos lares intactos”. 

Ironias à parte,  o fato é que prosperam os arautos da defesa da família. Há quem diga que desejam apenas manter a família patriarcal, na qual os meninos vestem azul e as meninas vestem rosa, na síntese tão feliz de uma ex-ministra da Família. Então, está tudo explicado, e só agora compreendo a veemência desses arautos: a eles falta o claro uso de um adjetivo. Com esse adjetivo, “patriarcal”, também poderiam trazer de volta engenhos e casas-grandes a uma sociedade em clara decadência como a nossa. Sim, nesse mundo ainda tão próximo dos dias atuais, a mulher “conhecia o seu lugar”, as crianças e os jovens obedeciam a pais e mestres, e leis esquerdistas não vinham conceder direitos a cansados braços trabalhadores. De resto, a família de então era religiosa, tinha fé em Deus, estofo moral; mas, que diabo, não era perfeita, uma vez que tolerava a pedofilia, os abusos sexuais, a escravidão…

Agora, não tenho mais dificuldade de entender os que pregam a defesa da família. Além de oportuna, a proposta é econômica, barata e, segundo a realidade das campanhas políticas, traz ricos dividendos morais. A moral, longe do radar dos analistas, está indiscutivelmente na moda.