Não irei, compas, e com dó no coração. Este movimento de reencontro com pessoas, histórias, vivências e sentimentos está sendo emocionante. É um resgate de nós mesmos, de parte de nossas vidas, mais ou menos importante segundo as experiências de cada um/uma. Tantos casamentos, namoros, separações, filhos e filhas. Tantos amigos e amigas, muitos perdidos no tempo e pelos caminhos da vida. Tantas emoções nas recordações das apostas que fizemos, das frustrações, das perdas e das esperanças sempre renovadas. A fé no povo e no futuro confirmadas depois de longo e tenebroso inverno.
Leio tudo que vocês escrevem e tento lembrar dos que conheci e descobrir os que não conheci. Estes últimos são a grande maioria neste grupo. De fato, nunca vivi no Chile, como parece ter sido o caso da maioria de vocês. Cheguei com os 70, no 15 de janeiro, e parti para a Europa em começo de março. Voltei uma vez em julho/agosto de 1972 para uma série de reuniões internas da AP. E duas vezes em 1973, uma em junho/julho, ainda para reuniões da AP e outra em setembro/outubro, quando tinha decidido ir viver no país e me integrar no processo revolucionário em curso. No total foram 8 meses picotados, em 4 visitas, em 3 anos. Enquanto vocês viviam, lutavam e trabalhavam no Chile e formaram uma comunidade que agora se reencontra, eu estava em outra frente de luta contra a ditadura, viajando pelo mundo afora denunciando as torturas e assassinatos de presos políticos no Brasil. Não me arrependo da escolha que fiz, mas ela me negou esta vivência extraordinária que vocês tiveram e que eu invejo. De fato, neste grupo eu sou um tanto outsider. Mas tive minha quota de experiências chilenas, sobretudo depois do golpe, quando passei uns 40 dias encharcado de adrenalina pelos riscos de deixar a pele na sombra da cordilheira. E posso dizer até que conheci mais do Chile e do seu povo pelas atividades profissionais que me levaram a revisitar o país ainda sob a ditadura de Pinochet, começando em 1985 e continuando com uma a duas viagens por ano até 2002. Nesta fase conheci mais do que Santiago e estive em seis a sete províncias, visitando comunidades rurais em processo de transição para a produção agroecológica.
Vou aproveitar a maré de recuerdos que vocês agitaram para deixar algumas lembranças para quem vier depois. Como tendo a me enredar nas minhas memórias, vou lançando as lembranças em capítulos que espero tenham algum interesse.
- A partida dos 70 no voo da liberdade.
Por óbvio, para chegar é preciso partir. E a partida foi dramática. O sequestro do embaixador suíço marcou uma mudança no comportamento da ditadura em relação às trocas por presos políticos. Nos três primeiros sequestros tudo se fez em menos de três ou quatro dias, sem negociações. No caso do suíço os milicos decidiram dar uma travada no processo e estabeleceram condições e passaram a decisão da troca para a mão dos sequestradores.
Tive longas conversas em Paris com um dos membros do comando da operação da VPR, Alfredo Sirkis, o único que eu já conhecia quando ambos atuávamos no movimento estudantil do Rio de Janeiro, ele secundarista e eu universitário.
Alfredo esclareceu as condições em que fui incluído na primeira lista. Por proposta dele, meu nome foi discutido no grupo e rejeitado pela quase totalidade, excluídos ele mesmo e o comandante da operação, Capitão Lamarca. Os argumentos usados eram os que me levavam a crer que eu nunca sairia em um sequestro. Eu era militante de um partido que não tinha embarcado na luta armada, a Ação Popular. A AP defendia a guerra popular prolongada no modelo maoísta e achava que não havia condições políticas e militares para o enfrentamento iniciado pela ALN, VPR, VAR, PCBR, MR-8 e outras siglas menores. Inclusive a AP condenou os sequestros anteriores que estariam provocando um recrudescimento da repressão e um massacre de militantes, não só dos partidos envolvidos na luta armada.
O argumento do Alfredo, valorizando a importância de libertar o presidente da UNE, não foi aceito pelo grupo, que deste modo divergiu da ALN e do MR-8, que retiraram, no sequestro do embaixador americano, lideranças estudantis (Luiz Travassos e José Dirceu) e um líder histórico do PCB (Gregório Bezerra) além de militantes de base estudantil do MR-8 (Maria Augusta e Ricardo Vilas). Nos outros dois sequestros, quase todos os trocados eram militantes da guerrilha urbana, exceção sendo a Madre Maurina, no sequestro do cônsul japonês. Cheguei a ter esperanças de sair no sequestro do embaixador alemão, mas foi ali que percebi que o jogo tinha ficado mais duro e que o objeto dos sequestros passara a ser recuperar os guerrilheiros presos pela repressão. Quando houve o sequestro do suíço eu nem criei expectativas e foi com muita surpresa que me deparei com o meu nome na lista.
Mas, apesar da ampla maioria contrária à inclusão do meu nome na lista, prevaleceu a decisão do Lamarca que tinha a palavra final na formulação da lista. Segundo o Alfredo, o Lamarca também não valorizou o meu status de líder das massas estudantis, mas me incluiu na lista como um gesto de simpatia para com os suíços, já que eu tinha dupla nacionalidade. Era uma espécie de compensação pelo sequestro do embaixador: um suíço pelo outro (e mais 69 brasileiros, puros ou quase). Esta frase eu ouviria de novo antes da troca se realizar.
Naquele momento, eu estava preso no Galeão, para onde tinha sido transferido, saindo da Ilha das flores por iniciativa do comando da Marinha, que acreditava que eu tinha sido o mentor da greve de fome de uma semana que fizemos em outubro. Como o processo da AP estava em uma auditoria da Aeronáutica, a marinha procurou se livrar de mim e dos outros 5 presos da AP, entregando-nos para a Força Aérea.
As condições do presídio do Galeão eram muito mais duras do que as da Ilha das Flores e estávamos nas mãos de um dos piores facínoras entre os muitos das nossas FFAA, o brigadeiro Burnier, aquele que tentou explodir o gasômetro do Rio de Janeiro para botar a culpa na esquerda e forçar uma radicalização do regime, ainda em meados de 68. O projeto de Burnier era aproveitar o impacto do atentado e dar sumiço em uma lista de opositores do regime, quase todos ainda com vida legal. Eu estava nesta lista, segundo fiquei sabendo, em companhia de, entre quase cem outros, o cardeal do Recife, dom Helder Câmara. Era uma desagradável honra estar nesta lista e o Galeão era um mau lugar para estar preso, se é que havia algum bom.
Desde o dia do sequestro, 10 de dezembro, se não me engano, ficamos totalmente incomunicáveis e sem saber o que tinha acontecido. Quase uma semana depois, um grupo de presos chegou de madrugada no presídio e um deles foi posto em uma cela ao lado da que eu partilhava com dois outros militantes da AP. Usando a técnica de colocar um copo emborcado na parede procuramos nos comunicar com o recém-chegado e escutamos um choro que parecia de criança. Após alguns esforços para ele entender o método de comunicação, perguntamos quem era e ficamos sabendo que era o filho do coronel Jefferson Cardim Osório, um brizolista que tinha tentado invadir o Rio Grande do Sul com um grupo armado, menos de um ano depois do golpe. Com o fracasso da empreitada ele tinha recuado e vivia no Uruguai com a família. Dias antes todos eles tinham sido sequestrados no país vizinho e trazidos para o Brasil.
Nossa segunda pergunta era sobre o que tinha acontecido para estarmos incomunicáveis e ele nos relatou o sequestro do suíço. Como já tinha se passado mais de uma semana desde o evento, inquirimos sobre a razão de não ter havido a troca e ele nos disse da negociação imposta pelos militares. Caramba! Deu ruim, o sequestro não tinha funcionado e esperava-se uma resposta dura do comando da VPR, matando o embaixador. Ficamos mais do que ansiosos porque, se isto acontecesse, a probabilidade de um massacre nas prisões era grande, sobretudo para quem estava na lista dos que seriam trocados. Eu ainda não sabia que estava na lista, de modo que me considerava apenas um entre as muitas centenas de presos políticos sobre os quais poderia cair a vingança dos milicos. A eliminação de todos era improvável, mas a dos pedidos em troca do embaixador era uma forte probabilidade.
No dia seguinte, ouvimos uma movimentação de gente na porta da nossa cela e logo uma ordem veio pela janelinha por onde passavam a comida: “virem-se todos de costas para a porta. Jean Marc, ponha as mãos para trás e recue.” A porta foi aberta e fui imediatamente encapuçado e algemado, sendo arrastado por corredores até um recinto refrigerado onde pude ouvir um vozerio de muita gente. Entrei em pânico. Iria voltar para a tortura? Na Ilha das Flores não havia este tipo de recinto com isolamento sonoro porque o local de interrogatório era isolado, mas eu sabia pelos meus muitos companheiros de prisão que tinham passado pelos quartéis do DOI-CODI ou do DOPS, que ele era comum e a refrigeração era para tornar o “trabalho” dos torturadores menos incomodo e quente. Uma voz pediu silêncio e mandou que fossem retirados as algemas e o capuz. Na minha frente havia uma mesa com três pessoas à paisana. Um pouco mais atrás vi duas pessoas com farda de pilotos. Vários oficiais e praças da FAB se espalhavam no recinto. Tanta gente, pensei, vai ser um massacre. Mas estava com os olhos grudados nos pilotos, pensando se não seriam eles a me levar para um mergulho final no Atlântico, jogado de um helicóptero. Um deles encontrou o meu olhar e sorriu. O alívio foi enorme. Ninguém com ordens de assassinar um preso iria sorrir para ele, raciocinei.
O chefe do grupo dos sentados na mesa chamou a minha atenção e leu uma declaração:
“Você foi escolhido pelos sequestradores do embaixador suíço para ser trocado e libertado. Você aceita a troca?” Fiquei perplexo. Fingi não saber do sequestro e perguntei: “troca? Eu? Não é possível!”. E arrisquei: “quando foi isso?”. O sujeito respondeu confirmando o que eu já sabia desde a véspera.
“Há 10 dias? Mas o que está havendo? Todos os sequestros se resolveram em três dias!”.
“O governo está negociando com os sequestradores as condições e a lista dos trocados. O presidente Médici decidiu que ninguém vai ser libertado contra a sua vontade e cada um terá que assinar uma declaração indicando se quer sair ou ficar.”
Aquilo me pareceu totalmente insólito. Quem haveria de preferir ficar preso em vez de ser libertado?
“Chega de conversa. Você quer sair ou quer ficar? Estamos aqui para saber a sua posição.”
“Antes de decidir eu preciso saber se vai haver uma troca ou não. Parece que esta negociação está emperrada.” A ameaça da retaliação, no caso da negociação falhar e o embaixador ser morto, passara a ser muito concreta e eu não queria colocar o meu pescoço na guilhotina naquela hora.
Os três se juntaram num canto para discutir o que fazer e acabaram decidindo me isolar dos outros presos enquanto eu “fazia a minha opção”. E assim foi feito.
As negociações se esticaram por mais uns 20 dias e, embora eu não soubesse, várias listas foram elaboradas. Não só alguns se recusaram a sair, por razões políticas ou pessoais, mas os milicos puseram limites para a seleção dos libertos. Ninguém acusado de crime de sangue ou de sequestro ou condenado a mais de 10 anos de prisão seria solto. O primeiro critério eliminou alguns amigos da Ilha das Flores, como o Cláudio Torres e o Otoni Guimarães. O segundo eliminou apenas o Jorge Vale, já que eram poucos os casos de presos já julgados e condenados.
A decisão de não eliminar o suíço foi exclusiva do comandante Lamarca. Segundo Alfredo, quase todo o grupo era favorável à eliminação, para não desmoralizar o instrumento político do sequestro. Lamarca justificou sua posição pelo risco de retaliação sobre os presos e uma reação negativa da opinião pública nacional e internacional, como houve no caso da morte do embaixador alemão sequestrado na Guatemala, se não me engano.
Enquanto rolavam as negociações, fui chamado várias vezes para reuniões em que diferentes personagens tentavam me convencer a recusar a libertação. Dei corda para estas conversas, primeiro porque me ocupava o tempo e segundo porque me permitia jogar o jogo da indecisão até ter certeza de que a troca ocorreria. Discuti a política educacional da ditadura com oficiais e depois com um dirigente do MEC. Discuti democracia e interesses nacionais com gente fardada e à paisana. Quase que dia sim, dia não havia uma reunião e discussões, sempre sem ameaças e às vezes até com concordâncias com os meus argumentos. Mas tudo isto se passava à sombra da figura sinistra do brigadeiro Burnier. Ele veio me ver um dia na cela e fez o seguinte comentário: “Reze para este sequestro dar certo. Se matarem o embaixador, pelo menos você, eu mato. Vai ficar um suíço pelo outro, quá, quá, quá.” A minha dupla nacionalidade era conhecida e ele achou graça na sua ameaça.
Com o tempo, os guardas que me traziam a comida passaram a conversar e um sargento, que também era pastor evangélico, fez seu próprio esforço de me converter e me visitava quando estava de serviço, conversando na porta da cela. Fui tirando vantagens destas conversas e conseguindo informações sobre o andamento das negociações, inclusive recebendo recortes de jornais que eu destruía e jogava na “boca do boi”. Consegui livros mandados pelos meus pais, inclusive um que nunca esqueci, as memórias de Casanova, oferecido por amigos deles, ou as obras completas de Garcia Lorca, mandado pela dona do Jornal do Brasil, Leda Nascimento Brito, amiga da minha mãe. Fazia muita ginástica, como sempre fiz em meus múltiplos cativeiros em solitárias, para cansar o corpo e sossegar a mente para dormir. Mas a angústia desta espera me torcia o estômago e eu quase não comia.
Lá pelo dia 10 ou 11 de janeiro começaram a chegar os presos que seriam trocados e logo a lista ficou completa, só faltando a minha decisão. Um dia fui levado para uma reunião com um oficial do exército, ajudante de ordens do general Figueiredo, que era chefe da Casa Militar, se não me engano. De cara ele me disse que tinha mandato do general para negociar comigo. Abriu um volumoso arquivo com o meu nome na capa e discorreu:
“Você tem quatro processos. No da viatura do exército você foi condenado a dois anos de prisão em primeira (auditoria) e segunda (STM) instâncias. O seu recurso no STF deve ser favorável, se dermos um toque nas pessoas certas. O seu processo da AP está baseado apenas nas denúncias de outros presos e podemos anular na auditoria. O seu processo por agressão a um oficial do exército em uma manifestação no Paraná é puro boato e não vai dar em nada, se quisermos. O complicador é o seu processo da UNE, onde você é réu confesso e não vai dar para anular. A pena máxima vai ser inevitável e são 5 anos. Como você já está preso há ano e meio, podemos dar uma liberdade provisória em mais uns 6 meses. O que estou oferecendo é a tua liberdade e a possibilidade de voltar para a universidade e completar o seu curso e retomar a tua vida. Se quiser fazer política sempre há uma atuação legal possível no MDB. Caso você decida pela saída na troca, o banimento vai ser por toda a tua vida e você vai perder o contato com a tua família e com a tua noiva. Você tem 24 horas para dar uma resposta”.
Noiva? De onde eles tinham tirado isso? Eu não tinha nenhuma noiva e minhas ex-namoradas estavam casadas.
Na manhã seguinte recebi a visita dos meus pais e irmãos, trazidos pelos oficiais da Aeronáutica para me convencer a ficar. Após os abraços sentidos, os oficiais presentes instaram meus familiares a me convencer a recusar a troca. Foi minha mãe que respondeu por todos, com voz firme.
“Você sempre fez o que achava mais certo e nós vamos apoiar qualquer decisão que você tomar.” A reunião acabou ali mesmo com os oficiais irritadíssimos.
Horas depois fui de novo chamado para uma sala de visitas e encontrei a Gris, lindíssima irmã do meu colega de cela na Ilha das Flores, Jaime Cardoso, até hoje um amigaço. Empurrando os guardas ela me abraçou (meu primeiro abraço com ela e com qualquer outra mulher fora a minha mãe em 500 dias de prisão) e sussurrou: “vou te encontrar seja aonde for”. A conversa acabou ali mesmo e fui levado de volta para cela com explosões de testosterona saindo pelos ouvidos e sem entender nada.
Mais tarde, já no Chile, fiquei sabendo pela própria Gris, que as cartas que trocamos durante alguns meses tinham mexido com ela e se apaixonado por mim. Quando fui transferido da Ilha da Flores para o Galeão os milicos fizeram uma maldade com as nossas famílias, não avisando da transferência e deixando que sofressem com o nosso desaparecimento até que uma medida cautelar do STM os obrigou a apresentar-nos. Gris juntou-se aos meus pais na peregrinação de presídio em presídio para me encontrar e, para justificar a sua participação perante os milicos, disse ser a minha noiva.
Ao fim deste dia agitado fui outra vez levado a uma sala onde um jovem à paisana com uma maleta do tipo 007 me esperava sentado à uma mesa. “Chegou a hora. Sai ou não sai?”. Só a pergunta, sem pressões e argumentos e colocou um papel e uma caneta à minha frente.
Escrevi: Saio porque a liberdade é o bem mais precioso que um indivíduo ou uma sociedade podem desejar. Assinei e entreguei com o coração na boca.
Ele abriu a maleta, sacando uma pistola automática que mais tarde aprendi ser uma Walter PPK. Congelei por alguns segundos pensando: resposta errada! Mas ele apenas guardou o meu papel com a pistola por cima e fechou a maleta. Sorriu: “Acabo de ganhar uma garrafa de uísque. Apostei com um colega da federal que você optaria por sair. Boa sorte.”
Anoitecia e fui levado direto para um galpão enorme onde havia 35 beliches colocados aos pares. Nestas “camas de casal” superpostas estavam deitados 69 trocados, algemados dois a dois. Um deles estava sem parelha e a ele fui algemado. Era o Fortini da VPR que vim a conhecer melhor na Itália. Quando entrei no galpão alguém gritou: “é o Jean Marc” e uma onda de gritos de alegria e aplausos me receberam. Na parte de baixo do beliche estava o Marcão, da economia da UFRJ, militante do PCBR e meu parceiro e amigo. Comentei com ele não imaginar ser tão popular entre um grupo onde conhecia poucos. Ele riu: “não é você pessoalmente que foi aplaudido, mas o seu número. És o setenta. O grupo está completo e podemos viajar”.
Lá pela meia noite fomos levados a um pátio do Galeão onde trocaram as nossas algemas de plástico por outras de metal, menos incomodas. Também trocaram as duplas, não sei por que nem qual a lógica das escolhas. Fui algemado ao frei Tito de Alencar. Tito estava traumatizadíssimo pela pesada tortura a que foi submetido e não me disse palavra antes, durante e depois da viagem. Fomos fotografados neste pátio e depois levados em ônibus para a cabeceira da pista de decolagem onde um avião da Varig nos esperava. Os muitos oficiais da aeronáutica e 35 agentes da polícia federal nos cercaram e nos puseram em duas filas, fazendo com que os da frente se agachassem. A mais ou menos cem metros uma tropa de fotógrafos se colocou atrás de uma linha e nos fuzilou à distância com um alegre pipocar de flashes.
Eu estava em uma ponta da fila de trás e logo correu a voz entre nós para fazermos o V da vitória com braços e os dedos. Os oficiais atrás de nós gritavam para abaixarmos os braços e um deles pirou e começou a dar socos nas nossas costas. Mantive o meu V e o braço do Tito bem altos. De repente alguém na nossa fila virou-se para trás e deu um soco ou um chute no oficial que nos agredia. Enlouquecido de ódio ele sacou uma pistola e partiu para cima do Wellington, supostamente o que deu o soco/chute. Vários de nós cercamos o Wellington e um bando de oficiais e policiais civis agarraram o maníaco homicida. Foi tudo muito rápido e pouca gente percebeu o quão perto estivemos de uma tragédia pois, se o oficial matasse ou ferisse o Wellington é pouco provável que a troca continuasse.
Mas tomamos nossos lugares no avião, sempre com um agente da federal no corredor para cada dois de nós na janela e no meio.
Quando o avião decolou lembrei do sinistro vaticínio do Wilson, que até subirmos as escadas ainda achava que seriamos todos mortos e jogados no mar. O piloto deu uma volta ampla por cima do Rio de Janeiro, não sei se para nos mostrar o que deixaríamos de ver por quase uma década, a lindíssima paisagem da cidade onde nasci e me criei. Sem conseguir trocar ideias com o Tito e com os choques de adrenalina passando, o cansaço me venceu e eu dormi como uma pedra.
(segue no próximo capítulo)
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