Aída da Acosta

Aída da Acosta

 

Enquanto muito acertadamente se celebra 150 anos de Santos Dumont se esquece os 120 anos do primeiro ato de pilotagem feminina de uma aeronave. Este 2003 marca 120 anos do evento primeira mulher a pilotar uma aeronave, em 21 de junho de 1903. Dois anos após a primeira pilotagem masculina de um efetivo dirigível.

O primeiro homem a pilotar um dirigível de utilidade prática, foi Santos Dumont, em 13 de julho de 1901. Entende-se de utilidade prática como sendo a capacidade de satisfazer certos requisitos, como conseguir velocidade maior do que a dos ventos e rajadas normalmente encontradas, possibilitando determinar a direção em voo; ter uma razoável confiabilidade, como seja uma probabilidade confortável de realizar uma determinada viagem. O marco de utilidade prática foi alcançado com o estabelecido Prêmio Deutsch, que exigia a partida no Aero Clube da França, a volta ao redor da Torre Eiffel e o retorno ao ponto de partida dentro de trinta minutos, em comprovada viagem aérea, segundo testemunhas e um Comitê de Especialistas, convocado com antecedência mínima de 24h para presenciar o voo. Foi conquistado com o sexto balão dirigível construído por Santos Dumont, em sucessivos aperfeiçoamentos na direção de atingir efetiva dirigibilidade.

Santos Dumont continuou a construir dirigíveis. O número sete visava obter prêmios de velocidade. Teve a câmara perfurada com inúmeros cortes ao tentar concorrer a prêmio na Feira Internacional de St Louis, EEUU, 1904, onde ninguém ganhou o prêmio que visava. O número oito, uma cópia do histórico Número Seis, visava venda. O vendeu. E veio o número nove, desenvolvido para o objetivo específico de transporte pessoal urbano. E o usou como transporte pessoal durante 1903. Primou pela facilidade de comando e manuseio, e economicidade na forma de baixos custos de investimento e de uso.

Provou, pelo uso intenso, como seu meio de deslocamento em Paris, que balões dirigíveis haviam alcançado o objetivo de serem incorporados aos meios de deslocamento efetivamente disponíveis à humanidade. Foi ele o grande destacado no domínio dos ares com o uso de balões dirigíveis nos primórdios da dirigibilidade. E portanto, do que havia disponível à humanidade, até então, para efetivo deslocamento aéreo.

Uma norte americana concluira o ciclo médio no primeiro semestre letivo de 1903 num colégio de escol em Nova Iorque e fora, com colegas e mães, passear em Paris. Ela teve sua imaginação disparada ao ver Santos Dumont passar em um dos seus voos diários, em baixa altitude. Notícia diária nos jornais de Paris, ele era fácil de ser encontrado. Foi no hangar do Número Nove que ela teve o primeiro contato com Santos Dumont. Destemida, externou seu desejo de participar em voos. Impossível. O Número Nove fora feito para transporte individual. A capacidade ascensional da câmara, explicou Santos Dumont, limitava-se à estrutura sob a câmara, a hélice e seu eixo, o leme de direção, ao sistema de pesos móveis, ao peso de apenas uma pessoa, o motor de 3,5HP, estoque de combustível, um mínimo lastro, indispensável elemento de segurança.

Para surpresa de Santos Dumont a jovem Aída da Acosta não se deu por vencida. Pôs um desafio ao navegador. Ensiná-la a pilotar o Número Nove e emprestá-lo para pilotagem por ela. Santos Dumont foi surpreendido pelo desafio. O aceitou. Deu três aulas teóricas. Aulas práticas, impossível. Mas Aída topou assim mesmo. No dia 21 de junho, o seu voo. Para garantir socorro caso algo saísse errado Santos Dumont montara um esquema. Dois seus mecânicos acompanhariam o voo por terra. Santos Dumont, também seguiria o balão de bicicleta,  com dois lenços para com eles enviar sinais combinados, numa emergência. Afinal foram só três aulas teóricas. Mas tudo ocorreu conforme previsto.

Do terreno onde instalado o hangar de Santos Dumont Aida gritou o já clássico “larguem tudo” e o Número Nove subiu. Com ela sozinha, em seu voo solo. Manteve baixa altitude, com o “guide rope” arriado. E suavemente voou por 15 minutos, a 25km/h, dirigindo-se ao local combinado, o campo de Polo de Bagatelle, no norte de Bois de Boulogne, onde estava havendo um jogo de polo entre um time americano e um inglês. Não haveria lugar melhor em Paris, no dia, para maior impacto publicitário do fato. Nos círculos que por ali estavam o Número Nove era conhecido. Sua aproximação anunciava que Santos Dumont viera apreciar o jogo. Fato natural. Mas ao se aproximar mais, um verdadeiro choque. O piloto não era o aeronauta. Era uma jovem. O jogo de Polo foi interrompido. Parado o balão, chegou o seu dono, de bicicleta. Passados o choque e a animação inicial, em meio à qual se deram as apresentações, o jogo foi, afinal, retomado. E após um lanche e um pouco de tempo a observar o jogo, Aida retomou o balão, iniciando o voo de volta. E Santos Dumont partia em sua bicicleta para o seu hangar.

Os jornais parisienses divulgaram, no dia seguinte, o surpreendente fato. Graças às inovações de Tesla e Edison, também um jornal de Nova Iorque. Lida a notícia pelo pai de Aída, ordenou sua imediata volta para casa, em silêncio sobre o voo. Conhecedor da sociedade local, achava ele que ampla divulgação local colocaria grandes dificuldades para um casamento dela. Afinal, o dirigível de Santos Dumont só cabia um, mas seu apartamento seguramente era mais amplo. Ela manteve um silêncio obsequioso sobre o seu voo por vinte anos. Casou-se. Teve dois filhos. Descasou. Casou-se novamente, desta vez com um militar que foi advogado de Charles Lindbergh, primeiro aviador a transpor o Atlântico em voo contínuo, no caso do rapto de seu filho. Em 1933 quando o segundo esposo e ela ofereciam um jantar a um jovem oficial da Marinha Norte americana este revelou seu desejo de pilotar dirigíveis. Foi só aí quando Aída rompeu o silêncio obsequioso e revelou sua experiência com o Número Nove.

O voo de Aida é tratado no norte americano National Air and Space Museum como “Aida D’Acosta, uma cubano-americana, que se tornou a primeira mulher de descendência latino-americana a voar sozinha um dirigível em 1903, quando ela voou o dirigível Santos Dumont N . 9” [Tradução do Autor.]. Ou seja, a primeira mulher no mundo a pilotar uma aeronave (dirigível ou avião), é um fato de extraordinária importância quando se encara questões de gênero no decurso do processo de desenvolvimento da aviação. Torna-se, da forma como redigido foi, apenas na primeira mulher de descendência latino-americana a pilotar um dirigível, como se de etnias superiores houvessem já pilotado um. E a de descendência latino-americana só houvesse pilotado um dirigível em 1903. O voo de Aida D´Acosta não foi omitido. Foi-lhe retirada a dimensão universal de primeiro, tendo se tornado algo importante apenas dentro do periférico conjunto de latino-americanos e no descontextualizado e específico ano de 1903.

A liberdade faz presença nas democracias. Todas com virtudes e defeitos, como obras humanas. A liberdade traz divergências até em órgãos públicos. A norte americana Federal Aviation Administration coloca Aida como a primeira mulher a pilotar um dirigível. Não diminui o seu feito criando espaço para reconstruções do passado incluírem anteriores outras pilotos. Poderia ter dito que foi a primeira a pilotar uma aeronave, porque avião, nenhuma tinha pilotado, que se saiba. E ressalta o que ela ouviu de Santos Dumont, ao pousar em Bagatelle, ao fim da primeira viagem como piloto: “Mademoiselle, vous êtes la première aero-chauffeuse du monde!”. Senhorita, vós sois a pimeira piloto de aeronave do mundo. [Tradução do Autor.]